CYNARA MENEZES
O histórico de ataques e grosserias de Jair Bolsonaro contra jornalistas mulheres é longo. Quando deputado federal, em 2014, protagonizou um bate-boca público com Manuela Borges, da Rede TV! (hoje emissora alinhada ao bolsonarismo). Irritado com uma pergunta sobre a ditadura militar, Bolsonaro foi para cima da repórter, dedo em riste, chamando-a de "idiota" e "ignorante".
Eleito presidente, o comportamento do político de extrema direita para com as mulheres jornalistas, em vez de melhorar, piorou. Em 2019, Bolsonaro compartilhou nas redes sociais ataques à jornalista Constança Rezende, do Estadão, que havia publicado reportagens sobre Fabricio Queiroz, instigando as agressões digitais à repórter.
Em fevereiro de 2020, fez insinuações sexuais contra a repórter Patricia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, dando duplo sentido à expressão jornalística "dar o furo". Em junho deste ano, Patricia ganhou o processo que moveu contra o presidente, que terá de indenizá-la em 35 mil reais por danos morais.
Em junho de 2021, em Guaratinguetá, questionado por que não usava regularmente máscaras durante a pandemia, o presidente da República mandou a repórter de uma afiliada da Globo calar a boca.
Na entrevista ao JN de 2018, Bolsonaro já havia tido um bate-boca com Renata Vasconcellos ao questionar o salário do apresentadora com o objetivo de afirmar que ela ganhava menos que Bonner. Este ano, voltou a responder à jornalista com postura irritada, ríspida, quando questionado por ela por suas próprias frases na pandemia ("E daí? Não sou coveiro") e sua imitação insensível de pacientes com falta de ar.
Mas o pior viria após a entrevista. Bolsonaro, filhos e influenciadores partiram para o assédio digital a Renata, inclusive com uma hashtag criada especialmente para isso: "RenataVasconcellosMentirosa", difundida a partir de perfis como o de Filipe Sabará, expulso do Partido Novo em 2020 por turbinar o currículo com uma formação que não tinha.
O assédio digital à jornalista como "mentirosa" também foi comandado pelo assessor especial para Assuntos Internacionais da presidência, Filipe Martins, aquele do gesto no Senado que foi interpretado pelo Ministério Público como "supremacista" em 2021.
Depois da entrevista de Lula ao Jornal Nacional nesta quinta-feira, 25 de agosto, os ataques dos bolsonaristas a Renata continuaram, agora sob o argumento de que a dupla de apresentadores "protegeu" o presidenciável petista. Nos memes da tropa do presidente, a foto utilizada raramente era a de William Bonner.
Corta para a entrevista de Lula. Renata fez três perguntas duras ao ex-presidente, todas respondidas com cordialidade e respeito. Ao contrário de Bolsonaro, que chamou Bonner pelo nome, mas Renata não, Lula a tratou pelo prenome várias vezes durante o programa, não só nas respostas como no momento em que citava os apresentadores. Parecia, como viralizou no twitter, um papo de boteco.
William Bonner, aliás, teve ao redor de 7 minutos de participação, enquanto Renata ocupou cerca de 2 minutos da entrevista de 40 minutos. Ao tratar a jornalista com o respeito e a compostura que um entrevistado deve ter para com uma entrevistadora, Lula não só marcou uma diferença importante em relação a Bolsonaro como na verdade conferiu a ela mais protagonismo do que o próprio colega de bancada foi capaz.
Não fui só eu quem notou isso. Até mesmo apresentadores da casa reconheceram que a postura do petista foi muito mais respeitosa. "Poderia citar muitas diferenças, mas me chama atenção o respeito de Lula pela Renata. Ele o tempo todo coloca ela presente e participando da entrevista", escreveu a jornalista Leilane Neubarth no twitter. "Homem que respeita mulher é outra coisa."
Na tarde da sexta-feira, 26, a jornalista apagou o tweet acima e outro onde cutucava Bolsonaro: "Cada um cita seu próprio ídolo... Uns citam Ustra, outros citam Paulo Freire". Pressão da emissora?