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Por Marcelo Salles
Devemos acompanhar com atenção a definição das eleições no Peru, que no próximo dia 5 de junho escolherá seu novo presidente entre Ollanta Humala e Keiko Fujimori – as últimas pesquisas apontam empate técnico. O Peru merece nossa atenção por qualquer ângulo que se olhe. Seja pelos investimentos que nossas empresas mantêm no país andino, seja pela importância de seu desenvolvimento para toda a região – como, por exemplo, ao garantir uma privilegiada saída para o Pacífico.
Mas o Peru merece nossa atenção principalmente porque há uma chance real de mudança nos rumos do país, que há décadas é dominado pela direita mais atrasada do continente. Essa direita tem no ex-presidente Alberto Fujimori, pai de Keiko, o seu retrato mais bem acabado.
Mas o patriarca da família Fujimori, que hoje se encontra condenado e preso por corrupção, é apenas a figura mais evidente de todo um processo que começa quando os assassinos espanhóis, liderados por Pizarro, aportaram em Nuestra América. Do Peru levaram toneladas de ouro e prata, além de incontáveis almas. Consta que os invasores apostavam quem conseguia furar mais índios com a mesma espadada. Sobre a economia inca, solidária e socialista, organizada nos ayllus (plantações comunitárias), impuseram uma violenta ordem colonial.
Na República, a gana imperialista passou do controle espanhol para o britânico. E a nova ordem capitalista mundial passou a se interessar pelo guano e pelo salitre, deslocando a geografia da dominação dos Andes para a costa.
O neoliberalismo é a continuidade desse processo, e a privatização das empresas públicas também chegou ao Peru. Assim como aconteceu no Brasil, a desnacionalização foi acompanhada por sucessivas campanhas midiáticas dedicadas a “provar” a ineficiência do serviço público. A estratégia deu certo, o patrimônio público foi dilapidado e muitos peruanos de boa fé repetem acriticamente nas ruas de Lima que as “empresas públicas são todas corruptas”
Do ponto de vista geopolítico, seguramente a saída para o Pacífico é o ponto mais sensível em se tratando do Peru. A depender de como o novo governo manejar essa questão, podemos ter um caminho obstruído, a servir aos interesses estrangeiros que lucram com nosso isolamento, ou então franqueá-lo aos demais países sul-americanos que avançam rumo à construção da Pátria Grande.
[caption id="attachment_8374" align="alignleft" width="300" caption="A vitória dela é a vitória do pai"][/caption]
Nesse sentido, a vitória de Humala – que se consagrou como homem nacionalista e de esquerda – poderia significar um ponto de inflexão nos rumos do Peru, país que vem servindo como um eterno enclave das potências imperialistas em nosso continente. Enquanto Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela e Uruguai e outros começaram a tomar uma nova direção nos últimos anos, o Peru até hoje destoa. Enquanto discutíamos avanços no Mercosul e criamos a Unasul, o Peru seguia firmando acordos bilaterais com os Estados Unidos.
José Carlos Mariátegui, escritor peruano, talvez tenha sido o analista político que melhor ilustrou a situação do país. Em seu livro “Sete ensaios de interpretação da realidade peruana”, de 1928, ele analisa os efeitos da colonização e a tarefa histórica que se impõe aos irmãos peruanos: resgatar o espírito indo-socialista que permeava as relações sociais e enfrentar todas as formas de violência impostas pelos invasores. É exatamente isso que estará em jogo no domingo dia 5 de junho.
Marcelo Salles, jornalista, atuou como correspondente da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro (2004 a 2008), e em La Paz (2008 a 2009).