Os Estados Unidos vão às urnas em novembro escolher seu presidente. Falando assim, parece simples, mas o modo como o novo ocupante da Casa Branca será eleito difere da maior parte dos países que adotam o presidencialismo.
Antes de falar do sistema em si, primeiro é preciso dizer que, embora as eleições estejam marcadas para acontecer no dia 5 de novembro, em 2020, a maioria dos eleitores votou antes dessa data considerado limite. Foram 101.453.111 votos antecipados, número equivalente a 64,1% do total de votos naquele ano. O número total de cédulas superou a marca de 65 milhões.
Te podría interesar
Mas a principal diferença é que se trata de uma eleição indireta. Quando as pessoas votam no candidato presidencial, estão, na verdade, escolhendo esses eleitores especiais, também chamados de delegados, que vão compor o Colégio Eleitoral, responsável pela decisão final.
O Colégio é composto por 538 eleitores e o presidente precisa de uma maioria de 270 votos para se eleger. Por conta desse sistema, é possível que um candidato tenha menos votos no total apurado no país e mesmo assim vença a eleição, o que aconteceu em 2016, quando Donald Trump perdeu na votação popular para Hillary Clinton, o mesmo ocorrendo em 2000, ocasião em que Al Gore foi mais votado que George W. Bush.
Um sistema histórico
Em entrevista à revista Fórum, o professor de Ciência Política e diretor do Centro de Pesquisa Eleitoral da Universidade de Wisconsin-Madison, Barry C. Burden, explica as raízes históricas desse sistema. "O Colégio Eleitoral permanece em vigor como uma relíquia da fundação do país. Foi o resultado de uma barganha entre estados maiores do norte e estados menores do sul que dependiam fortemente da escravidão."
É um sistema idealizado na Convenção Constitucional em 1787 e ideia era se guiar pelo federalismo, já que muitos temiam que os interesses dos estados mais populosos se sobrepusessem às preocupações dos estados menores. Quase todos concedem seus delegados para a chapa que ganhar mais votos. É o "winner-take-all", distinto da representação proporcional.
Uma pesquisa do Pew Research Center, de dezembro de 2022, mostrou que quase dois terços (63%) dos eleitores estadunidenses preferiam que a disputa presidencial fosse resolvida por eleição direta, enquanto 35% preferiam a manutenção do atual sistema de colégio eleitoral. Mas não é tão fácil mudar o que foi estabelecido há mais de dois séculos.
Leia também:
Como funcionam as eleições nos EUA?
"Embora outros aspectos do sistema eleitoral dos EUA tenham se tornado mais democráticos e orientados em torno da ideia de 'uma pessoa, um voto', o sistema para escolher presidentes quase não mudou. Enquanto pesquisas de opinião pública mostram apoio a um simples voto popular para selecionar o presidente, a Constituição dos EUA é difícil de emendar e não há acordo sobre exatamente que tipo de sistema deve substituir o Colégio Eleitoral", aponta Burden. "Representantes de pequenos estados e dos swing states apreciam a atenção que recebem e os republicanos se tornaram mais afeiçoados ao sistema porque ele levou recentemente à eleição de dois presidentes da legenda, apesar dos democratas ganharem mais votos populares.", diz ele, referindo-se aos dois exemplos citados acima, de Trump e Bush.
A atenção aos swing states
Quem poderia estar interessado em uma mudança no sistema seriam os candidatos independentes e os partidos menores, ambos marginalizados no debate público do país. Para se inscrever nos estados e oficializar suas candidaturas, não só precisam enfrentar regramentos diferentes de acordo com o local, como também é preciso investir grandes somas de recursos para colher assinaturas que viabilizem suas pretensões.
"Há algum interesse em mudar para um sistema de voto popular que use votação por escolha classificada ou um sistema de segundo turno entre os dois principais candidatos. A votação por escolha classificada seria muito mais amigável para candidatos independentes e de partidos menores, que são severamente prejudicados pelo sistema atual. Um sistema de segundo turno também garantiria que o vencedor obtivesse a maioria dos votos populares, mas provavelmente funcionaria contra concorrentes de partidos que não são os principais, como o sistema atual", detalha Burden.
A votação por escolha classificada conta com algumas campanhas permanentes nos Estados Unidos e também é conhecida como votação de segundo turno instantânea. Nesse tipo de voto, é possível classificar os candidatos em ordem de preferência. Assim, se a primeira escolha do eleitor não tiver chance de vencer, seu voto conta para sua próxima escolha.
No entanto, uma das maiores resistências às mudanças venham dos chamados swing states ou battleground states, aqueles não são historicamente vinculados ao Partido Democrata ou Republicano e quem pendem para um ou outro lado em cada eleição. Hoje, são considerados assim Wisconsin, Michigan, Arizona, Geórgia, Nevada e Pensilvânia, mas eventualmente mais estados podem entrar nessa disputa.
Burden destaca que são estados que recebem uma atenção desproporcional. "Quase todos os comícios de candidatos, anúncios, escritórios eleitorais e outras atividades de campanha estão concentrados em cinco a dez estados, enquanto a maioria da população do país apenas observa a campanha de longe. Há algumas evidências de pesquisas acadêmicas de que o Colégio Eleitoral afeta a formulação de políticas porque os estados-campo de batalha têm mais probabilidade de receber fundos federais do que receberiam de outra forma com base no tamanho e na demografia", aponta.
Um exemplo citado pelo pesquisador é o fato de, em 2020, 77% de todos os anúncios de campanha terem sido veiculados em apenas seis estados que abrigavam 21% da população do país.
No contexto atual, em que extremistas contestam a integridade das eleições e alegam fraude quando são derrotados, o sistema atual é outro elemento complicador. O professor lembra que, em 2020, os processos, esforços de recontagem e protestos se concentraram nestes locais, pontuando que houve 82 ações judiciais movidas nos dias após a eleição presidencial de 2020, 77 das quais visavam seis estados indecisos. Talvez tenha chegado a hora de os Estados Unidos repensarem o seu sistema.
Siga os perfis da Revista Fórum e do jornalista Glauco Faria no Bluesky