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por Pedro Pomar
“Chaga” é uma palavra antiga, quase em desuso. É bem mais forte, porém, do que “ferida”, pois parece conter uma carga simbólica que esta não tem. Pois bem: dentre as chagas da sociedade brasileira, três talvez sejam as mais denunciadoras do nosso subdesenvolvimento (este vocábulo, embora bem mais recente, soa como completamente fora de moda!): o analfabetismo, a violência policial e o trabalho escravo. Parece inacreditável, mas no Brasil ainda existe trabalho escravo, em pleno século 21.
Ao comparecer ao Senado no dia 3/2, para participar de reuniões sobre o assunto, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), pediu apoio à bancada ruralista no combate ao trabalho escravo. “Eu acredito que mesmo a bancada ruralista na Câmara dos Deputados e no Senado pode ter amplo interesse nisso. Porque o agronegócio brasileiro não se confunde com o trabalho escravo. Produção de grãos, a produção primária no Brasil, não tem trabalho escravo. Onde tem trabalho escravo, tem que ser punido”, declarou a ministra, segundo reportagem de Rachel Librelon e Silvia Mugnatto publicada pela Rede Brasil Atual.
A ministra tocou num ponto importante, nevrálgico. Isso porque, se há escravos, há senhores de escravos. E quem são esses senhores de escravos? Ora, em sua maioria, fazendeiros e grileiros, que fazem parte, portanto, da base social da bancada ruralista. A mesma bancada que faz oposição cerrada à revisão dos índices de produtividade da terra, essenciais à reforma agrária; a mesma bancada que pretende reduzir o Código Florestal a uma caricatura; a mesma bancada que, sim, vem se opondo a medidas efetivas contra o trabalho escravo, tendo como porta-voz maior a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Maria do Rosário defendeu a aprovação da PEC 438/01, conhecida como “PEC do Trabalho Escravo”, que prevê a expropriação de propriedades rurais onde for verificado esse tipo de trabalho. Aprovada pelo Senado, a PEC 438/01 aguarda votação em segundo turno na Câmara dos Deputados. Quando da aprovação em primeiro turno, Kátia Abreu votou contra o projeto. É fundamental que esta lei seja aprovada definitivamente, quando sabemos que apenas entre 2003 e 2009 foram libertados, pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), nada menos do que 30.300 trabalhadores em todo o país, sujeitos à condição análoga à de escravos.
A ministra da SEDH está coberta de razão ao pedir o apoio dos ruralistas. Porém, o mais provável é que se trate de um “diálogo de surdos”. Historicamente, a bancada ruralista tem se comportado como um dos setores mais reacionários do parlamento brasileiro. A propósito, não podemos nos esquecer de que até hoje não foram punidos os mandantes e executores do assassinato de três auditores fiscais e um motorista do MTE, ocorrido em 2004 na região de Unaí, após fiscalização em lavouras de feijão onde costuma ocorrer trabalho escravo.
Somente a conjugação de duras medidas punitivas – desapropriações com base na PEC 438/01, uma vez aprovada pelo Congresso Nacional, e condenação judicial dos responsáveis por crimes contra fiscais e contra trabalhadores – é que poderá reverter o quadro atual, pondo fim à existência de escravos (e de senhores de escravos).
Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.