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A recente decisão de corte dos juros da taxa Selic evidenciou uma situação que merece ser mais refletida sobre o jornalismo econômico: a sua estreita vinculação com o mercado especulativo que se manifesta, de forma sutil, pela preferência de trabalhar com fontes apresentadas como “técnicas” mas que expressam interesses particulares de determinados segmentos da economia.
Analisando rapidamente a cobertura da decisão do corte da taxa de juros por parte do Copom em 31/08, na revista Veja e nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo levantamos as seguintes fontes que foram entrevistadas pelos órgãos de comunicação:
1 – Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Telecomunicações no governo FHC e atual sócio da consultoria de investimentos Quest Investimentos empresa que atua no mercado de títulos mobiliários;
2 – Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central entre 1980 e 1983, proprietário da Projeta Consutoria Econômica e membro do conselho administrativo da empresa de consultoria empresarial Marfrig Group e da Cia. Vale do Rio Doce.
3 – Mônica Baumgartten de Bolle - sócia da Galanto Consultoria, chefiou a área de Pesquisa Macroeconômica Internacional do Banco BBM de 2005 a 2006. Trabalhou no Fundo Monetário Internacional em Washington, D.C. entre 2000 e 2005, tendo participado em missões para diversos países. Participou ativamente na renegociação da dívida externa do Uruguai em 2003, e foi colaboradora de diversas notas técnicas do FMI sobre crises financeiras e reestruturação de dívidas soberanas.
4 – Alexandre Schartzman – economista do Banco Santander
5 – Juan Jelsen – economista da empresa de consultoria Tendências que tem, entre os seus clientes, bancos como o Santander, Banco do Brasil, HSBC e a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Jelsen tem defendido ardorosamente a concessão de serviços de infra-estrutura públicas para a iniciativa privada, conforme se verifica nesta entrevista (clique aqui para ler).
6 – Guilherme Maia, da consultoria M. Safra;
7 – Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central no governo FHC.
8 – Cristiano Souza, economista do Banco Santander
9 – Jornal Financial Times
10 – Banco Bradesco
11 – Ministro Guido Mantega.
Destas onze fontes presentes no noticiário sobre a queda dos juros, apenas a fonte oficial do governo (ministro Guido Mantega) foi favorável a medida do Copom e mesmo assim, o foco da entrevista com o ministro foi no sentido dele defender o governo da acusação de “intromissão política na ‘autonomia’ (sic) do Banco Central”. O jornal Financial Times, citado pela agência Estado e pela revista Veja também aparece como uma fonte favorável à medida com a argumentação da “coragem” do BC de enfrentar a recessão.
Todas as fontes apresentadas como “analistas” e “economistas técnicos” são ligadas direta ou indiretamente ao mercado financeiro ou ao grande capital. Também é sintomático a presença de ex-ministros ou ocupantes de cargos no governo tucano, como o famoso Luiz Carlos Mendonça de Barros ou os economistas da PUC-RJ e da Tendências Consultoria, pertencentes a um grupo de pensamento ortodoxo que teve presença marcante no governo tucano (como, por exemplo, os economistas Edward Amadeo, Pedro Malan, entre outros).
O que se percebe é um claro alinhamento ideológico do noticiário econômico por meio da seleção de fontes, um mecanismo comum no jornalismo já detectado pelo pensador norte-americano Noam Chomsky na sua clássica obra Manufacturing Consent (O consenso fabricado). De forma sub-reptícia, o noticiário econômico esconde os interesses particulares das fontes entrevistadas que atuam como consultores de players do mercado financeiro e especulativo sobre a manta de “analistas”, “mercado” e “economistas”. Uma omissão de informação que transforma o interesse particular de um segmento da economia – o mercado especulativo – como algo exato, lógico e universal para todos.
Economistas que estão fora do espectro de influência do mercado financeiro são ignorados. Ou mesmo consultores de outros segmentos sociais, como economistas vinculados ao movimento sindical (o Dieese, por exemplo) sequer são lembrados para, pelo menos, oferecer contrapontos a estas análises. O noticiário não é plural, portanto.
Sobrou como contraponto a visão do colunista José Paulo Kupfer: “Se a coordenação de expectativas do BC se limitasse às do mercado financeiro, não haveria dúvida de que este é um momento de ampla falta de sintonia. Mas, se tal coordenação deve englobar os outros segmentos da economia e, enfim, a sociedade em geral, a conversa da credibilidade precisa de qualificação e ir bem mais longe.” (grifos meus, texto retirado da coluna do Estadão). Este alerta de Kupfer passa muito distante da concepção de cobertura econômica dos jornais, principalmente quando o caderno de economia do jornal Folha de S. Paulo um dia chamou “Dinheiro” e hoje tem o nome de “Mercado”.