Um mundo melhor será possível?

Por detrás de cada um desses trágicos acontecimentos é possível notar com bastante nitidez o desprezo para com aquilo que temos de melhor: a vida.

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Por Izaías Almada Ficamos combinados assim: quanto maior a confusão, melhor. Agora, no Brasil, somos todos culpados até prova em contrário. Cada um de nós terá que provar a sua própria inocência, enquanto algum homem da lei procura tratar a coluna ou o fígado. Como na fábula, se o culpado não for o José, será o Mané. Se não for o Mané, será o amigo do Mané, o pai do Mané, a mulher do Mané. O importante é que haja um Mané para sacrificarmos. Tudo em nome da democracia, a minha democracia, é claro. Porque no Brasil há uma democracia para cada cidadão. Qual é a sua, leitor? Liberdade de imprensa ou liberdade que imprensa? Quantos corruptos serão precisos para se tentar um golpe de estado? Quantos anos de cadeia para se conseguir uma delação premiada? Por favor, tirem a venda dos olhos da justiça, pois ela está cada vez mais cega. Que legado está se deixando às novas gerações? O relativismo com que se procura caracterizar o comportamento humano nos dias de hoje está transformando o mundo num caldeirão de dementes e de incrédulos. A morte de centenas de jovens numa boate no Rio Grande Sul, o suicídio de um rapaz que foi torturado durante a ditadura militar ainda com um ano e meio de idade e a morte de um adolescente durante um jogo de futebol são acontecimentos emblemáticos de uma realidade que apodrece a cada dia que passa. Por detrás de cada um desses trágicos acontecimentos é possível notar com bastante nitidez o desprezo para com aquilo que temos de melhor: a vida. Ganância, intolerância, ódio, irresponsabilidade, hipocrisia, falsidade se juntam num amálgama de tributo ao efêmero, de louvor ao preconceito e a intolerância, de submissão ao sucesso e ao dinheiro, esses dois pilares de um sistema econômico falido e que, a cada dia que passa, enquadra-se numa ética de jagunços e bandidos de colarinho branco. Carlos Alexandre de Azevedo suicidou-se há alguns dias em São Paulo antes de completar 40 anos de idade. Com um ano e meio de idade Carlos Alexandre foi torturado pela equipe do facínora delegado Sérgio Paranhos Fleury para obter confissões dos pais, prisioneiros políticos. Desumanidade? O escritor e filósofo Jean-Paul Sartre afirmou em um de seus escritos que “a tortura não é desumana, é um crime cometido por homens... A tortura faz o torturador”. A tortura não faz parte do corpo jurídico de uma nação, muito embora contemporaneamente alguns países tentem justificar o injustificável e, o que é grave, intelectuais de salas de prostíbulo e redações venais vão deixando cair as máscaras. A maioria dos torturadores é composta por homens normais e não por psicopatas ou pervertidos como se quer dar a entender. A tortura é um crime imprescritível e inafiançável. A tortura não faz parte do corpo jurídico de uma nação. Por outro lado, Santa Maria no sul do Brasil e Oruro na Bolívia parecem indicar o sinal dos tempos, ou melhor, onde a vida ficou ainda mais efêmera. Jovens que encontraram a morte numa boate e num jogo de futebol para o “regozijo” da mídia sensacionalista e de muitos de seus analistas de fundo de quintal que se comprazem – no mais das vezes – em atiçar a selvageria nos milhares de comentários pelos vários blogues jornalísticos espalhados pela blogosfera. Alastram-se as fronteiras da desumanidade, onde uma Igreja envolvida em corrupção, disputa de poder e outras mazelas, distancia-se cada vez mais da suas origens humildes de Nazaré, deixando no ar para milhões de seres humanos se o Deus de que falam existe mesmo ou é uma invenção do próprio homem. Nesse contexto, o mundo – em particular a América Latina, perde um de seus maiores líderes, Hugo Chávez. Como qualquer líder humanista, Chávez fará falta, mas o seu legado – como o de Guevara – é suficientemente forte para permanecer na lembrança e na ação dos que lhe seguem. Nesse início do século XXI a humanidade mergulha numa grande crise que desaguará em grandes transformações. Teremos a serenidade necessária para não deixarmos a barbárie vencer a batalha? Ou sucumbiremos diante da mentira midiática e das chantagens armamentistas e arrogantes dos adoradores do deus dinheiro? A escolha é nossa, no dia a dia da luta pela sobrevivência. Um mundo melhor será possível? Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico, É autor, entre outros, dos livros “Teatro de Arena, uma estética de resistência”, da Boitempo Editorial e “Venezuela, povo e Forças Armadas”, Editora Caros Amigos.