Truculência e covardia da PM em Cuiabá

Um protesto de alunos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) por moradia estudantil, no dia 6 de março, teve como desfecho mais uma manifestação de brutalidade da Polícia Militar. Os PMs agrediram os alunos e fizeram diversos disparos de balas de borracha à queima-roupa.

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Por Pedro Pomar, colunista do Escrevinhador Um protesto de alunos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) por moradia estudantil, no dia 6 de março, teve como desfecho mais uma manifestação de brutalidade da Polícia Militar. Os estudantes realizavam um ato de trancamento da avenida Fernando Corrêa, principal via de acesso ao campus de Cuiabá, quando chegaram as Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam), chamadas pela Reitoria da UFMT. Os PMs agrediram os alunos e fizeram diversos disparos de balas de borracha à queima-roupa. Um vídeo registra o momento em que um rapaz, que conversava com os PMs e pedia calma, leva uma bofetada no rosto com tanta violência que é lançado no chão. Uma aluna teve um dedo quebrado por uma bala de borracha. http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=mc4wEqZPBJI A PM deteve seis estudantes e também a advogada da Associação dos Docentes da UFMT (Adufmat), Ione Ferreira Castro, igualmente insultada pelos policiais militares. Numa entrevista coletiva realizada no dia seguinte, os alunos e a advogada anunciaram que vão processar o Estado e a Reitoria da UFMT. A Reitoria nega ter responsabilidade no caso e alega que populares é que ligaram para o 190. Mas, em nota oficial, a PM afirma que “a Reitoria da UFMT informou a PM do fato [o trancamento da avenida] e solicitou providências”. A jornalista Keka Werneck, da Adufmat, entrevistou as pessoas agredidas e buscou os motivos do protesto estudantil reprimido pela PM. Reproduzo abaixo os principais trechos da sua reportagem, que mostra que no Brasil existe apenas um simulacro de democracia. Fatos como os ocorridos em Cuiabá, bem como ação semelhante da PM de São Paulo, que cegou uma jovem no bairro de Paraisópolis, atingida por bomba de gás, reiteram a urgente necessidade de desmilitarização das PMs e o fim da criminalização dos movimentos sociais. “Batendo e atirando” “A polícia já chegou batendo e atirando”, disse o estudante de Mestrado em Geologia Caiubi Kuhn, mostrando mais de 20 furos no peito, provocados por balas de borracha. Ao abrir a entrevista coletiva à imprensa, realizada no auditório da Adufmat, ele explicou que a moradia estudantil é essencial para a permanência, na universidade, dos alunos pertencentes a famílias de baixo poder aquisitivo. [caption id="attachment_18093" align="alignleft" width="187" caption="Aluno Gabriel Maycon: disparos à queima-roupa"][/caption] Ainda sangrando na região próxima à virilha, a estudante de Ciências Sociais Viviane Mota, do Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFMT) contou, na coletiva, que levou um tiro de bala de borracha a uma distância de menos de 2 metros. Depois de ser alvejado com um tiro de bala de borracha na coluna e imobilizado por pelo menos oito policiais, um dos estudantes presos durante do protesto, Sérvulo Neuberger, que faz Comunicação Social, foi algemado e levado de camburão para o Centro Integrado de Segurança e Cidadania (Cisc) Planalto. Os outros cinco detidos demoraram para chegar lá. Walter Aguiar foi um dos algemados e levados no camburão. “Fomos amplamente reprimidos nesse trajeto”, afirma o estudante de Engenharia Elétrica. “Nos chamaram de vagabundos e fizeram assédio psicológico. Falaram que iam nos matar e nos torturar. Nos deixaram trancados, por mais de uma hora, no camburão, debaixo do sol”. Uma bala de borracha lesionou o terceiro metacarpo da mão esquerda da estudante de Agronomia Bruna Matos. “Isso só resolve com cirurgia, conforme o laudo de ortopedista. O Estado provocou isso aqui; o Estado vai ter que consertar. Estou escrevendo monografia, como fico? E se for irreversível?” Causa do protesto A causa do protesto é a falta de assistência estudantil na UFMT. Hoje o programa de moradia para universitários, que se chama Casas do Estudante Universitário (CEU), engloba cinco residências e 50 vagas. Acontece que a UFMT construiu uma casa dentro do campus de Cuiabá, com 64 vagas. E, sem avisar formalmente aos contemplados, rescindiu os aluguéis, na intenção de transferir todos para o prédio recentemente inaugurado. Representando os moradores das casas estudantis, a universitária Laís Caetano afirmou que o protesto só ocorreu porque foram vencidas todas as possibilidades de diálogo. “Fiquei sabendo extraoficialmente, no dia 5 de março, que no dia 22 vou ter que sair da casa onde moro. Ora, mas isso é uma falta de respeito. Pelas nossas contas, não haverá vagas para todos, como diz a Reitoria. Nós somos 50 e já tem gente com vaga garantida na casa nova. Isso sem falar nos 635 calouros de baixa renda que estão para entrar no próximo semestre”. A advogada Ione Ferreira Ferreira Castro, da Adufmat, afirma que foram desrespeitadas prerrogativas que sua categoria tem para exercer a profissão, como o direito de acompanhar os clientes na lavratura do Boletim de Ocorrência. “Bati na [caption id="attachment_18095" align="alignright" width="235" caption="Aluna Bruna Matos: dedo fraturado"][/caption] porta para saber como estavam os estudantes, quando um mastodonte me mandou calar a boca e fechou a porta na minha cara. Mas quando eu ouvi um policial gritando que ia meter a mão em um aluno eu bati novamente, até porque os estudantes estavam lá dentro junto com dois presos fugitivos e um traficante. Mas, por ironia, só os estudantes estavam algemados; os outros não. Na hora que o policial ia fechar a porta novamente na minha cara, eu coloquei o pé e ele quebrou a porta em mim e falou que eu estava presa por desacato e por lesão ao patrimônio público”, relatou a advogada. Ione foi vítima não só de coação, mas também de provocações: “Foi me mandando entrar e me jogando em cima da mesa. Me fez tirar tudo – brincos, anéis e deixar até a bolsa. Quando estava me qualificando, me pediu documentos e eu disse que não estava comigo. E ele retrucou: ah, então a senhora anda por aí sem documentos? Respondi que os documentos estavam lá fora, na bolsa. Olha a estupidez! Então, eu sou a prova viva do despreparo desses policiais. Eles têm preparo físico, mas não mental. Estavam no protesto para manter a ordem, mas eles que promovem a violência. Agora eu pergunto: esses PMs é que vão lidar com a gente na época da Copa? E nem digo somente na época da Copa, porque esses jogos serão passageiros. Pergunto se são esses PMs que estão andando aqui dentro da universidade?” Outro advogado criminalista, Marco Antônio, foi detido junto com ela, simplesmente por reforçar junto a prerrogativa [caption id="attachment_18090" align="alignleft" width="139" caption="Advogada Ione Castro: desrespeitada e detida"][/caption] que o advogado tem de acompanhar o cliente. A Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso emitiu nota de repúdio à truculência policial. A advogada Carla Rocha, que na entrevista coletiva representou a OAB, disse que o caso será denunciado à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, para que isso não volte a ocorrer. “De certa forma, a Ordem foi ferida”. A professora de Ciência Política Juliana Ghisolfi, da UFMT, destacou a correlação entre situações semelhantes que se repetem por conta da truculência da Reitoria, da Polícia e do sistema. Primeiro, lembrou da adesão ao ENEM como porta única de ingresso na UFMT, que implica a vinda de muitos estudantes do interior e até de fora do Estado. Porém, a Universidade não se preparou adequadamente para receber tantos alunos mais de fora. Ghisolfi citou ainda o caso do universitário africano Toni, assassinado em 22 de setembro de 2009 e que não tinha assistência estudantil. A UFMT também é acusada de ter sido omissa no caso Toni. “Essa Reitoria é assim, não ouve estudante, não ouve professor, não escuta ninguém. Acontece que há interesses muito maiores em jogo, é uma disputa de poder”. Durante o protesto um jornalista, que estava cobrindo o fato, quase foi agredido pela PM, confundido com um manifestante. Leia aqui a nota da PM-MT sobre o episódio. A UFMT emitiu nota dando a versão oficial sobre o problema de moradia estudantil. O Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso emitiu nota de repúdio à conduta irresponsável da Rotam. Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.