Elas têm fome

Elas interrompem a aula com fome, elas precisam comer. Elas são crianças que vivem em São Paulo, a cidade mais rica da América do Sul

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WILLIAN NOVAES

Elas têm fome, de comida, de frutas, de bolachas e de amor.

Elas são filhas do crack, do caos e da pobreza. Elas não têm o que comer, não têm fraldas, não têm a simpatia de quase ninguém. Elas chegam para estudar com fome, interrompem a aula com fome, elas precisam comer. Elas são crianças que vivem em São Paulo, na maior cidade da América Latina, a mais rica da América do Sul, a 10ª mais rica do mundo. O principal centro financeiro do país.

Vidas Secas em pleno mundo conectado. Vidas Secas que se repete num looping infinito entre os mais pobres patriotas seja em SP ou Amazonas, no Rio Grande Sul ou do Norte, no Rio ou em Tocantins

Sabe o fundo do poço da vida? Foram lá que elas nasceram poucos anos atrás, seus pais também nasceram nesse século, no tempo da modernidade, do 5G, do WhatsApp, da conectividade, do Big Brother, do Uber, do smartphone, do Bolsonaro, do Temer, da Dilma, do Lula e também do FHC. O que adianta tudo isso, se lá no canto perdido da Zona Norte paulistana, as crianças passam fome em maio de 2021?

Então tudo é complicado, no fim do dia elas voltam pra casa ou barraco, ou quartinho, mais tarde vão comer o que tiver na cesta básica, na geladeira, no fogão. O que esse governo está fazendo para essa criança que não tem o que comer?

Ouvir uma professora falar que reconhece no olhar que aquele pequenino brasileiro sente fome é de cortar o coração. O Estado não chega, o governo federal também não, a prefeitura oferece o mínimo e elas continuam sentindo fome.

Vidas Secas em pleno mundo conectado. Vidas Secas que se repete num looping infinito entre os mais pobres patriotas seja em SP ou Amazonas, no Rio Grande do Sul ou do Norte, no Rio ou em Tocantins.

As lágrimas escorrem ao ouvir novamente o áudio da professora me explicando como ela e as suas colegas sabem que o aluno está tonto de fome, está molinho, está triste e às vezes chora, o choro da fome. “Eu infelizmente já sei identificar”

As lágrimas escorrem aqui ao ouvir novamente o áudio da professora me explicando como ela e as suas colegas sabem que o aluno está tonto de fome, está molinho, está triste e às vezes chora, o choro da fome. “Eu infelizmente já sei identificar”, me conta.

Os alunos simplesmente pedem um prato de comida e o gostinho azedinho da laranja no meio da aula. “Hoje, tia, eu sonhei com um prato de comida e a senhora que fazia lá em casa pra mim”.

A professora com 20 anos de salas de aulas simplesmente se ajoelha, olha pra cima e chora e abraça com força o seu pequeno e magro aluno, talvez o único abraço que ele recebeu naquele triste dia frio…