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Por José Carlos Mattedi, Agência Brasil
Casos como de Diogo Silva, o jovem negro da periferia de Campinas que saiu das estatísticas para tornar-se medalhista de ouro no taekwondo neste Pan-Americano, infelizmente são raros, na opinião do professor Marcelo Paula de Melo, formado em educação física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “É a exceção que confirma a regra”, avalia, em entrevista à Agência Brasil.
Ex-professor da Vila Olímpica da Maré, Melo considera uma “desfaçatez” a defesa do esporte com uma política de combate ao tráfico sem estancar a pobreza em que vivem as comunidades. A seguir, trechos da entrevista feita via internet:
Agência Brasil - O esporte, como dizem, pode mesmo frear a ação do narcotráfico que coopta crianças, numa briga entre o esporte-saúde e o dinheiro que dá status e poder?
Marcelo Paula de Melo - Sinceramente, eu queria muito que fosse possível. Assim seria fácil combater o narcotráfico no Brasil e no mundo. Instalam-se quadras e contrata-se professores de educação física, e acabaríamos com o narcotráfico. É uma desfaçatez a defesa de posições como essa. Uma questão nunca é levantada: o que leva um jovem de 14 anos a meter-se numa empreitada, que a experiência prática dele anterior demonstra que, na maioria das vezes, encerra-se antes dos 18 anos? Ou seja, que ao “optar” por esse caminho há uma grande chance de ter entrado num corredor da morte. Por que será? Olha, a crença de que as crianças podem ser esportistas profissionais é outra dimensão importante. Imagina como um jovem pobre pode praticar taekwondo no Brasil de hoje? O belíssimo exemplo do nosso medalhista olímpico, Diogo Silva, infelizmente é apenas uma exceção que confirma a regra.
ABr – Costuma-se dizer que praticar esporte é essencial para o jovem não ter tempo de pensar besteira, e ir para a criminalidade. A juventude não pode ter mais tempo livre?
Melo - Esse é um dos temas que debati no meu livro “Esporte e Juventude Pobre: as Políticas Públicas de Lazer na Vila Olímpica da Maré” (Autores Associados, 2005). Quando se faz essa relação entre juventude pobre e esporte, um dos argumentos centrais seria a possibilidade de ocupação do tempo livre do jovem para que não fique ocioso.
ABr – Essa relação está equivocada?
Melo - O problema é que, em geral, tal preocupação destina-se quase sempre à juventude pobre. Aquela máxima de “mente vazia, oficina do diabo” volta à tona. Isso revela um certo preconceito de classe, visto que o perigo da ociosidade juvenil é considerado apenas quando se refere aos pobres. Caso de “pegas”, agressões a prostitutas, homossexuais, mendigos pela noite das grandes capitais brasileiras realizados por jovens de classe média/rica, são mais comuns do que se pensa.
ABr – Em alguns casos, então, o esporte como política pública precisa ser revisto e agregado a outras ações?
Melo - Talvez não seja coincidência que uma das vantagens atribuídas ao esporte para jovens pobres seria a obediência e disciplina que promoveria. Ou seja, a disciplina (ou seria a subserviência?) volta a ser considerado valor positivo. A volta de abordagens conservadoras é uma das características de nosso tempo. Vejam como há um amplo apoio às ações da polícia no Morro do Alemão. São poucas as vozes que tentam apontar a barbaridade que é essa ação da polícia.
Agência Brasil
Confira outras duas partes da entrevista com Marcelo Paula de Melo (parte 1 e 2)