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Texto realizado como parte da oficina de crítica Talent Press, realizada pelo instituto Goethe no Festival do Rio 2016
Em algum momento de Cinema Novo (dir. Eryk Rocha, 2016), Joaquim Pedro de Andrade comenta sobre o filme O Padre a Moça (dir. Andrade, 1965), falando brevemente de suas questões formais (o pouco movimento e o “enquadramento preso”). Logo depois, é apresentada uma sequência do filme que rapidamente se encerra, dando lugar a um registro da sala de montagem do mesmo filme, onde Andrade dá orientações ao técnico de montagem.
Eu não conhecia O Padre e a Moça, mas alguma coisa na sequência apresentada e também na própria declaração de Andrade de que o filme o irritava, atrairam-me imensamente. Foi um dos breves momentos (ainda que o mais longo entre eles) em que Cinema Novo me comoveu, em que o filme foi para mim algo além de uma base de dados do movimento. Mas esse momento, como todos os outros, foi abruptamente encerrado, e substituído por outro vagamente conectado ao anterior, e minha aproximação com o filme foi, mais uma vez, interrompida.
O Cinema Novo é, ainda hoje, a principal referência de cinema autoral brasileiro, um forte movimento de construção de uma identidade cinematográfica e um orgulho nacional. E o filme de Eryk Rocha é por si mesmo uma evidência disso. Costurando cenas de filmes brasileiros lançados até o fim da década de 1960, intercalando com depoimentos, entrevistas e cenas de bastidores, Rocha constrói um monumento antropológico ao Cinema Novo.
Costuradas, as imagens se enchem de valor histórico e convidam aqueles que veem o filme a se aproximar delas pelo mesmo viés, ou seja, a buscar conhecimento histórico através delas. O principal problema de historicizar o cinema, ou a arte de forma geral, é o risco de percebê-la finalizada, encerrada como algo do passado. E o tom do filme é justamente o de uma grande escavação arqueológica, em que tudo é uma deslumbrante descoberta sobre nossa cultura. Nesse sentido, ele é até bastance semelhante a alguns filmes do próprio Cinema Novo — aqueles mais focados em revelar aspectos da cultura nacional, com falsa ironia.
A ausência do cinema nacional contemporâneo — ou mesmo de comentários contemporâneos — ainda mais, enfatiza o tom arqueológico do filme, que, imagino, deve se orgulhar do seu fechamento dentro do passado, imaculado pelo julgamento do presente. Mas julgar o passado com padrões do próprio passado é uma armadilha retórica da História. Nessa tentativa, quase sempre nos deixamos alienar pelos objetos encontrados na escavação; fechando os olhos para o que está na superfície ou, principalmente, para o que está fora do alcance de mãos escavadoras.
Eventualmente, no entanto, Cinema Novo abre o caminho para ser subvertido, convidando-nos para fora da base de dados e em direção a uma aventura na imagem resgatada. Além disso, há quem se comova diante do mosaico. Pessoalmente, gostaria de tê-lo como uma obra pioneira do cinema virtual, que abrisse links para outros filmes e envolvesse-nos num labirinto que tivesse, como fim inalcançável, a constelação completa do cinema brasileiro.
Levando isso em consideração, trago aqui alguns filmes brasileiros da década de 1960 disponíveis no YouTube:
- Deus e o Diabo na Terra do Sol (dir. Glauber Rocha, 1964)
- Vidas Secas (dir. Nelson Pereira dos Santos, 1963)
- O Bandido da Luz Vermelha (dir. Rogério Sganzerla, 1968)
- São Paulo S/A (dir. Luiz Sérgio Person, 1965)
- O Pagador de Promessas (dir. Anselmo Duarte, 1962)
- Macunaíma (dir. Joaquim Pedro de Andrade, 1969):
- O Assalto ao Trem Pagador (dir. Roberto Farias, 1962)
- Noite Vazia (dir. Valter Hugo Khouri, 1964)
- Os Fuzis (dir. Ruy Guerra, 1964)
- A Hora e a Vez de Augusto Matraga (dir. Roberto Santos, 1965)
- Todas as Mulheres do Mundo (dir. Domingos Oliveira, 1967)
- Matou a Família e Foi ao Cinema (dir. Júlio Bressane, 1969)
- À Meia-Noite Levarei a Sua Alma (dir. José Mojica Marins, 1964)
- A Margem (dir. Ozualdo Candeias, 1967)
- A Falecida (dir. Leon Hirzman, 1965)