Colunismo de insulto inflama xingamento, mas detona participação popular

Estamos sendo continuamente acostumados a ouvir de reputados comentaristas os mais rancorosos insultos substituindo a crítica, a violência como signo de liberdade, o preconceito como uma espécie de direito adquirido. Saber que o cântico de insulto nasceu na área VIP é um aspecto que se imiscui entre a fina ironia e a mais cruel hipocrisia.

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Por Marcelo Semer, em seu blog Faz três anos, escrevi nesta mesma coluna, que o moderno reacionário, um tipo que vinha se popularizando entre jornalistas e neo-intelectuais, abrigados principalmente na grande imprensa, se constituía como uma porta de entrada de um velho fascismo. Com um cântico sedutor, a agressividade típica de quem se diz dono da liberdade absoluta, “intelectual sem amarras” e, portanto, sem quaisquer limites, os colunistas do insulto realizam com frequência o rebaixamento do debate político a um patamar virulento e repleto de ódio. Como lembrei na oportunidade: “O presidente é uma anta, passeatas são antros de maconheiros e vagabundos, criminosos defensores de ideais esquerdizóides anacrônicos e outros tantos palavrões de ordem que fariam os retrógrados do Tea Party corarem de constrangimento”.  Nesse panorama, não é de se estranhar os xingamentos à presidenta na abertura da Copa, que escandalizaram o país.  Aquilo deu nisso.  Estamos sendo continuamente acostumados a ouvir de reputados comentaristas os mais rancorosos insultos substituindo a crítica, a violência como signo de liberdade, o preconceito como uma espécie de direito adquirido.  Saber que o cântico de insulto nasceu na área VIP é um aspecto que se imiscui entre a fina ironia e a mais cruel hipocrisia.  Afinal, foi justamente para criar estes espaços nobres de exceção, excrescência das descabidas das cláusulas leoninas da FIFA, que o país aceitou à construção de tantos novos estádios. Para abrigar os convidados dos patrocinadores desta hiper-mercantilização do futebol, cujos valores bilionários têm submetido países ao redor do mundo. Enfim, depois de tanto catastrofismo vazio, do caos aéreo que não veio, da repulsa generalizada pelo campeonato que sucumbiu a seu início, dos estádios que jamais ficariam prontos, conseguimos produzir algo capaz de nos envergonhar na Copa. Mas não é só. Ao mesmo tempo em que vaias e xingamentos classe A são celebrados por aqueles que os estimulam ou aproveitam, a ausculta popular em políticas públicas, que se pretendeu viabilizar em recente decreto presidencial, é tratado como golpe, quase um prenúncio do apocalipse.  Volta a virulência para chamar a presidenta de ditadora, marcar o governo como autoritário e rotular de fascista a iniciativa. Em risco, nada menos que a democracia. Afinal, ouvir o povo, que em regra vem escanteado na condução das políticas de Estado, em face da contínua submissão de governos e também oposições, às contingências e interesses do mercado e de grandes corporações, só pode ser mesmo golpe.  O decreto nada mais faz do que permitir que a consulta a cidadãos e entidades da sociedade civil possa ser considerada na eleição de políticas de governo –reflexo talvez da maior distância que o poder se reconheceu das demandas populares, o que, convenhamos, não é um nenhum autoelogio.  Não torna ninguém eleitor privilegiado nem obriga decisões de compadrio. Não é verdade que despreze ou ultrapasse o Congresso, pois nem todas as iniciativas de governo exigem produção de leis. Tampouco se pode considerar o Parlamento como exaurimento da política nacional –ela é produzida nas escolas, nas ruas, nos sindicatos e em outros tantos lugares que merecem ser ouvidos. A tônica dos governos costuma ser escutar apenas o que tem vontade de ouvir, mais as sugestões que agregam do que as críticas que o abalam, e usar caixas de ressonância que apenas os estimulam eleitoralmente.  A abertura de participação popular talvez possa reverter parte dessa dinâmica e contribuir para que grupos mais excludentes possam competir com lobistas e midiáticos que tem grande aptidão de influenciar o poder por cima –ainda que essa concorrência continue sendo desleal. Como conselhos com participação de entidades sociais já existem no Brasil há muitos anos, tampouco se pode dizer que a ideia tenha um cunho revolucionário. A prática é que poderá separar a participação da mera propaganda, a representatividade da simples cooptação.   Fato é que só a glorificação permanente do insulto pode entender que os xingamentos dos afortunados incomodados, o chilique chique das celebridades, o Brasil ame-o e deixe-o dos revoltados da elite, sejam reputados como mais importantes do que a ausculta popular sobre políticas públicas.