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Por Pedro Pomar
Direito de greve no Brasil? Esqueça. Se depender da mídia comercial, TV Globo à frente, esse direito não existe, especialmente quando se tratar de serviço “essencial”, particularmente transporte público, mais ainda se a greve “atrapalha o trânsito” e “provoca prejuízos” (ou seja, sempre). O Jornal da Globo de 23 de maio é o exemplo acabado disso. Os âncoras do telejornal noturno anunciaram em manchete que o Ministério Público de São Paulo abriu “inquérito civil para apurar a responsabilidade dos metroviários e dos ferroviários” nas greves de ambas as categorias realizadas nessa data.
Depois de muitas imagens e depoimentos de passageiros afetados pela greve, e que tiveram seu deslocamento impedido ou retardado, o jornal abriu espaço para o governador Geraldo Alckmin atacar o Sindicato dos Metroviários e o movimento supostamente dirigido por um “grupelho radical com motivação político-eleitoral, prejudicando a população trabalhadora”.Em seguida o telejornal concedeu 20 segundos para uma única frase de um diretor do Sindicato... O encerramento da reportagem mostrou uma agência de publicidade que só não perdeu um contrato de R$ 5 milhões comprometido pela greve porque “felizmente” o cliente foi compreensivo, nas palavras do executivo da agência.
Em resumo, a matéria foi toda dirigida contra o movimento grevista, sem que os trabalhadores do Metrô pudessem explicar as razões que os levaram a cruzar os braços. A reportagem deixou de citar a proposta dos metroviários de que as catracas fossem liberadas para os usuários; não cuidou de ouvir os ferroviários; e deixou de mostrar que o grupo político que dirige o Sindicato dos Metroviários não alimenta “motivações político-eleitorais” dignas de nota nas próximas eleições, ao contrário do que sugeriu a afirmação raivosa do governador.
O Ministério Público Estadual paulista é fortemente controlado por Alckmin. Não surpreende, assim, que algum promotor de justiça tenha se prestado ao papel de criminalizar o movimento sindical, sob pretexto, segundo foi informado, de que os metroviários desacataram a Justiça do Trabalho. Mas qual foi a “ordem” do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) que foi descumprida? A de que os metroviários mantivessem 100% do efetivo nos horários de pico (5h às 9h e 17h às 20h) e 85% nos demais horários! Ora, como bem observou o presidente do Sindicato em entrevista à Rádio CBN, “nem a Companhia do Metrô consegue isso”. As exigências do TRT são uma afronta ao direito de greve, a pretexto de que se trata de serviço essencial. O resultado desse tipo de intervenção judicial, que consiste em fixar altos índices de comparecimento ao trabalho (que já vimos em outros momentos, como na tentativa de greve dos aeroviários), é que os trabalhadores de serviços considerados “essenciais” jamais poderão ver respeitado o seu direito constitucional de fazer greve.
No mesmo dia, o jornal noturno da TV Bandeirantes repetiu o script do seu concorrente da TV Globo, atacando os metroviários e enfatizando os prejuízos causados a “cinco milhões de trabalhadores que não têm a quem recorrer”. Mostrou a mesma entrevista de Alckmin e encerrou-se com o âncora Boris Casoy qualificando a greve como “obviamente ilegal”, frisando tratar-se da “opinião do grupo Bandeirantes de Comunicação”. Os jornais do dia seguinte foram na mesma linha: “Greve do Metrô prejudica 5 milhões”, assinalou O Estado de S. Paulo.
Não é difícil compreender a ira provocada por metroviários e ferroviários nessa mídia sempre irrigada por verbas generosas do Palácio dos Bandeirantes. Toda greve desafia, em alguma medida, o domínio capitalista, mesmo quando se trata de uma greve no sistema público de transporte de massa. O Metrô, nevrálgico no funcionamento da metrópole, tem se revelado um verdadeiro “calcanhar de Aquiles” do governo estadual tucano. Sua expansão se dá num ritmo vergonhoso, comparativamente aos metrôs de grandes cidades de outros países. Acidentes, problemas e atrasos antes corriqueiros apenas na malha ferroviária urbana (outro exemplo forte de péssima gestão) agora se verificam também nas linhas do Metrô. Nesse contexto, a greve deixou os tucanos e a mídia aliada à beira de um ataque de nervos. Daí a tentativa midiática de jogar a população contra os trabalhadores do Metrô e da CPTM.
Greve no setor público (ou em concessionárias) é sempre delicada, contraditória, por afetar diretamente o conjunto dos trabalhadores. Um setor da classe trabalhadora, na legítima defesa dos seus direitos, ao empreender a greve acaba entrando em conflito com a maioria da classe, que sofre com a privação dos serviços de saúde, educação ou transporte. Uma equação sempre difícil de resolver, porque os governos exploram essa contradição da pior maneira possível, retardando as negociações, atiçando a população contra as categorias em greve. Por isso é sempre necessário dialogar com a população, avisar os usuários com antecedência, e denunciar os gestores públicos que agirem de má-fé no decorrer das negociações salariais.
Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.