RAIZ DA QUESTÃO

Inflação de alimentos: especialista explica as causas; elevar juros não adianta

Além dos fatores conjunturais, o país tem uma questão estrutural, a internacionalização da sua agricultura, que afeta até mesmo produtos que não estão na pauta de exportação e importação; entenda

Créditos: Pixabay Free
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A inflação de alimentos no Brasil continua no centro das atenções. O governo federal tem estudado medidas para amenizar o impacto, em especial para as famílias mais pobres. Mas, para o diretor do Instituto Fome Zero, José Giacomo Baccarin, embora existam fatores conjunturais na recente elevação de preços, o problema é outro.

Também professor livre docente do Departamento de Economia, Administração e Educação, da Unesp, Baccarin destaca que não se trata de um cenário novo: entre 2007 e 2023, a média anual do IPCA ficou de 5,8%, enquanto o Índice de Preços de Alimentação e Bebidas (IPAB), um dos nove grupos que integra o IPCA, chegou a 7,8%. Neste período, em apenas quatro anos (2009, 2017, 2021 e 2023), a inflação oficial superou a de alimentos, sendo que, em 2021, isso só aconteceu por conta da elevação dos preços dos combustíveis: a gasolina subiu 47,49% e o gás de botijão, 36,99%.

O professor da Unesp falou sobre o tema em uma live na TV Economista que discutiu a relação entre a internacionalização da agricultura e os impactos na inflação de alimentos no Brasil. E a participação do Brasil no mercado internacional está na raiz da elevação de preços, segundo ele.

A internacionalização da agricultura brasileira se intensificou a partir da década de 1990 e ganhou ainda mais força no século 21, fazendo do Brasil um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. Esse cenário traz impactos diretos para os preços internos, especialmente para os consumidores mais pobres. Enquanto a média nacional de gastos com alimentação gira em torno de 18% a 19% da renda, para as famílias de baixa renda esse percentual pode chegar entre 30% e 40%, detalha Baccarin.

Parte dos produtores passou a direcionar uma parcela significativa de sua produção para o mercado externo, onde os preços se tornaram mais atrativos, principalmente após a valorização das commodities agrícolas na primeira década dos anos 2000. Isso gera uma pressão sobre a oferta interna, elevando os custos para os consumidores brasileiros.

O câmbio e o processo inflacionário

O diretor do Instituto Fome Zero alerta também que a taxa de câmbio desempenha um papel crucial nesse processo. "Quando o real se desvaloriza em relação ao dólar, os preços dos alimentos importados e dos produtos exportáveis tendem a subir, pressionando ainda mais a inflação de alimentos", observa o professor.

Mas o câmbio não afeta somente os itens chamados de "comercializáveis", denominados assim pelo fato de estarem na pauta de exportação/importação do Brasil. "Os chamados 'não comercializáveis', como arroz, feijão e hortaliças, também foram impactados. Isso ocorre porque, à medida que os produtores direcionam mais recursos para as culturas de exportação, como soja e milho, a produção de alimentos básicos para o mercado interno tende a diminuir, gerando escassez e aumento de preços", diz Baccarin. 

Esse fenômeno foi observado ao longo dos últimos anos, com os preços dos não comercializáveis subindo mais do que os dos produtos exportáveis. Isso evidencia que a internacionalização da agricultura tem efeitos amplos e complexos sobre a economia brasileira, afetando não apenas os setores diretamente ligados ao comércio exterior, mas também a segurança alimentar da população, sustenta o professor.

É preciso considerar ainda outros fatores, como a sazonalidade e questões climáticas, a exemplo das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, que interferem no preço final dos alimentos. Mas os dados trazidos por Baccarin mostram que esse atrelamento às variações do mercado externo teve ainda outro reflexo, além do impacto nos preços.

Os alimentos in natura e minimamente processados tiveram os preços aumentados em 260% no período analisado. São itens como arroz, feijão, hortaliça, fruta, carnes e lácteos. Já os produtos ultra processados aumentaram 158%, bem menos. 

E a inflação dos alimentos de 2024?

O professor pontua que, em 2024, 89% da inflação de alimentos veio de três cadeias produtivas. A de carnes, excluindo-se o frango; bebidas e infusões, onde está o café, e leite e derivados. Todos tiveram seus preços internacionais elevados. 

"Então, há um vínculo. É evidente que tem que fazer ajustes estatísticos, mas há um vínculo muito grande entre os preços internacionais e os nacionais. E, no ano passado, o câmbio não amenizou para o consumidor", aponta.

Baccarin não é contrário à exportação em si. "Não sou contra o Brasil ser um grande exportador de alimentos. Acho que isso é um ponto extremamente positivo e uma conquista nacional. Não é uma conquista do agronegócio", diz. "Essa contraposição automática está errada. Temos que pensar no longo prazo. Sou a favor de investir, continuar sendo um dos principais fornecedores de alimentos no mundo, o principal fornecedor de proteína animal. Mas tem um efeito sobre a segurança alimentar interna que a gente não pode desconsiderar", alerta.

O papel do Banco Central

"Fiz uma conta simples que, se em 2024 os alimentos tivessem subido na média dos outros grupos do IPCA, o nosso IPCA seria de 4,1% e não 4,8%. Dentro da meta", explica Baccarin. "E o aumento de preço de alimentos no Brasil não tem nada a ver com excesso de demanda interna. Nós temos produção sobrando no Brasil. Então, taxa de juros não afeta isso."

A interferência positiva do Banco Central que poderia afetar o preço dos alimentos seria a utilização de mecanismos como o leilão de dólares para conter variações cambiais bruscas. "Uma ação maior do Banco Central, em prol da valorização da moeda, teria mais efeitos, talvez, é preciso estudar um pouco mais, em reduzir a inflação ao consumidor no Brasil do que o aumento na taxa de juros", propõe.

 

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