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Por Felipe Carrilho
O treinador do Barcelona, Pep Guardiola, declarou, após a esmagadora vitória do seu time sobre o Santos, que os seus comandados jogavam como a Seleção Brasileira de antigamente. Em maio, discuti aqui a relação entre a estética do futebol e os resultados em termos de placar e conquistas de títulos, comparando o jogo dos catalães com os de outras formações célebres, como a do Brasil de 1982.
O que se viu no jogo de domingo em Yokohama foi uma demonstração de que é falsa a oposição entre estética e rendimento no esporte apregoada por muitos especialistas. Aliar os dois conceitos é, na verdade, a grande utopia do futebol. É por isso que por mais que os clubes sejam hoje administrados sob a cartilha da administração racional capitalista – aquela que supostamente equilibra receitas e despesas –, estes não poderão jamais ser analisados como se fossem uma mera fábrica de refrigerantes.
O futebol é muito mais do que isso. No Brasil, as ciências sociais, desde a obra de Gilberto Freyre, viram esse esporte como um elemento constitutivo da nacionalidade e sublinharam também as contribuições da nossa formação social para a criação de uma nova maneira de jogar. O sucesso do nosso empreendimento esportivo, com sua originalidade estética, tem sido explorado como um resultado histórico da tensão entre padrões de disciplina que vêm de cima e resistência popular.
Hoje, no entanto, o futebol brasileiro vacila entre a irresponsabilidade individualista dos craques-celebridades, com seus cortes de cabelo extravagantes e festas vultosas, às vezes bizarras – com espaço para o protagonismo de jegues e anões – e uma moral disciplinadora, de inspiração neopentecostal, que ficou claramente exemplificada pelo regime de clausura imposto aos atletas brasileiros por Dunga durante a Copa de 2010. Ambas as facetas do nosso esporte são em boa parte produto histórico de um tratamento paternalista dado por dirigentes, técnicos e grande imprensa em relação aos atletas, e das distorções provocadas pelo mercado da bola.
Os técnicos comportam-se muitas vezes como chefes de produção nos clubes. O importante são os três pontos. Supervalorizados em seus cargos, montam esquemas táticos defensivos e apostam nos contra-ataques e nas jogadas ensaiadas de bola parada, com a justificativa de que não há estabilidade no cargo que ocupam. “Aqui é trabalho”, costuma dizer Muricy Ramalho, o principal expoente dessa maneira de conceber o futebol brasileiro atual, numa sentença sintomática.
Os clubes negligenciam as categorias de base, ou apostam nos talentos a partir de critérios de ordem física, como altura, peso, força etc. Muitos preferem as jogadas de marketing, com a contratação de ex-craques que pouco contribuem dentro de campo, mas ajudam a atrair patrocinadores e a vender camisas ou qualquer bugiganga relacionada à “marca”.
A atuação do Barcelona contra o Santos não foi um simples banho de bola ou uma humilhação esportiva. Evidenciou, na verdade, o dilema do nosso futebol com a suavidade de um bofetão no meio da cara. Não há uma mera “entressafra” de jogadores. Existe uma crise de concepção e de identidade futebolísticas.
Felipe Dias Carrilho é historiador e autor do livro Futebol, uma janela para o Brasil - As relações entre o futebol e a sociedade brasileira