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O artigo de Fernando Luiz Lara trata de condomínios fechados e sua proposta de negação da cidade tradicional, mas faz a necessária ligação do tema com os protestos pelo passe livre que tomaram as ruas desde a primeira semana de junho
Por Fernando Luiz Lara
Esta matéria está na edição 124 da revista Fórum. Nas bancas ou compre aqui
Isso porque a lógica que promove e lucra com os condomínios fechados é a mesma lógica que condena grande parte dos brasileiros a um transporte ineficiente e caro durante horas e horas a cada dia: a lógica da exclusão pela distância.
Da chegada dos portugueses até os anos 1970 do século passado, essa lógica funcionava com uma direção única que ditava que quanto mais perto do centro (onde sempre esteve concentrada a melhor infraestrutura) mais caro. Durante séculos, os mais pobres foram empurrados para a periferia das cidades, onde a terra era mais barata, ou para os morros e áreas inundáveis, que por isso mesmo não tinham valor, ainda que perto do centro. A verticalização induzida (e por isso mesmo precoce) que ocorreu no Rio e em São Paulo desde os anos 1940 – Copacabana e Higienópolis por exemplo – foi uma forma encontrada de se criar espaços caros ainda perto dos centros das respectivas cidades onde tudo ainda acontecia. O crescimento da indústria automobilística no Brasil dos anos 1950 começa a mudar esse quadro e a possibilitar uma incipiente suburbanização de modelo norte-americano, do qual o Morumbi e São Conrado são os exemplos clássicos.
A partir dos anos 1970, a construção de rodovias do “primeiro PAC”, chamado à época de milagre brasileiro, facilitou a construção dos primeiros condomínios fechados, dos quais o Alphaville de Barueri é o mais famoso. Interessante perceber que a proposta dos condomínios fechados se baseia na ideia de “volta à natureza” ou de uma forma de morar mais idílica, mais pastoral mesmo. Essa ideia tem suas raízes no modelo anglo-saxão, segundo o qual a natureza purifica enquanto a cidade perverte. No modelo mediterrâneo, cidade e natureza são duas entidades completamente separadas e a civilização reside no urbano, nunca no campo.
Uma contradição fundamental está no fato de que os condomínios fechados são, na realidade, uma ameaça à natureza. O avanço sobre as áreas periféricas remove a cobertura vegetal natural e expande as fronteiras do espaço habitável, levando asfalto, rede elétrica e grama onde antes havia cerrado ou mata atlântica. O trabalho da professora Regina Horta Duarte da UFMG (DUARTE, 2012) mostra bem esse processo ainda no seu início nos anos 50.
Mais recentemente os condomínios fechados brasileiros adotaram o discurso do New Urbanism norte-americano. Nascido como reação ao processo de suburbanização dos EUA o New Urbanism propunha cidades mais densas, menos dependentes do automóvel e com uso múltiplo (comércio e moradia juntos). No fiel da balança o New Urbanism acabou adotando uma estética conservadora (LARA, 2001) e fez sucesso com loteamentos exclusivos e homogêneos do ponto de vista sócioeconômico. A lógica da exclusão pela distância nunca foi ameaçada pelo New Urbanism, e por consequência ele nunca serviu para melhorar as cidades existentes.
Inebriados da ideia de que a cidade é o espaço da pobreza e dos protestos, a classe média alta dos EUA nos anos 1960/1970 e do Brasil nos anos 1980/1990 abandona os centros urbanos com toda sua infraestrutura e se refugia nos condomínios fechados. No caso brasileiro existe um agravante pelo fato de que tais condomínios são menos densos, mais dependentes do automóvel e absolutamente residenciais, o oposto perfeito da proposta do New Urbanism. Mas a estética conservadora e a ideia de retorno a um passado idílico é o que vende (LARA, 2011), além, é claro, da dificuldade de acesso que se traduz na palavra mágica: Exclusividade.
A exclusividade é a irmã palatável (e por isso vendável) da palavra exclusão. A distância que separa os condomínios fechados do resto da cidade é uma forma de muro invisível que garante a não diversidade de cada gleba.
Uso aqui a palavra gleba porque ela, a terra, está na raiz de todo esse processo de exclusão que vamos desmontando a duras penas, entre balas de borracha e gás lacrimogêneo como nos dias 13 e 17 de junho de 2013. Isso porque a revolução do passe livre seria um passo importantíssimo para desmontar ou ao menos amenizar a lógica perversa da exclusão espacial. Com transporte público gratuito ou verdadeiramente subsidiado, a balança do preço da terra iria se mover fortemente para o lado da periferia. Essa é a chave da questão a ser resolvida no futuro próximo, e eu que achava que a Copa do Mundo não nos deixaria legado algum percebo que estava enganado. Os protestos são o maior legado da Copa de 2014. F
Esta matéria está na edição 124 da revista Fórum. Nas bancas ou compre aqui
Fernando Luiz Lara é arquiteto e professor associado da University of Texas at Austin, onde dirige atualmente o Brazil Center no Lozano Long Institute of Latin American Studies.
DUARTE, Regina H. (2012). “It Does Not Even Seem Like We Are in Brazil”: Country Clubs and Gated Communities in Belo Horizonte, Brazil, 1951–1964, Journal of Latin American Studies / Volume 44 / Issue 03 / August 2012, p. 435-466.
LARA, Fernando (2001). Vizinhos do Pateta. Arquitextos, São Paulo, 01.011, Vitruvius, abr 2001 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/
01.011/899>.
LARA, Fernando (2011). New (Sub)Urbanism and Old Inequalities in Brazilian Gated Communities, Journal of Urban Design, Volume 16, Issue 03, p. 369-380.