"Meninas não são mães, gravidez na infância é tortura", declarou em nota pública o CLADEM (Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres) sobre o caso da menina de 10 anos que era abusada pelo tio desde os 6 e foi submetida a uma cirurgia para interrupção da gestação. A entidade, uma rede feminista reconhecida pela OEA (Organização dos Estados Americanos) desde 2002, lamentou a mobilização de manifestantes da extrema direita para tentar impedir o aborto, permitido no Código Penal em casos de estupro desde 1940, e as "múltiplas violências" que a criança sofreu além do estupro.
"A criança teve suas informações expostas e sua integridade física colocada em risco em função de uma campanha que buscou impedir arbitrariamente a realização do aborto legal e a garantia do direito à saúde sexual, física e psíquica, tal qual o estabelecido na legislação brasileira, que autoriza expressamente e a interrupção da gestação em caso de estupro, em caso de risco à gestante e em caso de feto anencefálico", diz o texto.
Não fossem suficientes todas as dificuldades criadas para a criança ter acesso ao serviço de aborto legal, grupos fundamentalistas persistem em insinuar que a vítima é uma assassina, bem como distribuem a narrativa de que ‘uma menina de 10 anos sabe o que faz’
"Não fossem suficientes todas as dificuldades criadas para a criança ter acesso ao serviço de aborto legal e ao procedimento executado, os grupos fundamentalistas persistem em insinuar que a vítima de estupro é uma assassina, bem como distribuem a narrativa de que 'uma menina de 10 anos sabe o que faz' e outras mensagens com o objetivo de reforçar estereótipos de gênero para confundir toda a opinião pública brasileira, que se mobilizou em solidariedade à criança. Além de afetar diretamente a honra e imagem de uma criança de 10 anos, esses grupos fundamentalistas, que agem de forma muito semelhante na região, também passaram a ameaçar os profissionais envolvidos no serviço de aborto legal, contribuindo para a instabilidade do seu funcionamento, e a produzir fake news para atingir a imagem das organizações de mulheres e ativistas feministas defensoras de direitos humanos."
"Entendemos que a maternidade infantil viola a dignidade da criança e é incompatível com o princípio da proteção integral preconizado na Constituição brasileira, no Estatuto da Criança e Adolescentes e na legislação Internacional protetiva dos direitos das crianças. Compreendemos que a tentativa de negar o aborto legal se apresenta como mecanismo de forçar uma gravidez que até a legislação brasileira desaprova quando considera a relação sexual com crianças e menor de 14 anos como crime de estupro de vulnerável e parte do rol dos crimes hediondos. Defendemos que a GRAVIDEZ INFANTIL é, por negar a infância e causar danos físicos, psíquicos e sexuais às meninas e adolescentes até 14 anos de idade, TORTURA."
Defendemos que a GRAVIDEZ INFANTIL é, por negar a infância e causar danos físicos, psíquicos e sexuais às meninas e adolescentes até 14 anos de idade, TORTURA
O CLADEM lembrou na nota que, no Brasil, somente em 2018, 21.172 bebês nasceram de crianças de 10 a 14 anos. De 1994 a 2018, foram 655.836 nascidos vivos, uma média mais de 26 mil nascimentos por ano. "Ou seja, mais de 650 mil meninas foram vitimizadas triplamente pelo simples fato de serem meninas: foram estupradas, não acessaram o direito ao aborto legal e, possivelmente, vivenciaram a maternidade de forma compulsória, sem contar os demais danos biopsicossociais."
O comitê expressou solidariedade aos profissionais de saúde que possibilitaram que a gravidez fosse interrompida priorizando a saúde da vítima e exigiu do Estado brasileiro que garanta a segurança da menina a partir de agora. "MANIFESTAMOS PREOCUPAÇÃO com a segurança da criança e seus familiares que a protegem, da equipe de profissionais e defensoras de direitos humanos que estiveram e estão na linha de frente para garantia do exercício da infância e de viver da criança capixaba triplamente violentada; e CONCLAMAMOS o ESTADO BRASILEIRO A GARANTIR a devida proteção para esses atores e investigar, instaurar e julgar, por meio dos procedimentos cabíveis, a conduta dos que se negaram o dever jurídico de garantir o direito da criança de 10 anos, cujo sonho é voltar a jogar futebol com as amigas."
Leia a nota na íntegra aqui.