A ressaca pós-Mad Men: o sonho acabou, e você vai ficar bem, por Cecília Shamá

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MAD MEN, (from left): Jon Hamm, Mason Vale Cotton, 'The Flood', (Season 6, ep. 605, aired April 28,Não se pode repetir o passado – Nick Carraway. É claro que podemos. – Jay Gatsby. F. Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby. Quem mais poderia vender uma Coca-Cola para o mundo que não Don Draper? Ele é o homem que vendeu o mundo, afinal, como nos diz a voz de Bowie nos vídeos promocionais da sétima e última temporada da série. E nós compramos a nostalgia pela vida nos subúrbios até o desmoronamento dos antigos valores. Compramos Mad Men e bebemos até o último gole. E o corte seco do plano final do seriado, intimista, logo em seguida joga na nossa televisão um comercial realizado pela Coca-Cola em 1967, em plano aberto geral, dando a sensação de sermos nós, de 2015, os fantasmas; pois já somos o passado em nosso presente pós-moderno, pós-Mad Men, pós-televisão, pós-imagem. Nostalgia embebida de uísque por uma época em que o flerte não era apenas uma demonstração de interesse sexual entre colegas de trabalho, mas sintoma da representatividade feminina nos escritórios da Madison Avenue. Uma maneira de marcar nossos homens ou usarmos apenas uma desculpa para nos aproximarmos. E o que as mulheres querem, afinal? E quem liga?, responde um Roger mal humorado. A terapia é apenas a novidade do ano. Vai passar. A crise de identidade social da mulher passaria. Mas ao colocar um protagonista com a humanidade em desconstrução, ao lado das mulheres que passaram pela sua vida, o confronto é inerente: a sexualidade feminina não é mais marcada pela presença figurativa da mulher. Agora Peggy faz seu próprio café, gelado, requentado, solitário, mas dela. Ela já não serve ao seu chefe, serve-se. Ela não espera mais se encaixar numa cesta de beijos vermelhos ou ser um passarinho cantante e loiro de um comercial, nem mãe. Ela seguiu seu próprio caminho e só irá entrar no futuro quando tiver sua sala. Sua. Apertada. Mesmo que ainda haja machismo do lado de fora. A trajetória de Peggy e de Joan serviram como crise aos homens ao seu redor: as antigas secretárias agora são mulheres do mundo. Peggy com um final quase Hollywoodiano, ao lado de Pete e Trudy, o casal da margarina, só que agora com um divórcio nas costas e cabelos rareando. E lembre-se do que Joan nos disse certa vez: Eu sou a responsável para dar às pessoas coisas que elas nem sequer sabem que desejam. Ela é publicidade, empreendendora na vida pessoal e profissional. E voltamos à criança pós-moderna chamada Don Draper. Ou Dick, para os que o conhecem melhor. Quantas epifanias vimos ele ter ao longo da série? Quantas vezes ele teve que recomeçar? Dois capítulos antes do término do seriado é dada a Don a conta da Coca-Cola. E o que ele faz com esse presente? Entra em pânico e foge. Porque aceitar a conta é se estabelecer, e portanto, terminar de duvidar de si mesmo, terminar de criticar o mundo, deixar de ser o bastardo criado por uma mulher sem amor, que depois encontrou afeto num prostíbulo, nos raros chocolates meio amargos que lhe eram dados. É o fim da linha. Ele conquistou tudo, como irá se estimular sem se sentir deslocado? Eu tive uma criação conturbada. Meu pai e minha mãe colocaram em mim a nostalgia perene pela chance de saber como eles eram antes de eu nascer. Como fumar dentro do cinema? Como era ser a bela debutante que participou até de programas de auditório locais, como minha mãe o foi? Eu poderia facilmente dizer que sou Sally. Mas a sensação de abandono mundial atingiu a todos os órfãos literais ou emocionais como eu: o que uma bastarda iria realizar com sua escrita? Foi quando a série se tornou minha casa, com seu teto de vidro. Lembre-se de que este é um caminho perigoso, a tal da nostalgia. Jameson diz que a nostalgia vem do presente incompleto do mundo do pós. Pós Guerras, pós movimentos artísticos, no cinema e na televisão, pós contracultura, pós tudo. Somos o depois. Vivendo o presente. Somos o mal estar, a náusea existencial de Sartre. Somos, em nossa maior parte, vazios. É quando Mad Men, Don Draper e F. Scott Fitzgerald são uma amálgama para mim: de estudar o Cinema e ter medo de não realizá-lo, de sempre estar em dúvida quanto à minha validade social em meus círculos, nas trocas de cursos universitários, na carência pelo humano em minhas relações interpessoais, nas eternas festas que vou e em que se repetem os rostos, a música, o lugar. Fitzgerald viu que iríamos beber e nos divertir uns com os outros e lotar os lugares, mas quando nossa centelha se apaga, como acontece com Gatsby, só o seu pai comparece ao seu funeral. Começar a ver uma série com 20 anos e acabar ela aos 26 dá uma sensação de pertencimento: fiz amizades por causa da série, fui atrás dos filmes ali citados, dos livros ali interpretados. Foram oito anos da minha vida ali. E você ainda acha que Boyhood é o único a ficar anos gravando algo. O sonho acabou. O subúrbio perfeito acabou. Está bem mais parecido com o de David Lynch em Veludo Azul. Betty continuaria presa nele, assim como meus pais. A moda quase não toca suas roupas na mudança temporal da série. E todos ficamos órfãos quando decidimos crescer: não podemos ser a filha de um lar desfeito em nossas carreiras, ou o ser deslocado e ingênuo de seus primeiros anos de educação acadêmica. As epifanias acabaram. Tudo bem não abrir mão da Era Dourada da televisão e do Cinema dentro de você. Tudo bem não pertencer aos outros que meditam no gramado ao lado de Don. Porque a série acabou. O sonho da perfeição acabou e agora, falho, com um passado, somos todos mais parecidos. Somos todos os figurantes do plano gigantesco de pessoas coloridas, em longos vestidos segurando sua Coca-Cola. Porque a vida de Don continuou para além dos créditos finais. Porque a vida continua ao desligarmos a televisão. Ao irmos ao Cinema e escolher a fantasia. A vida começou. O sonho acabou. E você vai ficar bem.   Oh, dream maker, you heart breaker Wherever you're going I'm going your way Two drifters, off to see the world There's such a lot of world to see We're after the same rainbow's end waiting, round the bend My Huckleberry friend. Moon River and Me...

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