ELEIÇÕES NOS EUA

Por trás da estratégia pró-Trump de Elon Musk no ex-Twitter

É lícito ou democrático um bilionário utilizar sua plataforma para disseminar desinformação a milhões de pessoas e interferir no processo eleitoral?

Elon Musk e Donald Trump à época do primeiro mandato do republicanoCréditos: Divulgação/Casa Branca
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O bilionário Elon Musk, dono da Tesla e do X, ex-Twitter, usou sua rede social durante o processo eleitoral dos Estados Unidos para disseminar desinformação e beneficiar o candidato apoiado por ele, o republicano Donald Trump.

As afirmações falsas ou enganosas do bilionário sobre as eleições nos EUA foram vistas quase 1,2 bilhão de vezes no X de janeiro a julho de 2024, violando as diretrizes de sua própria plataforma relacionadas à desinformação.

O cenário piorou após 13 de julho, quando ele declarou publicamente apoio a Trump. O Center for Countering Digital Hate (Centro de Combate ao Ódio Digital) apontou que as postagens políticas de Elon Musk acumularam 17,1 bilhões de visualizações desde esta data até 25 de outubro. Para se ter uma ideia do volume, isso é mais de duas vezes o número de visualizações de todos os “anúncios de campanha política” dos EUA registrados no banco de dados do X no mesmo período.

Na reta final da eleição, o Centro apontou ainda que Elon Musk publicou nas primeiras três semanas de outubro pelo menos 28 notícias falsas no seu perfil na rede social, visualizadas mais de 540 milhões de vezes na plataforma.

Neste mês, o bilionário enfatizou em especial as alegações infundadas espalhadas principalmente por JD Vance e Donald Trump afirmando que imigrantes haitianos comiam animais domésticos, gatos e cães, em Springfield, Ohio. Uma das postagens sobre o tema alcançou mais de 60 milhões de visualizações.

A menos de uma semana das eleições, Musk resolveu concentrar esforços em afirmar, sem provas, que as eleições presidenciais poderiam estar sujeitas à fraude, principalmente com uma postagem apontando que Michigan teria mais eleitores registrados do que cidadãos elegíveis. Uma fake news desmentida pelo governo local.

Estratégia de desinformação

Com mais de 203 milhões de seguidores em sua plataforma, as publicações de Musk também se beneficiam de um impulso algorítmico mais elevado, diferentemente dos usuários comuns, o que aumenta o alcance das suas postagens.

Além disso, o bilionário também usou o dinheiro do seu Comitê de Ação Política (PAC), que criou um grupo no X transformado em um repositório de desinformação eleitoral, mobilizando mais de 58 mil membros para relatar casos de "fraude ou irregularidades eleitorais", geralmente infundadas ou totalmente inventadas.

"À primeira vista, esses tuítes podem parecer caóticos e aleatórios. Mas se você olhar mais de perto, começará a ver uma estratégia alarmante por trás deles – uma que vale a pena prestar muita atenção para entender o funcionamento interno da campanha para retornar Trump à Casa Branca", analisa o professor associado em Mídia Digital da Universidade de Tecnologia de Queensland, Timothy Graham, no The Conversation.

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Segundo ele, a estratégia tem dois objetivos imediatos. "Primeiro, sobrecarregar o espaço de informação e, assim, gerenciar a atenção. Segundo, alimentar a teoria da conspiração de que há uma campanha coordenada entre democratas, a mídia e a big tech para roubar esta eleição."

Graham reforça ainda que as ações no X faziam parte de uma estratégia mestre da campanha de Trump, que fornecia uma espécie de "plano B" para o caso de Trump perder, projetado para encorajar o público a participar de uma grande reconfiguração da realidade por meio da metanarrativa de fraude eleitoral generalizada.

A interferência das redes sociais em processos eleitorais já se tornou comum em diversos países por conta da inação e até cumplicidade das grandes plataformas em conter a desinformação. Com Musk e o ex-Twitter, isso avançou ainda mais, com uma ação deliberada e coordenada do próprio dono da rede, que promete continuar pós-eleição. Fica a pergunta: isso é compatível com a democracia?