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Por Juliana Sada
Nesse domingo, dia 11, os eleitores paraenses foram às urnas e disseram "Não" à divisão do Estado para se criar mais dois estados – Carajás e Tapajós.
As cicatrizes da divisão continurão à mostra.
Para debater a questão, o Escrevinhador conversou com Edmilson Rodrigues, liderança paraense contrária à divisão. Atualmente, Rodrigues é deputado estadual pelo PSOL; já foi prefeito de Belém, entre 97 e 2004, pelo PT.
As duas regiões que demandavam sua emancipação possuem motivações distintas, há legitimidade em ambas?
Há um sentimento de abandono muito grande em todo o Pará. Pessoas morrem por falta de atendimento médico e sofrem com a falta de saneamento em Santarém, no Tapajós, e em Marabá, no Carajás, assim como em Soure, na ilha do Marajó, que fica próximo à Belém, e também na periferia da capital paraense. O deficiente acesso às políticas públicas é uma realidade em todo o Estado. Somos 7 milhões de habitantes distribuídos num território de 1,2 milhão de km2.
As respectivas populações estão envolvidas nas campanhas?
O movimento separatista é alimentado por políticos, os principais privilegiados com a possibilidade de criação dos estados do Carajás e do Tapajós, assim como grandes empresários e fazendeiros que vieram de fora para enriquecer no Pará.
Todos os estudos realizados por institutos de seriedade reconhecida, como o Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp) e o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) apontam que esses novos estados e o Pará remanescente nascerão deficitários em cerca de R$ 3 bilhões ao ano. Serão necessários muitos recursos para construir novos palacetes do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e dos Tribunais de Contas, novos cargos de procuradores, magistrados, deputados, senadores, governador e assessores, entre outros.
Além do mais, o mapa da divisão foi desenhado de forma a excluir do Pará quase todas as riquezas. O Carajás ficará com quase todas as reservas minerais e a hidrelétrica de Tucuruí, que é a segunda maior do Brasil e uma das maiores do mundo, enquanto que o Tapajós ficará com as florestas e com o potencial energético das grandes bacias hidrográficas paraenses.
Ninguém consultou a população sobre esse mapa. Os habitantes da região do Xingu, onde o governo pretende construir a hidrelétrica de Belo Monte, não aceitam integrar o Tapajós.
Os setores favoráveis à divisão argumentam que, devido ao tamanho do Pará, há regiões negligenciadas pela administração pública. Como resolver isto?
É verdade, a maioria da população do Pará vive no abandono. Por isso, os paraenses de todos os cantos deste Estado sairão das urnas com uma certeza: o Pará precisa mudar. Sou oposição ao governo Jatene [atual governador pelo PSDB]. Defendo a manutenção da integridade do território paraense, mas não para manter a realidade atual com a permanência do modelo predatório e excludente. O Estado precisa investir na descentralização administrativa, no planejamento territorial e maior investimento social para reverter a realidade de pobreza e abandono para fazer com que as políticas públicas cheguem a todos os lares paraenses.
Mas também é preciso que o governo federal faça a sua parte. As riquezas do Pará estão sendo vendidas a preço de banana, enquanto o povo continua pobre: 19% dos paraenses vivem na pobreza extrema, segundo o Idesp. A Lei Kandir desonerou a cobrança de ICMS na exportação do minério e também não há cobrança de imposto na geração da energia. A criação das hidrelétricas só fez expulsar as comunidades tradicionais de suas casas, deixando-as no abandono e, pior, sem acesso à energia elétrica.
Dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral indicam que as campanhas pró divisão tiveram muito mais verbas do que o outro lado e, mesmo assim, pesquisa Datafolha indica que mais de 60% da população é contrária a divisão. Como você explica esse cenário? O fato da maioria dos eleitores residirem em Belém é decisivo?
O povo paraense, na capital e no interior, já percebeu que a divisão não é remédio para a dramática situação social em que vive. Pelo contrário, esquartejar o Pará é na verdade um veneno mortal, uma verdadeira irresponsabilidade com o presente e o futuro de todos que aqui vivem.
Belém possui a maior densidade populacional, com cerca de 1,5 milhão de habitantes. Segundo o Idesp, o Pará remanescente ficaria com o menor território, apenas 218 mil km2, mas com a maior população, 4,9 milhões de habitantes, ou seja, 64% da população atual. A população da região metropolitana é contra a divisão porque sabe que todos sairão perdendo. Não há garantia alguma de que haverá aumento do Fundo de Participação dos Estados (FPE) com a criação dos três novos territórios. A população já sabe que essa é uma falácia das lideranças divisionistas. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a lei do FPE terá que ser votada no Congresso em 2012, estabelecendo novas regras. Portanto, a proposta de divisão que é apresentada como uma alternativa de mudança, de melhoria de vida para a população, deve, na verdade, provocar efeito contrário, aumentando a pobreza.
A cidade Belém recebe um grande fluxo de migrantes de outras partes do Pará que vêem na cidade oportunidades econômicas. A criação de um novo estado não poderia modificar esse movimento, criando outros pólos migratórios?
Creio que não. A dinâmica econômica atual já registra intensos fluxos migratórios para o sul-sudeste do Pará, em decorrência dos grandes projetos ali instalados, assim como já está acontecendo no Xingu, com a possibilidade de construção de Belo Monte. Este cenário não mudaria com a hipotética criação de novos estados.
Há interesses econômicos por trás do projeto de criação dos estados de Tapajós e Carajás? Quem seriam os principais beneficiados em cada caso?
Há poderosos interesses econômicos por trás da campanha separatista. A região do Tapajós, que será a mais pobre, fatalmente vai consumir as riquezas florestais para sobreviver, aumentando o desmatamento na Amazônia. Será a terra sem lei das madeireiras ilegais. A produção de grãos também é grande, especialmente de soja, que tende a incendiar as florestas para privilegiar a monocultura voltada à exportação.
Já o Carajás, terá que brigar muito com o governo federal, com pouca chance de vitória, para reverter a Lei Kandir ou conseguir uma compensação financeira. Ou seja, a [mineradora] Vale que já é muito poderosa no Pará, vai ampliar seu poder, vai se tornar a dona do Carajás com seu poderio econômico, inclusive, para decidir quem será o governante e, por via de consequência, para definir as obrigações financeiras e compensações sociais com as quais não terá que arcar.
Porém, tenho certeza que, no próximo domingo, 11, a expressiva maioria dos eleitores do Pará vai derrotar democraticamente essa absurda proposta de divisão.
A Igreja Evangélica, o Rotary Clube e a Maçonaria apoiam a criação do estado do Carajás. Qual a interesse deles em um novo estado?
Algumas instituições estão divididas. Há várias igrejas evangélicas no Pará, assim como maçonarias e outros. Creio que a opinião sobre a divisão encontra posição definida em relação ao território onde está localizada cada instituição. Mas acredito que há setores defendendo a divisão porque realmente crêem que essa seja a melhor alternativa para o Pará, mas estão enganados.
A campanha pró estado de Carajás está sendo realizada pelo publicitário Duda Mendonça, que possui terras na região mas é da Bahia. Os grupos econômicos que atuam lá na pecuária e mineração são paraenses?
O Duda Mendonça foi o marqueteiro responsável pela campanha contra a divisão da Bahia. Por que em relação ao Pará ele pensa diferente? Todo mundo sabe que o Duda é um latifundiário do Pará, apesar de não ser daqui. É uma situação intrigante.
Como todos sabem, a maior parte dos produtores rurais veio de fora, inclusive se beneficiando de pesados incentivos fiscais. São investidores que chegaram no Estado em busca de oportunidades e encontraram solo fértil para enriquecer, especialmente na pecuária, onde o Sudeste Paraense é um dos maiores produtores brasileiros de gado. Na mineração, o setor é dominado pela Vale S.A. Há muitos outros segmentos ligados ao agronegócio e à mineração que atuam na região e que certamente reforçam a campanha divisionista.