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No dia 1º. de março, a empresa Christian Dior demitiu o estilista John Galliano pelo fato do mesmo ter ofendido os judeus e dizer que amava Hitler. Houve um quase consenso sobre s medida. O estilista, famoso, foi defenestrado publicamente. O seu advogado no processo que lhe foi movido, também um judeu, foi atacado pela mídia israelense.
Por estas bandas daqui, o deputado federal Jair Bolsonaro ofendeu negros e homossexuais e, principalmente, a cantora Preta Gil. Disse que seus filhos jamais namorariam mulheres negras porque não tem a vida promíscua como a cantora. Depois tentou corrigir-se dizendo que seus filhos não namorariam homossexuais, como se um preconceito fosse melhor que o outro.
O caso deu uma grande repercussão na mídia. O que me chamou a atenção foi um número significativo de cartas e mensagens publicadas nos sites noticiosos e mesmo na imprensa de pessoas defendendo o direito do deputado federal expressar-se publicamente. Novamente, vem aí o tal direito da liberdade de expressão.
Em aulas e palestras minhas tenho alertado do perigo de eleger alguns direitos como “absolutos”. O contrato social estabelece que todos os direitos tem uma relatividade no sentido de não invadir o direito do outro. Direito absoluto significa limitar o direito de alguém.
Nem o direito à vida é absoluto. Se você mata uma pessoa em legítima defesa (era a única opção de defender sua própria vida), houve o desrespeito ao direito a vida de uma pessoa (aquela que ameaçou a vida) para preservar a sua. Os direitos não são absolutos porque pode haver conflitos de direitos e este se torna mais grave quando existem assimetrias na sociedade.
Vejamos o caso da tal liberdade de expressão de Bolsonaro. Comparemos com o caso de John Galliano. O colunista João Pereira Coutinho, do portal UOL,comentou o seguinte a respeito do ex-estilista da Christian Dior, em 07/03/2011:
“(...) com a devida vénia a ambos, o "caso Galliano" não é um caso de antissemitismo; nem sequer de liberdade de expressão no sentido lato e nobre do termo.
É um caso puramente econômico. Como lembra a sempre sábia "The Economist", a Dior faturou US$ 29 bilhões em 2010. Galliano contribuiu com 4% desse faturamento geral. É fazer as contas: será que uma empresa que fatura US$ 29 bilhões pode dar-se ao luxo de empregar um antissemita ambulante que, ainda por cima, só participa residualmente no bolo geral?
Não pode. O risco não compensa. E a Dior, antes de vender vestidos e sonhos, paga contas e empréstimos. Um pormenor que deveria servir de aviso para "estrelas" várias que, alimentadas pelo circo da bovinidade geral, se julgam maiores do que os cheques que as mantêm.”
Qual é o risco que diz Coutinho? O poder econômico da comunidade judaica que traria arranhões para a reputação da Dior. O capitalismo, mais que modo de produção, é um produtor de mundos, como lembra Maurício Lazzarato. O seu sucesso está na dependência de vender a imagem de um “mundo bom”. Principalmente para quem compra, quem faz movimentar a roda do capital.
No Brasil, país em que a Casa Grande insiste em se apartar da senzala e, mais ainda, em que a incipiente democracia ainda sente mal-estar em constituir uma esfera pública que inclua os membros da senzala (por isto, o incômodo com um presidente operário e com um deputado federal semi-alfabetizado que recebe recorde de votos, incômodo este muito maior do que a eleição de uma figura destemperada como o tal Bolsonaro); ofender negros não causaria riscos econômicos e nem políticos. O professor Muniz Sodré abordou bem a questão sobre a diferença de tratamento quando se trata de preconceito contra judeus e contra afrodescendentes, comparando o caso de Monteiro Lobato e do estilista da Dior (clique aqui para ler).
O que incomoda aqueles que defendem o pretenso direito de liberdade de expressão de Bolsonaro? O fato de que as relações de submissão da senzala à Casa Grande estão sendo contestadas veementente. Já não se trata de rebeldias de grupos sociais que também tangenciam a Casa Grande e que, portanto, podem usar o seu poder econômico como mecanismo de pressão. Mas de grupos que, aproveitando do espaço democrático, ou pelo menos do momento em que tal espaço está sendo construído, começam a questionar os comportamentos de membros da Casa Grande. Ademais, é hilário falar em liberdade de expressão em se tratando de Bolsonaro, um confesso defensor da ditadura militar.