A consequência dessa investigação tendenciosa e desse processo manipulado é gravíssima: cassação de direitos políticos, perseguições e prisões políticas
Por Camila Valle, cientista política e jurista
Estamos diante de um avanço das medidas reacionárias e das perseguições políticas no Brasil. Essa semana, no Rio de Janeiro, mais uma vez foi confirmado o caráter político do processo e das prisões dos ativistas.
No dia 12 de julho, um dia antes da final da Copa do Mundo da Fifa, diversas pessoas foram presas em casa e, na semana seguinte, o Ministério Público ofereceu denúncia. Todavia, não há provas que sirvam de base a essas prisões e processos.
A principal testemunha é um agressor de mulheres que, após ser questionado pelo movimento por conta de suas posições machistas e suas ameaças, jurou vingança. Uma pessoa que reproduz o mesmo pensamento de Bolsonaro. As acusações, em geral, são baseadas em seu depoimento. Mas ele não apresenta nenhuma prova .
Outra testemunha é uma mulher, ex-parceira de um dos réus, que também decidiu se vingar de quem passou a ser a nova companhia de seu ex-parceiro. É ela que relata a suposta tentativa de “incendiar a Câmara”, que não foi provada de nenhuma forma. Tudo o que se tem é a afirmação dessa pessoa. Para agravar a situação, essa afirmação que ela atribui a uma das acusadas – mesmo sem provar – está sendo usada para todos os réus.
Outra testemunha é a própria delegada de polícia. Exatamente a pessoa que pediu a prisão dos réus. E que, ao depor, fazia constantemente referências a um mesmo depoimento – o do agressor de mulheres -, repetindo-o como verdade absoluta.
Por fim, é testemunha um policial que atuou como agente infiltrado sem autorização legal e que, apesar disso, não afirmou ter visto os réus cometendo condutas criminosas. Apenas confirmou que algumas pessoas participavam de manifestações.
Palavras soltas de pessoas que tinham interesse pessoal e político.
Além disso, quais as outras provas? Interceptações telefônicas transcritas de forma parcial e manipulada, transformando relações pessoais em associação criminosa. Deduções sem fundamento: a expressão “vai bombar” agora significa explodir uma bomba.
A consequência dessa investigação tendenciosa e desse processo manipulado é gravíssima: cassação de direitos políticos, perseguições e prisões políticas.
No mais recente episódio: Igor Mendes está preso e Elisa Quadros e Karlayne Moraes estão obrigadas a viver na clandestinidade porque o juiz Itabaiana decretou suas prisões preventivas, argumentando que eles teriam descumprido uma das medidas cautelares (impostas em decisão anterior pelo Tribunal de Justiça). Mas o que eles fizeram? Participaram de um EVENTO CULTURAL! Isso mesmo. O juiz mandou prender três ativistas porque eles foram em uma atividade festiva onde foi proferida uma palestra e terminou com feijoada, música e banda.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve as prisões. Ou seja, essas 23 pessoas estão impedidas de participar de eventos públicos e de expressar sua opinião. Não podem ir a uma panfletagem, a um festival cultural, a uma atividade política, a uma manifestação ou protesto.
A inconstitucionalidade dessas medidas cautelares e restritivas é evidente. Sem ter havido condenação criminal, houve a retirada dos direitos políticos desses ativistas. Estamos diante da cassação de direitos políticos no Brasil.
Mas, então, qual a intenção de tudo isso? O que quer o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia ao construir um processo baseado em falsas acusações e objetivando impedir que as pessoas possam se manifestar? A quem eles estão servindo?
Vivemos em uma sociedade de classes, onde há exploradores e explorados. Todo esse aparato político e jurídico se desenvolve de modo a garantir a manutenção do poder das classes dominantes e, ao mesmo tempo, evitar que a classe explorada se revolte. Quando os oprimidos questionam a ordem estabelecida, a resposta do Estado vem através da repressão e da perseguição política.
Por isso esses ativistas estão sendo processados. Em 2013 e 2014, o povo se levantou em luta, questionou os poderes estabelecidos e a ordem vigente. Revoltou-se. Trabalhadores entraram em greve e os governos tiveram derrotas.
Esses governos, aliados ao aparato jurídico, precisavam dar uma resposta à luta do povo. Não podendo aceitar as reivindicações populares e diante de seu comprometimento com o sistema capitalista, os governantes acabam dando a resposta clássica do Estado: repressão.
Essas prisões, investigações e processos são um ataque à luta e à organização do povo. O terrorismo de Estado reproduzido na mídia burguesa serve para causar medo, para tentar evitar que as classes exploradas se revoltem e se radicalizem. É por isso que a imprensa golpista permaneceu na sala de audiência e os familiares e advogados que estavam na plateia foram expulsos pelo juiz. O Estado persegue e precisa mostrar que persegue.
Essas perseguições são também um ataque às mulheres que se erguem em luta. Se a principal testemunha desse processo é um agressor que resolveu se “vingar” de mulheres que haviam feito uma manifestação pública contra suas agressões, o que está em jogo é a organização das mulheres e a possibilidade que elas tem de, coletivamente, se opor aos seus opressores.
Mas onde há opressão, há resistência. Movimentos sociais, organizações políticas e ativistas seguem firmes e de punho cerrado.
Além disso, a luta política, baseada no direito de resistência e de rebelião, é legítima e não um crime. Se o Estado e seus aparatos repressivos atacam o povo, cabe ao povo se defender com os meios e instrumentos que estiverem a seu alcance.
Esses ativistas não tentaram incendiar a Câmara de Vereadores, como afirmam. Mas o povo, inúmeras vezes na história, “tomou de assalto” os palácios de onde reinavam seus opressores. E nenhum juiz pode tirar essa legitimidade.
O Poder Judiciário não faz justiça. Justiça quem faz é o povo organizado e em luta.
Foto de capa: Tomaz Silva/Agência Brasil