Tradicional feira de artesanato, no entorno do ginásio, parou suas atividades no último dia 21 de abril; 400 expositores e 4 mil empregos estão em risco
Por Ciro Barros e Giulia Afiune, da Agência Pública
[caption id="attachment_27854" align="aligncenter" width="600"] Segundo estimativas dos feirantes, 650 expositores perderam seu local de renda e 4 mil empregos indiretos estão sendo cortados (Foto: Reprodução/AEFEM)[/caption]“Com o fim dessa feira, a minha vida foi desmoronando”. A frase é da artesã Antônia Lúcia Pereira Lima, expositora da Feira de Artesanato do Mineirinho e presidente da ONG Mineirinho (ex-ASFEMAA, Associação da Feira Mineira de Arte e Artesanato do Mineirinho). Desde 2009, às quintas-feiras e aos domingos, ela expunha seus trabalhos de patchwork em tecido na feirinha montada no ginásio Jornalista Felipe Drumond, o Mineirinho, próximo ao Mineirão, estádio-sede das competições mundiais de futebol.
E foi a Copa das Confederações que deu fim ao ganha-pão de Antonia e centenas de outros expositores no último dia 21 de abril. Por ser base de apoio para a competição, de acordo com a Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo (SECOPA) de Minas Gerais, os artesãos tiveram que sair dali para que fossem montadas estruturas temporárias, como unidades de credenciamento, logística, apoio às atividades de mídia, saúde e segurança, serviços de hospitalidade, além de estacionamentos.
E eles ainda não sabem se poderão voltar a expor na feira de artesanato, existente desde 2003 e considerada um ponto turístico de Belo Horizonte. “A gente quer saber é se depois que passar a Copa do Mundo, vai poder voltar a expor aqui”, questiona Antônia, que luta pela permanência dos feirantes no local. “Nenhum outro lugar dá tanto retorno como o Mineirinho. Acho triste que tenhamos que sair. E parece coisa premeditada, porque já faz mais de dois anos que estamos nessa luta”, conta. Atualmente na ONG Mineirinho, Antônia tenta emplacar um projeto de revitalização da feira via Lei Rouanet. “A ideia é ficar no mesmo espaço [Mineirinho], mas pegar esse financiamento para desonerar os feirantes”, explica.
O defensor público do estado de Minas Gerais, Lucas Simões, que trabalha na diretoria especializada em Direitos Humanos e Socioambientais da Defensoria, acompanhou o drama dos expositores. “As justificativas foram as mais variadas possíveis, mas elas nunca foram dadas de maneira oficial”, diz. Entre 2011 e 2013, ele diz, quando o fim da feira se concretizou, houve uma série de boatos sobre o término da feira, sem que o Estado se pronunciasse. “Os feirantes recebiam informações de diversas fontes dizendo que a feira ia acabar com a chegada da Copa do Mundo. Então a Defensoria passou a atuar junto com os feirantes no sentido de que o Estado nos apresentasse uma justificativa oficial para aquele grande impacto social”, explica Simões, referindo-se aos 400 expositores e aos cerca de 4 mil empregos indiretos gerados pela feira, de acordo com o levantamento das associações de feirantes (AEFEM, Associação dos Expositores e Feirantes do Mineirinho e a ASFEMAA).
Símbolos da cultura mineira
O Mineirinho está em área federal: pertence à UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). À época de sua construção, o terreno foi cedido em comodato ao estado de Minas Gerais, mais especificamente, à ADEMG (Administração de Estádios de Minas Gerais), empresa vinculada ao governo estadual.
Com o objetivo de “ampliar a receita do Estado e fomentar a cultura mineira”, a ADEMG passou a realizar, com o auxílio da iniciativa privada, uma feira de artesanato e comidas típicas com cores bem locais, símbolos da cultura mineira. Mas a ADEMG também não se pronunciou quando, em 2010, começaram a surgir os primeiros boatos, no início da reforma do Mineirão, que fica ao lado do ginásio do Mineirinho.
“Falava-se muito que as reformas do Mineirão iriam inviabilizar a feira e, inclusive, vários feirantes saíram, já se preparando para outra atividade, sempre por falta das informações oficiais”, afirma Lucas Simões. “A primeira justificativa que o governo do Estado deu, por meio da SECOPA, foi a de que seria feito um pequeno viaduto próximo à área do Mineirinho para facilitar o acesso a pé ao Mineirão, e que os feirantes teriam de sair por isso. Pedimos então a apresentação dos projetos e dos Estudos de Impacto Ambiental, mas mesmo após inúmeros ofícios e audiências públicas, nada nos foi apresentado. De fato esse viaduto foi construído, mas em nada afetou o trabalho dos feirantes”, afirma Simões, que até hoje não recebeu os estudos e os projetos requeridos.
O segundo motivo dado para o desmonte da feira, pela SECOPA, foi a necessidade de realizar duas reformas de adequação do Mineirinho, previstas em um edital cujo objeto era a “Correção de Anomalias e Proteção das Estruturas do Estádio Jornalista Felipe Drumond – Mineirinho”, publicado em 20 de março de 2012, no jornal “O Tempo”, pelo Departamento de Obras Públicas do Estado de Minas Gerais (DEOP-MG) . A licitação foi homologada em 9 de maio de 2012, com a vitória da Retech Serviços Especiais de Engenharia que apresentou proposta de orçamento de R$ 5,5 milhões. “Durante esse período [entre março e maio de 2012], essa conversa de afastamento dos feirantes ficou muito mais forte”, diz o defensor Lucas Simões.
Dois dias depois da homologação da licitação, no entanto, a contratação foi oficialmente suspensa em função de uma determinação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), após um relatório apontar irregularidades no edital por “exigências indevidas” na qualificação das empresas concorrentes, e, em janeiro deste ano, a licitação foi definitivamente revogada pelo DEOP-MG.
Ainda assim, os feirantes sofreram o impacto das obras anunciadas, como conta a artesã Thereza Cristina Marques, da AEFEM: “Durante esse tempo em que se falava em reforma, alguns feirantes saíram daqui, e ninguém sabe para onde foram, se estão desempregados, o que estão fazendo”.
Por fim, no início deste ano, veio o anúncio de que os feirantes teriam que sair em 21 de abril por causa da montagem das estruturas temporárias para a realização da Copa das Confederações. “Perdi uma remuneração mensal, algo que era certo, um bom dinheiro e agora dependo do meu marido para pagar as contas. O meus dias estão todos dedicados à luta contra o fim da feira”, relata a artesã Antônia Lúcia. Ela disse já ter perdido o telefone fixo, atrasado prestações do carro e que outras contas não param de chegar.
A feira volta à pauta
Neste ano, outros dois editais para reformas no Mineirinho foram lançados: um para “modernização da área externa” do ginásio e outro para as tais “correções de anomalias”. Segundo a SECOPA, “o Mineirinho passará, a partir de agosto, de uma revitalização externa da fachada e a parte interna será terraplanada para a instalação das estruturas temporárias.” A Pública perguntou ao DEOP-MG se os feirantes poderiam continuar no ginásio durante a realização das obras? O órgão não respondeu, assim como não se pronunciou sobre a diferença de preço máximo no edital de correção de anomalias, que subiu de R$ 5.628.650,19 para R$ 7.550.627,14, nem respondeu se o novo edital havia seguido as determinações do TCE-MG. O conselheiro Cláudio Couto Terrão, responsável pelo relatório que suspendeu a obra, estava viajando e não pode atender à reportagem da Pública.
Parecia que tudo iria continuar como estava, mal parado para os feirantes, até que, em junho de 2013, as manifestações de rua eclodiram em todo o país. Em Belo Horizonte, a exemplo de outras cidades-sede da Copa das Confederações, houve protestos contra os impactos negativos dos megaeventos da FIFA, No dia 26 de junho, na semifinal entre Brasil e Uruguai, realizada no Mineirão, 50 mil pessoas foram às ruas, segundo a PM, para se manifestar principalmente contra a Copa do Mundo.
“O COPAC (Comitê Popular de Atingidos pela Copa 2014) ganhou protagonismo”, como explica Rafael Bittencourt, um de seus membros, e o governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB), convocou um encontro com o comitê no dia 2 de julho. Entre as 32 pautas de reivindicação, levadas pelo comitê, estava a discussão sobre a Feira do Mineirinho. Em 9 de julho deste ano, houve nova reunião, desta vez para discutir especificamente a pauta dos feirantes do Mineirinho e dos barraqueiros do Mineirão com representantes do governo.
“O COPAC deixou claro para o governo que a única solução adequada para os feirantes era a permanência deles no Mineirinho”, diz Rafael Bittencourt, explicando que os artesãos não querem outras áreas para trabalhar, como o governo do Estado sugeriu.
“As soluções [apresentadas] não agradaram grande parte dos feirantes. Eram áreas privadas, distantes do Mineirinho. Mas a gente fica feliz desse assunto ter voltado a pauta”, diz o defensor público Lucas Simões.
Parte dos feirantes aceitou uma área em Santa Efigênia, na zona leste da capital mineira. “Mas lá é muito, muito longe do Mineirinho. É um local afastado para fazer uma feira que já tem uma ligação grande com a Pampulha”, diz Thereza Marques, referindo-se ao local onde o Mineirinho está situado. Em nota, a SECOPA afirmou que “desde que surgiu a necessidade de uso do Mineirinho como apoio para os eventos esportivos, a Secopa-MG têm negociado com os feirantes. Tanto é que por 5 vezes, a retirada foi adiada. A prefeitura da capital passou a negociar outros espaços para a realização da feira. Uma parte dos feirantes já trabalho em uma área no bairro de Santa Efigênia, na zona leste. Outra parte continua negociando um local para trabalhar. Esse processo de diálogo está em aberto, até que se encontre uma solução que atenda aos interesses dos feirantes.”
Em uma longa reunião com representantes do governo de Minas, a AEFEM e o COPAC sentaram à mesa para negociar uma solução para os feirantes. Segundo o membro do COPAC Rafael Bittencourt, presente na reunião, ainda não houve acordo e as negociações devem seguir pelas próximas semanas. O governo mineiro sinalizou com algumas propostas para a permanência dos feirantes após a Copa e o retorno dos feirantes após a competição, mas ainda restam detalhes contratuais a serem estudados. A Promotoria da Defesa dos Direitos Humanos do Ministério Público do Estado de Minas Gerais está finalizando um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre os feirantes e a Prefeitura de Belo Horizonte, que garante o direito de fazer a feira na Alameda das Palmeiras, nas imediações do Mineirinho, até maio de 2014. O documento ainda não é oficial, mas deve sair em agosto. Procurada pela Pública, Promotoria da Defesa dos Direitos Humanos informou que a promotora Claudia Spränger, encarregada do caso, está em férias no exterior e não deixou ninguém encarregado de falar sobre o assunto.