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O número de pessoas assassinadas por policiais militares fora do serviço aumentou 50% entre setembro de 2010 e agosto de 2011, segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de 17/10 (clique aqui para ler). Isto aconteceu no mesmo momento em que há uma queda nos homicídios no estado e no país. A reportagem também mostra um aumento nas lesões dolosas cometidas por policiais militares fora do serviço – o aumento no período foi de 17%.
Um dado importante sobre a violência no Brasil refere-se a queda nos homicídios que vitimam brancos e um aumento de vítimas negras. Segundo o Mapa da Violência de 2011, o número de vítimas brancas caiu de 18.852 para 14.650, o que representa uma significativa diferença negativa, da ordem de 22,3%; já entre os negros, o número de vítimas de homicídio aumentou de 26.915 para 32.349, o que equivale a um crescimento de 20,2%. Este mesmo estudo calcula o índice de vitimização negra, que significa qual é a probabilidade (maior, igual ou menor) de vitimização de negros em homicídios no Brasil. Este índice vem aumentando:
- em 2002, morreram proporcionalmente 45% mais negros que brancos em casos de homicídio;
- em 2005, este índice pulou para 80,7%
- e, finalmente, em 2008, a taxa subiu para impressionantes 111,2%!
Estes dados são fruto de um aumento vertiginoso da taxa geral de homicídios em estados com forte presença de população negra. Os estados em que mais se matam negros no Brasil são, pela ordem, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo, Distrito Federal e Rio de Janeiro.
O índice de vitimização negra em Alagoas é de 1.225,9%; na Paraíba, de 1.099%; no Amapá, 748,1%. O caso de Alagoas é emblemático, pois o estado lidera o ranking de taxa de homicídios no geral; mas quando se trata apenas da população branca é o 24º.colocado. Há, ali, uma explícita ação de genocídio da população negra no estado. Situação semelhante acontece na Paraíba, o estado com a menor taxa de mortes por homicídio entre brancos do país, mas quando se trata da população negra, é o sétimo.
Estes dois dados demonstram as mazelas de uma sociedade em que os valores do consumo são colocados em primeiro plano. Isto tem incrementado a indústria da segurança privada que, empregando policiais fora do serviço, trazem para este tipo de “serviço” toda uma cultura de violência com marca do racismo e com mão de obra “qualificada”. Segundo lugar, esta situação remete a uma outra importante que é a necessidade de se rediscutir o perfil ideológico cristalizado na área de segurança do país em que um serviço público essencial é colocado descaradamente a serviço da proteção do patrimÃ?nio em detrimento da defesa do ser humano e da democracia.
Ideologia da ditadura
Em 1988, uma organização do movimento negro chamada UNEGRO (União de Negros Pela Igualdade) defendia a tese de que existia no Brasil um processo de extermínio programado da população negra e pobre. A organização se baseava em um documento da Escola Superior de Guerra, de 1988, intitulado “Estrutura para o poder nacional no século XXI”, documento este que destacava que os focos potenciais de desestabilização dos “poderes instituídos” eram os cinturões de miséria e os “menores abandonados”. O documento da ESG defendia um ação preventiva por conta das forças de segurança, em primeiro plano, e depois, das próprias Forças Armadas, para “destruir esta horda de bandidos, neutralizá-los e mesmo destruí-los para que seja mantida a lei e a ordem”.
O que se percebia era um trânsito entre uma ideologia da repressão política dos anos 70 (simbolizada na Escola Superior de Guerra, think tank da doutrina da ditadura militar) com a segurança pública do início do século XXI, principalmente quando os governos brasileiros eleitos em 1989, 1994 e 1998 inseriram o país na doutrina neoliberal que significou uma intensificação da concentração de renda. A lógica dos interrogatórios com requintes de tortura nas delegacias, a postura ostensivamente violenta dos agentes da PM nas ruas, a manipulação de provas, entre outras coisas, até mesmo a postura quase que institucional de justificar os atos violentos da polícia como reação à suposta resistência da vítima lembra estes períodos da repressão política.
Por tudo isto, seria importante que o movimento que luta pela Comissão da Verdade e pelo esclarecimento dos crimes cometidos durante a ditadura ampliasse o debate para além do mero desvendamento do que aconteceu naquele período. A verdade daquela época precisa vir a tona como um elemento crucial para uma profunda transformação nas forças de segurança do país que, não obstante ter consolidado o regime democrático, ainda convive com instituições que funcionam sob a doutrina da ditadura militar. E o maior problema que as vítimas não são só militantes políticos, mas homens e mulheres simples, negros na maioria, cujo principal crime é viver nas periferias.