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Primeiro, surgiu uma cogitação no reino da boataria. Depois, passou a perambular uma torcida pelas redes sociais. Parece que a mosca azul tem rondado a instância suprema do Judiciário do país
Por Antonio Lassance, na Carta Maior
[caption id="attachment_24900" align="alignleft" width="324"] Qual seria seu programa? Qual seria sua agenda prioritária de desenvolvimento do país? (Foto Nelson Jr./SCO/STF)[/caption]
Um rumor de toga
Primeiro, surgiu uma cogitação no reino da boataria. Depois, passou a perambular uma torcida pelas redes sociais. Finalmente, a ideia de uma candidatura de Joaquim Barbosa à Presidência da República em 2014 se espalhou por alguns veículos de imprensa.
O assunto até chegou a ser ventilado fora do país. Em uma entrevista à agência Bloomberg, especializada em mercado financeiro, o já presidente do STF foi apresentado ao público estrangeiro como alguém comparável a Barack Obama. A repórter Ellis Cose começou a entrevista logo fazendo a pergunta, direta e reta, sobre a possibilidade de ele concorrer à Presidência da República. Barbosa respondeu:
"Eu nunca me vi sendo presidente do Brasil. Em primeiro lugar, não sou político. Nunca fui e penso que sou uma pessoa improvável para esse tipo de atividade por causa da minha franqueza. Nunca lidei nem tenho conexões com partidos".
Mesmo assim, alguns entusiastas, por conta própria, criaram uma página http://joaquimbarbosapresidente.com.br/ especialmente para fazer a apologia do suposto-futuro-jamais-candidato e para colocar sua campanha na rua, aliás, fora do prazo determinado pela lei eleitoral. Na página já se pode baixar o adesivo, conhecer sua biografia e acompanhar notícias na imprensa que falam da aventada candidatura.
Mas, e o partido?
Finalmente, apareceu o que faltava: um partido, ou quase. O Partido Militar, que ainda não existe, tem apenas metade das fichas de filiação necessárias para ser homologado e lançar-se às eleições de 2014. Mas não se fez de rogado e já anunciou um convite a Joaquim Barbosa para ser candidato. http://www.partidomilitar.com.br/?p=880 O convite certamente se tornou a principal peça publicitária de um partido em busca de uma razão de ser.
Pouca gente sabe, mas o Brasil já teve dois presidentes que passaram pelo STF. O primeiro foi Epitácio Pessoa, de 1918 a 1922. O segundo foi José Linhares, que assumiu o cargo interinamente, por dois meses, no lugar de Getúlio Vargas, quando deposto em 1945.
No campo das possibilidades, uma aventura presidencial de Joaquim Barbosa teria várias dificuldades. Para concorrer à presidência, é fundamental ter o apoio de um partido nacional, de preferência, médio ou grande, e de uma coligação que ofereça uma razoável cobertura nos estados. Partidos e coligações maiores proporcionam mais tempo de rádio e TV, mais comitês eleitorais e mais propaganda de rua, que contam muito até em campanha para vereador, que dirá para presidente.
Enfim, das duas, uma: ou Barbosa teria que ser “adotado” por um partido médio ou grande, desses que acabou de chamar de “partidos de mentirinha”, ou teria que inventar um partido de verdade do dia para a noite, algo difícil de escapar da pecha de oportunismo.
O problema é que os partidos grandes e médios, quase todos, já têm lá seus candidatos. Salvo algumas exceções, como, por exemplo, o DEM, ex-partido de Demóstenes Torres e José Roberto Arruda, ou o PTB de Roberto Jefferson. Qualquer que seja o partido, a vida pregressa de seus líderes e correligionários imediatamente se colaria em Barbosa. “Diga-me com quem tu andas”, perguntariam os eleitores.
E se Barbosa formasse chapa com Marina Silva?
Se optasse por um partido maior, Barbosa ficaria muito mal na foto. Se saísse por um partido pequeno, sumiria da foto. Inventar um novo partido em menos de seis meses é algo fora de questão. A única possibilidade viável, até para evitar uma concorrência na mesma raia, seria uma dobradinha Barbosa- Marina Silva, ou vice-versa. Aí teríamos uma candidatura espetaculosa, cheia de apelos midiáticos.
O primeiro grande problema é que nem Barbosa nem Marina têm cara de estarem pleiteando a vice de quem quer que seja. O segundo problema é que a Rede é, por excelência, um partido de mentirinha. É um partido que tem vergonha de usar a palavra “partido” para se definir, mas que defende com unhas e dentes o interesse de não apenas ser reconhecido como um partido, mas de ter as regalias a eles reservadas de modo a poder usar os recursos do fundo partidário e ter acesso ao horário eleitoral, que é pago com dinheiro público, antes mesmo de ter recebido um único voto.
A ideologia desse partido tem nome. Chama-se Marina Silva. Seus seguidores são os “marineiros”, um culto à personalidade pra ninguém botar defeito. É o partido da Marina, pela Marina e para a Marina.
O que faria Joaquim Barbosa em um partido dessa natureza, depois de ter reclamado dos que buscam “o poder pelo poder”?
Quem financiaria Joaquim Barbosa?
Outro aspecto a se perguntar é quem iria financiar a campanha de Barbosa. Seguindo estritamente as regras eleitorais fiscalizadas pelo TSE, qualquer um poderia fazê-lo. Pela Rede, estariam excluídas as empresas de armas, bebidas alcoólicas, cigarros e agrotóxicos, mas foram providencialmente preservados os bancos e as empreiteiras, que são os maiores doadores de campanha.
Mas, imaginemos uma campanha heroica, financiada por recursos individuais. O fato dos recursos serem individuais não diz se eles são grandes ou pequenos. Doações individuais não necessariamente são mais limpas do que as provenientes de empresas – depende da pessoa e da empresa. Uma campanha voluntariosa normalmente é eivada de informalidades. Muita coisa é feita na cara e na coragem, de modo até criativo, mas às vezes difícil de ser “contabilizado”.
Por mais quixotesco que seja o candidato, ele se torna protagonista ou coadjuvante do sistema político que se propõe a atacar. Ser candidato significa aceitar as regras do jogo, sendo conivente com as mazelas que aponta, ou conformar-se à condição de anticandidato.
Quanto tempo duraria um governo Joaquim Barbosa?
Tão ou mais importante do que imaginar se Barbosa pode ou não ser candidato, ou se teria chances de ser eleito, é considerar que tipo de governo ele faria. Qual seria seu programa? Qual seria sua agenda prioritária de desenvolvimento do país? Quem seriam seus líderes na Câmara e no Senado? E seus partidos aliados? De que maneira ele trataria os demais Poderes? Como trataria o próprio Judiciário? E os governadores de estado? E os prefeitos? E a imprensa? O que ele de fato conseguiria fazer? Quanto tempo duraria um governo Joaquim Barbosa sem que se corresse o risco de paralisia decisória?
Por que caminhos iria levar sua pregação contra os partidos, contra as maiorias congressuais e contra a dominância do Executivo sobre a agenda do país, requisitos para que um governo governe? Que tipo de regime seria esse em que um presidente deve supostamente se comportar como uma majestade que reina, mas não governa?
Que poder é esse?
O Judiciário não é um poder representativo, tampouco é um poder democrático. Seus integrantes devem ser, todos eles, pessoas democráticas, e suas decisões servem a proteger o Estado democrático de Direito. No entanto, o Judiciário é - e é feito para ser - um poder meritocrático, em que pese seus membros serem indicados, como se sabe, por regras sujeitas a injunções políticas e a interesses de toda sorte.
Mas parece que a mosca azul tem rondado a instância suprema do Judiciário do país. É sintomático o fato da figura de seu atual presidente ser cogitado como candidato à Presidência. Não que ele não possa. Pode e deve. Para tal temos partidos, eleições e debate democrático.
Seria positivo termos mais gente do Judiciário como candidata. Isso poderia contribuir para trazer outras questões relevantes à baila, de forma qualificada. Contudo, termos magistrados se comportando quase como pré-candidatos é algo que compromete o papel do Judiciário brasileiro. Mesmo em um campeonato com muitos jogadores pernas de pau e desleais, com jogos cheios de lances faltosos, ninguém imagina que a melhor solução para o problema seja o juiz começar a chutar a bola e a reclamar do nível dos times.
De 1988 a 2012, o número de ações que deram entrada no Poder Judiciário subiu de 350 mil para 26 milhões (dados do Anuário da Justiça, 2013). Fosse um Poder mais transparente e mais eficiente para lidar com o problema da impunidade, diante dessa avalanche de processos sob sua responsabilidade, já daria uma grande contribuição à República.
Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.