No mundo civilizado a Justiça do Trabalho nasceu com o estado de bem estar social. Para regular as imensas desigualdades nas relações de trabalho do sistema capitalista, o Estado, com seu braço judiciário, passava a intervir em defesa da parte mais fraca, os trabalhadores.
No Brasil, tradicionalmente a Justiça do Trabalho era composta por juízes que sabiam que numa relação entre Capital versus Trabalhador a Justiça precisa equilibrar a balança, garantindo que o Capital não ganhasse todas.
Desde Getúlio, os trabalhadores sempre tiveram a crença que havia justiça nos tribunais do Trabalho. Acreditavam que nos tribunais trabalhistas, os patrões "entrariam no pau" e não apenas o lombo do trabalhador, já calejado, seria lanhado. Não são gratuitas na cultura da classe trabalhadora expressões como: "pôr/botar a empresa no pau", o que significa processar a empresa, recorrer à Justiça do Trabalho contra ilegalidades do patrão. Apesar de, historicamente, muito patrão, mesmo perdendo na Justiça, tenha saído ileso e dando calote em seus empregados, na memória popular era forte a crença de que havia Justiça nos tribunais do Trabalho.
Após Reforma Trabalhista o couro só come no lombo do trabalhador
A excrescência da reforma trabalhista de Temer fez com que o acesso à Justiça do Trabalho ficasse mais longe dos trabalhadores mais pobres.
Cada vez mais vemos outra mudança se consolidar: são cada vez mais frequentes a decisões favoráveis aos patrões, mesmo àqueles que lucram bilhões durante a pandemia e demitem sem cerimônias, ferindo acordos coletivos, na certeza de que não serão punidos.
Nesta semana o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários e Financiários de Bauru e Região perderam na Justiça, quando o Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, Aloysio Silva Corrêa da Veiga, suspendeu, em favor do Bradesco, a decisão que proibia o banco de demitir durante epidemia.
O mandato de segurança que o sindicato havia conseguido na Justiça determinava que: "o BANCO (...) se abstenha de realizar dispensas (individuais ou coletivas) imotivadas enquanto for considerada a existência da pandemia de Covid-19 pela OMS, bem como para que, em cinco dias, reintegre os trabalhadores imotivadamente dispensados durante o período em questão, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de descumprimento, além dos efeitos decorrentes da desobediência à determinação judicial."
Para cassar essa liminar favorável aos trabalhadores o corregedor-geral utilizou o seguinte argumento: "Não há definição clara acerca da abrangência da decisão, quer territorial, quer dos empregados efetivamente abrangidos pela determinação em sede liminar, o que torna imprecisos os contornos da decisão e inviável a análise acerca de sua repercussão, cuja demasiada genericidade pode levar a efeitos imprevistos" (...) "a matéria, pelo alcance indeterminado à abstenção de dispensas de empregados pelo banco, de modo coletivo ou individual, sem justa causa, assim como quanto à obrigação de reintegração de todos os empregados dispensados desde o início da pandemia (11 meses), sem identificação de agências ou localidades, tem abrangência que evidencia grande impacto nas atividades do banco" . Leia a íntegra da sentença aqui
Observe na tabela abaixo a prática dos banqueiros durante à pandemia:
A ação do corregedor-geral é semelhante a do Rio de Janeiro. Os trabalhadores bancários receberam várias liminares favoráveis a manutenção dos empregos e readmissão, mas os bancos conseguiram que essas liminares fossem cassadas. Na prática, o corregedor- geral passa a permitir que o banco demita sem cerimônias. Isso vai criar uma jurisprudência negativa, legalizando demissões ilegais, que ferem os acordos coletivos.
"Justiça mantém decisões contra os trabalhadores, de forma desumana e irresponsável"
O Sindicato Popular conversou com Ivone Silva, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e uma das coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários sobre estes precedentes:
"Em plena pandemia, o setor mais lucrativo do país demite e fecha postos de trabalho. De janeiro a novembro de 2020 foram 15.642 admissões no setor bancário e 26.928 desligamentos, resultando um saldo negativo de emprego de 10.286 postos de trabalho. Ao demitir, mesmo com lucro extraordinário, os bancos inflam a já altíssima taxa de desemprego no país, aumenta os gastos da seguridade social, e retarda ainda mais a já difícil retomada econômica", Ivone explica que a luta é árdua e que os bancários não descansaram na busca por justiça:
"Desde o início da pandemia, o movimento sindical esteve na mesa de negociação com as instituições financeiras e recebemos o compromisso que os três maiores bancos privados (Bradesco, Itau e Santander) não iriam demitir, mas eles descumpriram o acordo. Anunciam para a imprensa e investem no marketing dizendo que muitas agências serão fechadas ou transformadas em unidades de negócio, que têm um custo de 30% a 40% menor. E as tarifas e serviços também vão ser reduzidas? Ou o lucro continua sendo ampliado somente para os acionistas e a população mantém serviços precários, com a redução dos trabalhadores? Além disso, ainda vemos que a Justiça mantém decisões contra os trabalhadores, de forma desumana e irresponsável".
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