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Testemunha narra o massacre e diz que vítimas devem ter sido “pelo menos o dobro” dos números oficiais
Por Igor Carvalho
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Nesta segunda-feira (15), começaram a ser julgados 26 dos 83 policiais acusados de assassinar 111 presos no caso conhecido como Massacre do Carandiru. O julgamento acontece no Fórum da Barra Funda e deve durar 10 dias, de acordo com a promotoria.
Estão presentes 24 dos 26 réus. Um dos acusados alegou problemas de saúde o outro não teve o motivo da ausência divulgado pela advogada Ieda Ribeiro de Souza, que defende todos os réus. Os dois ausentes serão julgados à revelia.
[caption id="attachment_22981" align="alignright" width="384"] Plenário do Fórum da Barra Funda, antes do início do julgamento (Marcelo Camargo/ABr)[/caption]
Às 10h15, foram sorteados os jurados que compõe o corpo de sentença, seis homens e uma mulher. Os membros do júri tiveram uma hora para ler um resumo do processo, que contém 57 volumes, e, às 11h20, a primeira testemunha começou a ser ouvida. Era Antônio Carlos Dias, de 47 anos, que na época do massacre era um dos presos do 2º pavimento do Pavilhão 9. A pedido da testemunha, os 24 réus não puderam acompanhar o depoimento no plenário e tiveram que se retirar.
Em seu relato, o réu se emocionou e chegou a chorar. Dias afirmou que houve uma “troca de facas”, explicada por ele como um “conflito”, entre Coelho e o Barba, dois presos, o que originou uma briga generalizada entre dois grupos rivais dentro do Carandiru.
Após a primeira interrupção do juiz José Augusto Nardy Marzagão, a testemunha afirmou que a “cadeia não virou” - gíria utilizada para descrever quando os presos se rebelam e tomam o poder do presídio. Dias afirmou que esse tipo de conflito era “normal, todo dia tinha troca de facas”, não havendo motivo para a invasão policial.
“Tinha gente jogando bola e conversando na hora da briga, era normal, do nada a polícia entrou, não houve nem negociação. Causou surpresa”, afirmou Dias. O ex-preso contou que, quando a polícia começou a invadir o local, os detentos jogaram as facas e madeiras no pátio. Ainda nesse momento de invasão, segundo a testemunha, “houve uma correria para dentro das celas para se proteger, por medo da polícia.”
Dias relatou que quando chegou em sua cela haviam mais 4 ou 5 presos. Após se trancarem, eles escutaram “barulhos constantes, como se alguém batesse com madeira em uma lata, aí percebemos que eram rajadas de metralhadora.”
“Presenciei mortes”
Segundo a testemunha foram mais de uma hora de disparos, presos teriam se amontoado nas escadas tentando escapar dos policiais militares. De acordo com Dias, alguns detentos podem ter morrido ali mesmo, executados.
“Quando terminaram os disparos, eles recolheram os sobreviventes e mandaram descer nus para o pátio.” Nesse momento do depoimento, a testemunha se emocionou e começou a chorar ao descrever a cena seguinte. Dias explicou que os policiais fizeram um corredor, por onde os presos deveriam passar, antes de descer as escadas. “Fomos brutalmente espancados, quebrei o nariz com uma paulada.” Ainda de acordo com o relato, os policiais usavam facas para perfurar pernas e nádegas.
Ato seguinte, os presos se depararam com uma “montanha de corpos e tínhamos que passar por cima deles”, explica Dias. O depoente narrou a cena da execução de um dos presos à sua frente, que teria caído e sido morto em seguida. “Eu presenciei mortes.” Um grupo de presos foi separado para carregar os corpos dos mortos. Alguns carregadores teriam sido executados após a tarefa.
Questionado pelo juiz Marzagão sobre a presença de armas entre os presos, a testemunha afirmou que mesmo em cinco anos de reclusão, nunca havia visto qualquer arma de fogo dentro do Carandiru.
Pelo menos o dobro
Uma das divergências do processo é sobre o número de mortos, já que movimentos sociais, familiares e ex-detentos questionam o total divulgado de 111 vítimas. “Esses eram os que tinham família e visita regular. Quem não tinha foi descartado como lixo”, afirmou Dias, para quem o número de assassinados chega a “pelo menos o dobro. Demos falta de mais presos.”
Após o juiz inquerir Dias, o promotor Fernando Pereira da Silva fez algumas perguntas e se preocupou em traçar o perfil da testemunha, com questionamentos sobre o motivo que o teria levado ao Carandiru. “Fui torturado para confessar um crime”, alegou ele, que foi preso por um assalto a mão armada.
Dias afirmou que recebeu 8 anos e 4 meses de pena pelo crime e deveria ter cumprido apenas um sexto, ou 1 ano e 8 meses, porém, cumpriu 5 anos, de 1992 até 1997. A testemunha estava no Carandiru há apenas 20 dias quando ocorreu o massacre.
Responsável pela defesa dos 26 réus, Ieda Ribeiro de Souza interrogou a testemunha, mas fez poucas perguntas e foi repreendida pelo juiz por conta das diversas vezes em que interrompeu as respostas de Dias.
O processo
Segundo o Ministério Público (MP), no dia 2 de outubro de 1992, os 26 policiais que estão sendo julgados invadiram o segundo pavimento do Pavilhão 9 do Complexo do Carandiru e executaram 15 presos.
Esse é o primeiro de pelo menos quatro blocos de julgamentos que devem ocorrer até o final de 2013, quando todos os acusados devem ser julgados. O deputado estadual Major Olimpo (PDT), esteve no Fórum Criminal da Barra Funda para cumprimentar os réus antes do julgamento. O parlamentar preferiu não julgar se o governador à época, Luiz Antônio Fleury Filho, deveria ser acusado pela morte dos 111 presos. “Não sei se ele deveria ser réu, ou não. Mas ele mesmo afirmou para toda a imprensa que se tivesse tido conhecimento, determinaria a invasão. Talvez a responsabilidade maior seja da falta de estrutura carcerária no país todo.”