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Fechamento em série de jornais populares e audiência on-line dependente dos reality shows abrem debate sobre o perfil dos milhões de novos consumidores da comunicação
Por Pedro Venceslau
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Depois de semanas de indefinição e angústia na redação, a direção do Grupo Estado anunciou oficialmente, no último dia 29 de outubro, que o antológico Jornal da Tarde, o braço popular da casa, deixava de existir depois de 46 anos. Pouco depois, foi a vez da Rede Anhanguera de Comunicação (Grupo RAC) oficializar o que todo mundo já sabia. O centenário Diário do Povo, a mais importante publicação popular de Campinas e de outras 23 cidades da região, também deixaria de existir. A circulação – que vinha definhando nos últimos tempos – chegou a ínfimos 3,5 mil exemplares. Por fim, o inferno astral do jornalismo impresso recebeu seu último obituário do ano (pelo menos até o fechamento desta edição) no último dia 7 de novembro, quando as redações do diário esportivo Marca em São Paulo e Rio de Janeiro foram avisadas que os veículos circulariam pela última vez no dia seguinte. No ano passado, outra publicação do grupo, o Meia Hora-SP, fora, conforme o jargão da moda, “descontinuada”. Além de causar pânico na categoria jornalística, a “morte” de três jornais em um espaço tão curto de tempo jogou luz sobre a falta de habilidade das grandes empresas de comunicação em dialogar com um público que cresceu vertiginosamente na última década: a nova classe C.
No caso do Jornal da Tarde, especialistas do mercado e jornalistas da casa são unânimes em dizer que o jornal começou sua espiral decadente quando decidiu dar uma guinada editorial para conquistar o universo de novos leitores, que, antes da “era Lula”, não tinham o hábito de comprar jornal. “O JT se perdeu. Ele errou ao procurar o público popular e acabou se igualando à Folha da Tarde”, opina o jornalista Tão Gomes Pinto, primeiro editor de esporte do Jornal da Tarde, que também passou pelos populares Última Hora e Notícias Populares. “Quando entrei em 2004, o Jornal da Tarde estava no olho do furacão da mudança. Dialogar com esse público não estava no DNA do JT”, lembra o jornalista Gilberto Amendola, ex-repórter de cultura e colunista do jornal.
Enquanto os grandes grupos de comunicação patinam para desvendar os gostos e predileções da cada vez mais populosa classe C, o mercado vai derrubando mitos. “O JT nasceu com a ideia da segmentação geracional [por idade]. Ele virou um jornal da classe C por realinhamento comercial. Já o concorrente do Grupo Folha, o Agora, já nasceu voltado para esse público”, pondera o pesquisador Renato Meireles, sócio diretor do Instituto Datapopular. De acordo com ele, os novos compradores de jornal não querem sensacionalismo nem mulher nua na capa. Esse nicho continua existindo e garantindo excelentes tiragens entre os consumidores das classes D e E, que não pagam mais que R$ 0,50 por um exemplar. “A classe C quer linguagem acessível e um componente de serviços”, diz Meireles.
Para o jornalista Felipe Machado, diretor de mídias digitais do Diário de S.Paulo e ex- -colunista do Jornal da Tarde, o diálogo com o novo público consumidor de mídia deve ser outro. “A classe C emergente quer um produto que dialogue com ela olhando para cima. Ela quer um jornal de qualidade e que acrescente algo em sua formação.” Para Machado, os fenômenos de audiência na esfera on-line devem ser lidos sem levar em conta a estratificação da renda. “Todas as classes gostam de reality show”, afirma. O editor acredita que o crescimento da nova classe C foi muito rápido e pegou muita gente despreparada nos grupos de comunicação.
On-line
Um dos aspectos mais interessantes dos hábitos do consumo da classe C ascendente – ou nova classe C – é sua relação com a internet. Um estudo do Datapopular, que teve como alvo os 30 milhões de brasileiros que ascenderam nos últimos dez anos, mostra que a classe média ocupou um espaço antes reservado às elites: as redes sociais. Até 2009, a classe AB representava a ampla maioria nesse nicho, com 64% de presença no Facebook e 81% no Twitter. A classe C tinha apenas 32% no Facebook e 18% no Twitter. Agora, a classe C representa 56% dos usuários do Facebook (enquanto 24% são da classe AB) e 55% do Twitter (também 24% da “elite”). Entre os internautas com renda alta, esse processo foi classificado de forma pejorativa como “orkutização” das redes sociais. Em tempo: o Orkut é formado hoje por 57% de pessoas da classe C e 23% de classe AB. Essa era a mesma proporção já em 2009.
Meireles explica que o conceito de classe média do Datapopular é o mesmo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Ou seja: renda familiar de R$ 2,5 mil. “Há dez anos, essa classe média representava 38% da população. Hoje, corresponde a 53%”, informa o pesquisador. Conforme o Datapopular, 48% dos domicílios que têm internet são da classe C. Uma pesquisa feita pelo instituto em parceria com a consultoria WebSIA esquadrinhou os hábitos de consumo dos internautas da classe C durante um período de 15 dias: 54% dos entrevistados postaram fotos, 49% marcaram algum encontro e 31% falaram mal da empresa. Conclusão: a nova classe média se expõe mais nas redes sociais.
Os números de audiência alimentam um preconceito recorrente entre pauteiros e editores dos grandes portais de internet: de que esse público gosta mesmo é de futilidade. Não há como negar que temas como reality shows, vida de famosos, mulheres sensuais e novelas são como uma fórmula mágica para alavancar a audiência de qualquer portal. “Audiência não serve como parâmetro de engajamento e influência da comunicação. O fato de ter mais cliques não significa que as pessoas gostem mais daquilo. Esses temas também chamam a atenção dos mais escolarizados. As classes A e B gostam das mulheres de ‘A Fazenda’. E a classe média também se interessa pelos grandes temas”, pontua Renato Meireles. Ele também acha que é preconceito dizer que serviço não é jornalismo. “Jornalista, em geral, escreve muito para outros jornalistas e muitas vezes não tem compromisso com a clareza.” André Pascowitch, jornalista e especialista em gestão de empresas de comunicação pela Universidade de Navarra, era editor assistente do jornal Marca quando este deixou de circular em novembro. Antes disso, estava na equipe do finado Meia Hora SP e lançou um jornal gratuito para a classe C chamado Giro SP . “A fórmula é trabalhar bem a defesa do consumidor, as pautas de cidades, classificados e dar espaço generoso para esportes e TV”, opina. Ele lembra que essa foi a aposta de todos na “ebulição dos jornais gratuitos” de 2005. “A classe C está sustentando a compra de mídia impressa. O fim do JT e do Marca são dois pontos fora da curva. Para o público que sai muito cedo de casa na periferia para trabalhar no centro, a fonte de informação é o jornal”, avalia. Quatro dias depois dessa entrevista, Pascowitch foi informado que seu jornal, o Marca, não circularia mais no dia seguinte. F