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[caption id="" align="alignleft" width="300" caption="A negociação bilionária das cotas do Brasileirão racha o Clube dos 13. Os clubes com maior torcida exigem uma participação proporcional nos repasses da tevê. Por Rodrigo Martins. Foto: Filipe Araújo/Folhapress"][/caption]
O lobby das tevês, sem fair-play
por Rodrigo Martins, na CartaCapital
A Globo e a CBF estavam em festa. Parecia um racha sem volta, a implosão definitiva do Clube dos 13, entidade que há mais de duas décadas representa os 20 maiores clubes brasileiros na negociação dos direitos de transmissão das competições nacionais. O primeiro a desertar foi o Corinthians, ao anunciar, na quarta-feira 23, que negociaria seus direitos no Campeonato Brasileiro por conta própria. Afoitos diante da promessa de lucro maior no voo-solo, Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo aderiram à rebelião. Na raiz do problema, os desacertos a envolver as milionárias cifras a que os clubes têm direito por sua exposição na tevê. A lista de possíveis desertores não parava de crescer: Coritiba, Goiás, Vitória, Palmeiras, Cruzeiro…
Mas em 24 horas o discurso insurgente amainou. “Estamos desfiliados do Clube dos 13, mas não existe rancor. Não ofendi ninguém, apenas não concordo com algumas questões”, afirmou o presidente corintiano, Andrés Sanchez, pivô da crise, ao dizer que “não descarta” um retorno à entidade. Os clubes do Rio, que devem ao menos 60 milhões de reais ao C13, também baixaram o tom. “Não há interesse em se distanciar ou romper neste momento, mas de retomar a essência da entidade. Não pensamos em formar liga (paralela ao Campeonato Brasileiro). A questão é a negociação dos direitos de transmissão”, ressaltou Patrícia Amorim, do Flamengo, durante a entrevista coletiva dos presidentes dos quatro grandes clubes cariocas.
Pela primeira vez desde que o Clube dos 13 foi criado, em 1987, a entidade lançou um edital de licitação para os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro sem a cláusula que garantia prioridade à Globo. A exclusão do chamado “direito de preferência” é fruto de uma decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia do Ministério da Justiça. No parecer assinado pelo procurador Fernando Antônio de Oliveira Júnior, em 28 de outubro de 2010, exigiu-se o fim do benefício para garantir uma concorrência justa no “licenciamento de direitos para as temporadas que se iniciam no ano de 2012”. Graças à medida, outras emissoras manifestaram interesse de transmitir o campeonato, o que permitiu ao Clube dos 13 dobrar o valor pedido pela cota mínima na licitação para o triênio 2012-2014.
Atualmente, a Globo paga cerca de 400 milhões de reais por ano para explorar os jogos no Brasileirão na tevê aberta, na tevê paga, na internet e em placas de publicidade. No edital que acaba de ser finalizado, apenas para transmitir as partidas na tevê aberta, a emissora que vencer a concorrência terá de pagar, no mínimo, 500 milhões de reais. Somadas as demais plataformas, vendidas separadamente, o C13 espera arrecadar mais de 1,3 bilhão de reais por ano. Para a Globo, o risco de perder o contrato para a concorrente Record é alto. Estima-se que a emissora da família Marinho fature ao menos 1 bilhão de reais por ano com a publicidade veiculada no horário dos jogos. Além disso, o futebol é um dos principais pilares da programação da Globo há mais de duas décadas.
Isso talvez explique o empenho de Ricardo Teixeira, fiel aliado da Globo, em tentar eleger um aliado na presidência do Clube dos 13 no ano passado. O chefe da CBF apoiou a candidatura de Kleber Leite, ex-Flamengo, mas quem levou a melhor foi o gaúcho Fábio Koff, ex-Grêmio, reeleito para mais três anos à frente da entidade. Naquela ocasião, o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, demonstrou fidelidade a Teixeira e pediu votos para Leite. Dois meses depois, viraria chefe da delegação brasileira na Copa da África do Sul. Meses mais tarde, anunciaria o seu projeto de estádio para o Corinthians, que prontamente recebeu o endosso da CBF para sediar os jogos da Copa de 2014 em São Paulo. Por trás do racha iniciado por Sanchez no Clube dos 13, especula-se, está mais do que a tentativa de engordar as receitas do Corinthians com uma negociação individual. Existiria, na verdade, uma verdadeira aliança entre a Globo, a CBF e o presidente corintiano para minguar qualquer possibilidade de a Record vencer a licitação.
Sanchez nega qualquer insinuação a respeito. Diz não ter preferência entre as emissoras e garante ter se encontrado com executivos da Record para negociar os direitos do clube. Além disso, atribuiu a saída do C13 a “uma série de desmandos administrativos”. Também falou em falta de lisura na elaboração do edital de concorrência, uma vez que presenciou dirigentes da organização a discutir detalhes do contrato por telefone com executivos das emissoras interessadas. “Se ele não tivesse pedido a desfiliação, eu proporia a sua expulsão por esse comportamento moleque e irresponsável”, rebateu Fábio Koff, visivelmente irritado, ao receber a carta de desfiliação.
Ataíde Gil Guerreiro, diretor-executivo do C13 e responsável pela formatação do edital, esclareceu à imprensa que as emissoras foram contatadas para informar a decisão de oferecer um ágio de 10% à proposta da Rede Globo, em razão de sua maior audiência e participação no mercado publicitário. “Ele (Sanchez) está querendo ser o advogado da Globo. Não existe nenhuma falta de lisura. Não aceito entrar em uma farsa. As regras estão definidas. Vai ganhar aquele que fizer a melhor proposta”, afirmou Guerreiro, pouco antes de acusar a emissora da família Marinho de aliciar alguns times para criar um racha e impedir o processo de licitação. “Têm alguns clubes que pela primeira vez estão recebendo adiantamento da Globo. O normal é você ter um contrato, pegar o documento e levar no banco para antecipar o recurso. A partir de determinado momento, ela começou a fazer o papel do banco. Em vez de fazer (empréstimos) pelo banco, a própria Globo fazia.”
Nos casos do Flamengo e do Corinthians, é real a possibilidade de que uma negociação individual fosse mais favorável. Isso porque eles possuem as maiores torcidas e dão mais audiência às emissoras de tevê, embora, hoje, recebam o mesmo porcentual destinado a São Paulo, Palmeiras e Vasco, clubes com menor exposição. De toda forma, Koff garante que Sanchez não pleiteou uma verba maior antes de anunciar sua saída do C13. Quanto aos demais times cariocas rebelados, acha difícil que eles ganhem mais caso abandonem a negociação conjunta.
A mesma percepção tem o presidente do Atlético-MG, Alexandre Kalil. “Estamos dobrando a receita dos clubes. Eu quero que os dissidentes expliquem à sua torcida como eles pretendem ganhar mais dinheiro negociando sozinhos”, afirma o dirigente, participante da comissão que formatou o edital para a tevê aberta. “Recusar uma licitação que vai gerar 3,9 bilhões de reais em três anos é rasgar dinheiro. Mas alguns presidentes parecem gostar de ficar com o pires na mão.”
Em conversas informais, presidentes de clubes afirmam que muitos times são reféns da Globo na negociação, por receberem empréstimos e adiamentos dos direitos de transmissão sempre que a corda chega ao pescoço. No topo do ranking dos mais endividados estariam justamente os clubes cariocas. Boa parte da dívida de 60 milhões de reais com o Clube dos 13, na verdade, é de pagamentos antecipados pela Globo. De tantos adiantamentos, a receita com transmissões estaria comprometida até setembro.
A rebelião dos clubes do Rio teria, segundo fontes ouvidas por CartaCapital, um dedo do empresário J. Hawilla, dono da Traffic, que negocia marketing esportivo. Em dezembro do ano passado, a empresa assinou um contrato com o Fluminense para ser parceira na gestão de marketing do clube por dez anos. Além disso, foi graças ao suporte financeiro da Traffic que o Flamengo conseguiu contratar o meia Ronaldinho Gaúcho. Hawilla teria interesse em manter as transmissões do Brasileirão com a Globo por ser proprietário de uma rede regional de tevê, a TV TEM, afiliada à emissora da família Marinho. Ao todo, são quatro retransmissoras da Globo, que cobrem 318 municípios do interior paulista.
O clima está tão pesado que qualquer fato, por mais irrelevante que seja, alimenta a disputa. Uma semana depois de dar a Taça das Bolinhas ao São Paulo, pelo feito de ser o primeiro clube a conseguir cinco títulos brasileiros, a CBF reconheceu o Flamengo como campeão de 1987, ao lado do Sport. Com esse reconhecimento, o Flamengo seria, em tese, o verdadeiro herdeiro da Taça. Experiente, Juvenal Juvêncio, presidente do clube paulista, não perdeu o foco. “A CBF está fazendo um jogo para ver se nos divide. Pode rachar, mas acaba se ajustando no processo”, afirmou. “Assunto de Taça de Bolinhas não é sério, estamos discutindo um contrato bilionário.”
A Globo não comentou as acusações de ter pressionado os clubes, por meio de empréstimos ou adiantamentos. Também não esclareceu se pretende lançar uma proposta ou se está negociando isoladamente com os clubes. “A TV Globo só vai se pronunciar sobre a renovação dos direitos do Campeonato Brasileiro após avaliar os termos do edital”, informou a assessoria de imprensa da emissora. A Record usou o mesmo argumento para não falar sobre a negociação.
Com ou sem racha, o C13 promete levar adiante o processo de licitação. As ofertas seriam apresentadas em 11 de março. Diante da ameaça de deserção de alguns clubes – ou mesmo da negociação em separado -, a entidade não descarta a possibilidade de o edital virar objeto de disputa judicial. “O que todos precisam entender é que o Cade e o Ministério Público acompanharão a questão de perto, e não há espaço para privilegiar uma ou outra empresa”, diz Guerreiro.