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Da última vez que estive em Barcelona dei uma sorte danada de entrar numa livraria, meio como quem não quer nada, e comprar o livro Será Mañana do mexicano Federico Guzman Rubio. Lí de uma estirada só apesar da linda cidade estar me chamando lá fora, e o livro continua ressonando na minha cabeça desde 2012.
O personagem principal do livro tem 100 anos e era, até pelos idos de 2010, imortal. Nascido na revolução mexicana, de mãe zapatista e pai villarista, o personagem encarna o vigor da ideia de revolução. Durante um século de vida ele lutou na Rússia em 1917, na Espanha em 1936, na China em 1949, em Cuba em 1958, no Araguaia em 1972, na OLP, no IRA, nos Montoneros, nos Black Panthers, nas FARC, em Chiapas.... enfim, em todos os movimentos revolucionários do século XX. Ao completar 100 anos em 2010 ele se sentia (e funcionava) como se tivesse 39, e voltou a Espanha para militar na revolução que, segundo o manual do século passado, deveria acontecer logo depois da derrocada financeira de 2009.
Acontece que este guerrilheiro chega na Espanha e percebe que não vai haver mais revolução. Pelo menos não uma de formato tradicional. O personagem começa então a envelhecer rapidamente, e enquanto seu corpo sofre em poucos dias as transformações de muitas décadas, ele vai refletindo sobre os dilemas da velha esquerda: o machismo, o autoritarismo, a obsessão com movimentos rurais e o desprezo pela qualidade de vida urbana como algo “burguês”, etc....
Não pretendo contar aqui o final do livro e estragar a leitura mas vale dizer que não há ressurreição no final da estória.
Ou não havia, até que desta mesma Espanha onde a ideia de revolução morreu em 2010 ressurge a mesma ideia de revolução, renovada pelo Podemos e pela eleição de Ada Colau. A mídia brasileira ainda não entendeu (e nem quer entender) a eleição de Barcelona. Quando os juros dispararam e as demissões grassaram na Espanha, os mesmos bancos que tinham fabricado toda esta crise de “títulos imobiliários podres” começaram a despejar os catalães de suas casas por conta de atrasos no pagamento das hipotecas. Ada Colau criou o PAH – Plataforma de Afectados por la Hipoteca, e com muito protesto e ativismo conseguiu mudar um pouco o discurso oficial, demonstrando que as regras das hipotecas eram injustas por definição e não deveriam nunca beneficiar os bancos que criaram a crise. Algumas milhares de famílias evitaram o despejo pela ação da PAH.
A trajetória de Ada Colau seria, em brasilianês, algo como Sininho se elegendo ao congresso e dois anos depois prefeita do Rio de Janeiro com um partido criado por ela mesma. Mulher, ativista, com histórico de luta contra instituições financeiras predatórias, e antenada com os movimentos urbanos, Ada Colau é tudo que a esquerda precisa para reinventar a ideia de transformação progressista, anteriormente conhecida como revolução.
Sera mañana?
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