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Virada de pauta de Temer, com intervenção no Rio, tem tudo para fracassar
Por Rodrigo Vianna
Entre os analistas mais sérios, ficou claro desde os primeiros momentos que a intervenção militar no Rio não guarda qualquer relação com a necessidade de oferecer mais segurança à população. Luiz Eduardo Soares, que foi secretário nacional de Segurança Pública, escreveu sobre isso um artigo lapidar: “De que modo uma ocupação militar resolveria questões cujo enfrentamento exige investigação profunda e atuação nas fronteiras do estado, além de reformas institucionais radicais e grandes investimentos sociais? Os próprios militares sabem que não podem nem lhes cabe resolver o problema da insegurança pública.”
O objetivo da operação, e isso nem o marqueteiro de Temer disfarçou numa declaração desastrada, é virar a pauta nacional, oferecendo ao bloco de centro-direita um discurso eleitoral vinculado à manutenção da “ordem” – já que os resultados na economia seguirão a ser pífios e o mal-estar social atinge níveis quase insuportáveis.
Seria um erro, no entanto, dar de barato que a operação de Temer e do bloco PSDB/bancos/Globo será bem sucedida. Há alguns indícios objetivos de que a “virada” de pauta não será vitoriosa. Em dezembro de 2017, há apenas 2 meses, portanto, o IBOPE Inteligência entrevistou 2 mil pessoas pra saber quais eram as principais preocupações dos brasileiros.
Vejam os resultados:
Reparem que o desemprego está no topo das preocupações. Em segundo lugar – graças a 3 anos de bombardeio da Lava Jato - vem a corrupção. Em terceiro, a saúde. A segurança é apenas o quarto tema no radar dos brasileiros – clique aqui para ler a pesquisa na íntegra.
Os três primeiros temas não podiam mesmo ser usados por Temer: responsável pelo desemprego recorde, e pelo desmonte do Estado que torna ainda mais trágica a situação da saúde pública, o presidente tem sua imagem absolutamente ligada à corrupção. O PSDB também teve sua imagem contaminada por essa tragédia política. A saída, para o bloco da centro-direita, foi apostar tudo no quarto tema.
Apresentei esses números, em reunião recente no Rio de Janeiro com lideranças políticas e artistas que buscavam entender o que pode acontecer no Estado depois da intervenção. Vários dos presentes observaram que, no Rio, a segurança é, sim, o tema central – seguido pela saúde. Não é à toa que Temer escolheu o Rio de Janeiro para a ação. Com a caixa de ressonância da Globo, o presidente pretende a partir do Rio virar a pauta. Mas nacionalmente a história é outra. E a pesquisa IBOPE mostra isso.
Acontece que Exército nas ruas do Rio não gera emprego no Nordeste, não põe o médico no posto de saúde da Amazônia, nem muito menos ajuda a reduzir a imagem corrupta que MDB/PSDB possuem entre a maior parte da população brasileira.
O que pretendo, ao expor esses números, é deixar claro que a “virada” de Temer tem tudo para fracassar. Os números da recente pesquisa PNAD/IBGE mostram um quadro devastador no mercado de trabalho. Não é à toa que Lula dobrou suas intenções de voto (de 19% para 35% ou 37%) em pouco mais de um ano – na exata medida em que os resultados desastrosos da política econômica liberal ficaram claros.
A virada de pauta tem tudo para fracassar porque a segurança não é o tema central para os brasileiros. Está quase 20 pontos abaixo do desemprego na lista estabelecida pelo IBOPE. Isso é central para compreender o combate que se travará nos próximos meses.
Ao contrário do que pensa a direita odiosa e odienta, o povão não tem saudade de Lula porque ele é uma espécie de Padre Cícero. Não! Essa é a visão preconceituosa que se propaga em setores de classe média no Sudeste do país. O povão tem saudade de outras coisas: do emprego, das oportunidades, dos programas sociais que ajudaram a reduzir o abismo social brasileiro.
A esquerda e aqueles que defendem a democracia contra o avanço golpista não devem por isso se intimidar com a ofensiva midiática que pretende “virar a pauta”.
Da mesma forma que nas artes marciais orientais, a força do inimigo acaba virando sua fraqueza e deve ser usada para derrotar aquele que ataca: quanto mais soldados forem para as ruas, arrancando das classes médias guinchos de satisfação por ver a “linha dura” em ação (com seus carros de combate e armas pesadas, o Exército se desmoralizará em poucas semanas, na exata medida em que terá o papel de humilhar crianças que seguem pras escolas e trabalhadores que tentam descer o morro pra ir ao serviço), mais claro ficará que essa gente da “ordem” (MDB/PSDB/Globo) não tem o que oferecer ao povo pobre que hoje majoritariamente votaria em Lula.
Recorro mais uma vez a este inigualável Leonel Brizola, que em sua segunda campanha vitoriosa no Rio de Janeiro – contra a Globo e contra todos – se impressionava com a capacidade de o povo escolher o lado certo, em meio ao bombardeio midiático:
“As pessoas sozinhas, apenas com seus valores originais de ser humano, no uso da razão e do bom senso, sozinhas, se defendem, constroem uma espécie de uma carapaça, de uma proteção entorno da sua mente, de seus valores culturais, daquilo que é original na nossa gente, esse povo assimila o que lhe interessa e se defende da pressão [midiática] contra sua cultura, contra seus valores, contra seu pensamento autêntico.”
A esquerda e os movimentos populares devem, mais que nunca, confiar nessa capacidade de o povo brasileiro discernir. A “virada de pauta” rumo à ordem é o que deseja a direita sem programa, sem votos e desesperada com a economia em frangalhos que lhe tira apoio popular.
Com ou sem Lula na urna, o povo brasileiro votará naquele que levantar a velha bandeira do Estado, da Justiça , do Emprego. Devemos confiar nisso. O Brasil não é apenas o Rio apavorado. Nem a São Paulo do ódio. E lembremos que mesmo no Rio, o emprego é tema central.
Eles querem impor a pauta da ordem, devolvamos o golpe oferecendo outro tipo de intervenção: aquela que gera emprego e esperança.
O abuso da força – com soldados nas ruas a humilhar crianças e com Lula preso ao mesmo tempo em que Temer exibe seu sorriso de vampiro e Aécio mostra sua capacidade de acumular malas e helicópteros – pode virar a grande força a serviço da candidatura que vai unificar o campo popular – com ou sem Lula na urna!
É o que dizia Brizola naquele mesmo discurso, em 1990:
“A causa deles é tão ruim, é tão miserável, é tão infeliz, que com tudo isso [o aparato midiático] na mão, eles não conseguem pressionar praticamente a ninguém.”
P.S.: para mais detalhes sobre o histórico discurso de Brizola, clique aqui.
Foto: Fernando Frazão/ABr