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Ex-ministro criticou também o tratamento dado pela mídia ao mensalão, que teria sido um exemplo de "publicidade opressiva"
[caption id="attachment_23354" align="alignright" width="300"] (Antonio Cruz - Agência Brasil)[/caption]
Por Glauco Faria
Durante o Seminário O Crime e a Notícia, realizado hoje em São Paulo, o ex-ministro da Justiça do primeiro governo Lula, Márcio Thomaz Bastos, disse que a transmissão ao vivo de julgamentos do STF, como ocorreu no caso da Ação Penal 470, o Mensalão, foi “um erro”. “É impossível fazer agora um caminho de volta, parar com as transmissões. Mas, por outro lado, acho que foi um erro, de fortes consequências, a implantação desse sistema de transmissão ao vivo”, opinou.
No evento, realizado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim) e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Thomaz Bastos comparou a relação dos ministros do STF com a imprensa com o que ocorre nos Estados Unidos. “A Suprema Corte dos EUA é tão cônscia das reservas que deve manter que em uma cerimônia anual na qual o presidente da República fala no Congresso à nação, todos fazem manifestações, menos os nove membros da Corte, que permanecem impassíveis, em uma demonstração de que a Justiça só fala em julgamento. Não se vê um membro da Suprema Corte dando entrevistas à televisão”, pontuou.
“E por que é tão diferente? Porque é preciso desmistificar a história de que a imprensa é mero espelho da realidade. É como se ninguém pudesse se queixar do que ela faz porque ela só reflete os acontecimentos. Não é assim, e essa discussão está se travando em vários países do mundo hoje”, argumentou.
Para Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobras, há fatores positivos nas transmissões realizadas pela TV Justiça das audiências do Supremo. “Considero positivo porque a sessão é pública por definição, salvo exceções. Um dos efeitos da transmissão foi um 'efeito Concílio Vaticano II': o Judiciário foi obrigado a deixar de falar latim, para falar português. Esse contraste entre os olhos do público e a linguagem da justiça promoveu, por reação, um imperativo de clareza na manifestação dos ministros. Isso trouxe arejamento ao Judiciário do Brasil, em alguma medida.”
O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira ressalvou que “o processo é público, mas não para o público”. “Não diz respeito ao princípio da publicidade você transformar o processo para o público de uma forma geral, o risco da dramatização é muito grande. A mídia captura a vaidade de todos nós. Se não fosse a televisão, o resultado do Mensalão seria o mesmo?”, questionou Mariz, que defendeu no julgamento da Ação Penal 470 a ex-vice-presidente do Banco Rural Ayanna Tenório, absolvida. “Assisti pronunciamentos desnecessários, visivelmente midiáticos, de ministros. Gente que se preocupou não só com o conteúdos dos seus votos, mas com aspectos físicos, cabelo, gravata..."
Mensalão e publicidade opressiva
“Se alguma vez no Brasil tivemos o que preconizava Nelson Hungria, a publicidade opressiva, foi nesse julgamento [Ação Penal 470]”, disse Thomaz Bastos, que defendeu José Roberto Salgado, ex-vice-presidente do Banco Rural, condenado a 16 anos e 8 meses de prisão pelo STF. A expressão utilizada pelo ex-ministro diz respeito ao Trial by Media (Julgamento pela Mídia), que, por interferir no curso dos procedimentos oficiais, já causou até mesmo anulação de processos em países como Inglaterra e Estados Unidos.
Mariz de Oliveira, citando também o julgamento da Ação Penal 470, criticou o que ele julga ser um cerceamento do trabalho dos advogados. “Fiquei muito angustiado com o Mensalão. Ali ocorreram coisas incríveis do ponto de vista da prática jurídica porque nós, advogados, fomos colocados à margem”, disse ele, que também destacou o papel da mídia em processos da esfera criminal. “A imprensa escrita melhorou muito, mas não a televisão. A mídia televisada tem prestado um grande desserviço para o sistema penal e ao exercício do direito de defesa”.
Já Theodomiro Dias Neto, advogado e professor da Escola de Direito de São Paulo (Direito FGV), entidade que apoiou o evento, foi mais incisivo. "O Judiciário está sendo presidido por um ministro que sempre que pode mostra desprezo pela advocacia."