Em SC, racismo, agressões e eletrochoques

Aconteceu em São Miguel do Oeste, cidade de 35 mil habitantes em Santa Catarina. Três rapazes negros foram agredidos e expulsos da área VIP do show do Charlie Brown Jr., para onde haviam sido convidados pela organização do evento. O irônico em tudo isso é que o show fazia parte da Festa das Etnias.

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Por Pedro Pomar, colunista do Escrevinhador Aconteceu em São Miguel do Oeste, cidade de 35 mil habitantes na região oeste de Santa Catarina. No último dia 21/9, três rapazes negros foram agredidos e expulsos da área VIP do show do conjunto Charlie Brown Jr., para onde haviam sido convidados pela organização do evento, por seguranças da empresa Patrimonial armados com dispositivos de choque elétrico. O irônico em tudo isso é que o show fazia parte da Festa das Etnias. Os jovens são Luís Henrique de Sousa, 25 anos, professor de condicionamento físico, colaborador de uma ONG que trabalha com jovens em conflito com a lei; Luahn Henrique da Conceição Almeida, 22 anos, estudante de contabilidade do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB), morador de Sobradinho, cidade satélite de Brasília; Marco Aurélio Barbosa dos Santos, 37 anos, motorista e microempresário. Fazem parte de um grupo de dez militantes petistas que excursiona pelo sul do país, a Caravana da Juventude do PT do Distrito Federal. “Assim que eles entraram na área VIP, um grupo começou a fazer chacota”, relata Iara Cordeiro, da direção nacional da Juventude do PT. “Luis Henrique foi provocado e levou um empurrão. Logo em seguida vieram os seguranças e deram choques nos meninos: ‘O que vocês, pretos, estão fazendo na área VIP?’ Quando Luis Henrique mostrou a pulseira fornecida pela organização, um segurança disse: ‘De onde é que vocês roubaram isso?’ E dando choque”. Luahn, que é asmático, levou uma gravata dos seguranças, cacetadas e eletrochoques, e desmaiou. Os jovens foram chamados de “urubus”, “macacos”, “pretos safados”. A Polícia Militar, chamada a prender os agressores, recusou-se. Posteriormente, o segurança que liderou as agressões procurou a Caravana para tentar negociar a retirada do boletim de ocorrência, sugerindo, sem nenhuma sutileza, que o episódio pode ser prejudicial ao PT, partido do prefeito, que busca a reeleição. Na conversa, ele admitiu as agressões, chegando a alegar que precisou dar uma cacetada em Luahn, porque era mais fácil fazê-lo descer as escadas desmaiado do que se debatendo... A seguir, os principais trechos da Nota emitida pela Caravana: Nota da Caravana da Juventude do PT-DF A Caravana da Juventude do PT-DF chegou em São Miguel do Oeste (SC) no dia 13 de setembro, depois de passar por cidades de GO, MG e PR. Na noite de sexta-feira (21), aconteceu a abertura da Festa das Etnias da cidade e os integrantes da Caravana que são negros foram convidados para fazer uma apresentação. Luís Henrique e Luahn fizeram um stand-up chamado “Coisa de Preto”. Após uma semana na cidade, andando em uma van plotada com a logo da JPT, todos já nos reconheciam na rua. Movimentamos a campanha do candidato a prefeito nas redes sociais, que é o único prefeito ex-assentado do país, e depois da apresentação dos meninos, ganhamos cortesias para o camarote do Show do Charlie Brown Jr., que aconteceria na mesma noite, com direito a conhecer a banda e tirar fotografias com eles no Hotel antes da apresentação. Logo depois, o grupo se encaminhou para o local do show e ao entrar na área VIP, uma parte do grupo foi para frente do palco e a outra, os negros, ficou no fundo, na parte mais afastada do palco. Neste momento um grupo de jovens da cidade (onde um deles é filho de uma candidata a vereadora pelo PSD, que é oposição na cidade, e tem uma produtora que é apoiadora da candidatura do adversário PMDB), começou a ironizar os meninos e um deles esbarrou no Luís Henrique, que levantou as mãos e disse que não estava lá para brigar e sim para curtir o show. Alguns segundos depois, um grupo de seguranças da empresa Patrimonial (cujo dono já foi candidato a vereador pelo PMDB e também é apoiadora do adversário), deu um choque no Luís Henrique que tinha acabado de abaixar as mãos. Ele virou e perguntou o que estava acontecendo e recebeu como resposta um questionamento: o que eles, PRETOS, estavam fazendo na área VIP? Ele mostrou que estava com a pulseirinha e levou novo choque com um questionamento de onde eles haviam roubado aquela pulseirinha. Outros seguranças se juntaram, num total de 8, e começaram a empurrar e bater nos meninos. Eles levantaram a mão novamente em sinal de rendição e disseram que não representavam perigo e que poderiam, mas não iriam oferecer resistência. Um segurança imediatamente deu uma gravata no Luahn, que é asmático. O Luís Henrique pediu para soltarem o Luahn, explicou que ele tinha asma e que era perigoso dar choque nele. Um dos seguranças imediatamente desferiu uma cacetada e choques, empurrando os meninos escada abaixo. Eles foram escorraçados da área VIP sob xingamentos de urubus, macacos, pretos safados e outras infinidades de ofensas. Ao perceber a movimentação, Pedro, que é integrante da Caravana e é natural de São Miguel do Oeste, mas vive há quase 10 anos no DF, correu para socorrer os meninos, mas nesse momento o Luahn já estava desmaiado no chão. Ele foi até uns guardas da Polícia Militar que estavam no local, explicando o acontecido e exigindo que eles o acompanhassem para identificar os agressores. Os policiais se recusaram e quando o Pedro os chamou de preconceituosos e provincianos, ouviu voz de prisão por desacato à autoridade. Um outro policial veio intermediar a conversa e disse que se responsabilizaria pelo Pedro, orientando-o a abrir um boletim de ocorrência. Eles então aguardaram a chegada dos bombeiros para prestar os primeiros socorros ao Luahn, que ainda estava desmaiado. Depois seguiram para a Delegacia para prestar o depoimento e não foi possível fazer o exame de corpo de delito, que só pode ser realizado na segunda-feira (24). Em nenhum momento houve revide, nem contra-ataque da parte dos meninos. Luís Henrique trabalha em uma ONG que presta assistência a jovens em conflito com a lei e é lutador de Muay Thai há 15 anos, federado, poderia ter revidado, mas não revidou. O que aconteceu foi um massacre, pelo simples motivo de os negros estarem na área VIP de um show, na área reservada para as elites. No Boletim de ocorrência ficou registrado como Injúria e Lesão Corporal Dolosa. Juridicamente a injúria é crime contra a honra, que consiste em ofender alguém, proferindo contra a vítima palavras que atentam contra sua dignidade. A Lei entendeu que quando esta ofensa estiver relacionada com elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de injúria merece uma punição mais grave, tornando-se qualificado, sendo prevista uma pena de um a três anos de reclusão. Mas o crime de injúria qualificada pelo preconceito é diferente do delito de racismo, previsto na Lei 7.716/89.  Enquanto na injúria preconceito é atribuída qualidade negativa à vítima, no racismo a vítima é segregada do convívio social em razão de sua cor, raça etc. O crime de injúria preconceito é prescritível, afiançável e de ação penal pública condicionada (Lei 12.033/09). Já o racismo é imprescritível, inafiançável e de ação penal pública incondicionada. O que aconteceu não foi injúria apenas, como pode ser evidenciado na diferenciação entre os crimes de Injúria Racial e Racismo. Apesar de todos os xingamentos recebidos, os meninos foram vítimas de RACISMO. Foram agredidos verbal, moral e fisicamente. Eles foram privados do direito de ir e vir. Foram vítimas de um crime que ronda o Brasil e se evidenciou nos golpes desferidos por causa da cor da pele em uma noite que era para ser de festa. E se o asmático tivesse tido um colapso com os choques, teria sido apenas mais um negro para as estatísticas. Já estávamos identificados na cidade e acreditamos que foi crime de racismo sim, mas também teve como agravante sermos do Partido dos Trabalhadores. Sabemos que há no Brasil o genocídio da Juventude negra e estudos divulgados pela ONU atestam que 70% dos jovens com idade entre 15 e 24 anos, vítimas de homicídio no Brasil, são jovens negros. São mortes evitáveis, embasadas no preconceito, no racismo. Mortes que viram estatísticas e que na maioria das vezes não vão para o jornal. O número não dói quando não é um amigo, um companheiro que você conhece. É um desconhecido que cai no senso comum de que é um bandido e “bandido bom é bandido morto”. “A ideologia racista inculcada nas pessoas e nas instituições leva à reprodução, na sucessão das gerações e ao longo do ciclo da vida individual, do confinamento dos negros aos escalões inferiores da estrutura social, por intermédio de discriminação de ordens distintas, explícitas, veladas ou institucionais, que são acumuladas em desvantagens” (Rafael Guerreiro, IPEA). Que nada mais é do que a institucionalização da violência racial há séculos. O racismo no Brasil é camuflado e hipócrita, está escondido nas piadas, nas seleções para empregos, no vocabulário (denegrir), nas brincadeiras (nega maluca), nos doces (negrinho ou negão, como é conhecido o brigadeiro aqui no Sul do país). A maioria das coisas pejorativas são negras, seja a lista negra, a ovelha negra, o humor negro. A Caravana ainda está muito abalada com tudo o que aconteceu. Nunca tínhamos vivenciado tão de perto uma situação de terror como esta, violência gratuita e banal. Diante disso tudo, declaramos todo nosso repúdio à empresa Patrimonial, que fez a segurança do show e cometeu esta barbárie. Por isso declaramos que daremos continuidade ao processo criminal e esta empresa irá se responsabilizar pelo ato dos seus funcionários, tão despreparados. Não adianta mais denunciar o racismo apenas nas letras das músicas, nos poemas, nos grafites, nas redes sociais. Os racistas têm que responder criminalmente por seus atos. Iara Cordeiro Direção Nacional da Juventude do PT