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“Direita precisou ressuscitar cabo Anselmo depois da criação da Comissão da Verdade”
Por Bia Barbosa, na Carta Maior
Na noite desta segunda-feira (17), a TV Cultura volta a transmitir ao vivo o programa Roda Viva, sob o comando agora do jornalista Mario Sergio Conti, diretor de redação da revista "piauí" e ex-diretor da "Veja". O entrevistado é o ex-militar José Anselmo dos Santos – o cabo Anselmo – que, expulso da Marinha após um motim, nos anos 60, foi preso pela ditadura militar. Em troca da liberdade, delatou perseguidos políticos ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops, incluindo sua namorada, Soledad Viedma, que acabou morta pela tortura. Cooptado pelos órgãos de segurança, tornou-se agente duplo. E sua atuação foi decisiva para desmontar grupos de resistência armada urbana à ditadura.
Entre os entrevistadores de hoje estão os jornalistas Fernando de Barros e Silva e Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo; Fausto Macedo, do Estadão; e Jorge Serrão, autor do livro “O Homem que não existe – o Cabo Anselmo abre seus Arquivos”, escrito em parceria com o entrevistado.
Segundo jornalistas da TV Cultura ouvidos pela Carta Maior, Cabo Anselmo pleiteia, com a entrevista, reivindicar uma identidade, já que até hoje vive “perseguido e como clandestino”. Oficialmente, ele não possui nenhum documento de identificação (como RG ou CPF) emitido pelo Estado brasileiro. Mas, segundo a equipe da Cultura, a bancada do Roda Viva, em teoria, terá liberdade para perguntar o que quiser ao ex-militar. A produção do programa recebeu um novo livro do cabo Anselmo, ainda não publicado, onde ele revela mais nomes e fatos sobre o período da ditadura.
O advogado Aton Fon Filho, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, no entanto, não apenas tem poucas expectativas em relação à entrevista como acredita que o programa será uma expressão das vozes militares. Membro do Comitê Nacional pelo Direito à Memória, à Verdade e à Justiça – que tem feito diversas mobilizações pelo país pedindo alterações no projeto de lei de criação da Comissão da Verdade aprovado na Câmara dos Deputados – Fon acredita que a participação do Cabo Anselmo no Roda Viva desta noite é mais uma ação da direita.
“Em função de todo o debate sobre a Comissão da Verdade no país, a direita está reagindo. Podemos achar que é impossível mudar a correlação de forças para alterar o projeto da Comissão da Verdade e avançar rumo à Justiça. Mas estamos obrigando a direita a desenterrar pessoas como o Cabo Anselmo e figuras como Jorge Serrão e Mario Sergio Conti para dar uma resposta. Essa bancada de entrevistadores é de extrema-direita”, criticou. “Podem perguntar o que quiserem, mas um indivíduo como o Cabo Anselmo sempre terá uma justificativa para tudo. Não é igual filme americano, em que uma boa pergunta pode desbaratar uma testemunha plantada”, acrescentou.
Para familiares de mortos e desaparecidos políticos e militantes de defesa dos direitos humanos, dar espaço para um discurso como o de Cabo Anselmo na TV brasileira neste momento revela que os setores reacionários continuam contando com o apoio da grande mídia para evitar que se faça justiça no Brasil em torno das violações praticadas pelo regime militar. E se os aparelhos de repressão continuam funcionando a todo vapor – como revelou a reportagem de Leandro Fortes na última edição de Carta Capital – o colaboracionismo de parcela da imprensa com os militares também pode não ter se dissipado nos últimos 30 anos.
“Não nos esqueçamos que a Escola Superior de Guerra está aí, dando cursos para jornalistas frequentemente”, lembrou Fon.
Audiência no Senado e seminário na Câmara
Depois de aprovado na Câmara, o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade será tema de uma audiência pública nesta terça-feira (18) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. O relator do texto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania é senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que deve apresentar seu relatório nesta quarta-feira. O PLC 88/11 terá ainda que passar pela própria Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Casa, e ser enviado para sansão da Presidenta Dilma.
Aton Fon Filho será um dos representantes da sociedade civil na audiência desta terça. Ele admite que a correlação de forças para alterar o projeto aprovado na Câmara não é favorável.
“O momento é de muita disputa. Poderíamos ter avançado mais. Mas se não conseguimos algumas coisas por conta de erros que nós mesmos cometemos, essa Comissão da Verdade só saiu porque nós brigamos por ela. Não foi porque o DEM, o PSDB, o Nelson Jobim ou o Roberto Freire quiseram. Então achamos que temos que continuar lutando para melhorá-la”, explicou. “Na Câmara, não conseguimos. No Senado, há um mês achavam que não era necessário sequer fazer uma audiência pública. Há setores da esquerda que acham que essa é a Comissão possível, mas na ditadura também achávamos que não era possível mudar. Lutamos e a correlação de forças mudou”, afirmou.
Já na Câmara dos Deputados, começou nesta segunda o 5º Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos. O evento vai debater o cumprimento das leis de anistia pelo Brasil e o resgate da memória e da verdade. Na avaliação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, que organiza o evento, passados 32 anos da edição da Lei da Anistia, o Estado ainda não reparou todos os danos causados às vítimas da ditadura militar no Brasil.
A abertura oficial do seminário acontece na terça-feira, com a transmissão do documentário “Ditadura Nunca Mais!”. Em seguida, haverá um debate sobre “O Estado Brasileiro e o Cumprimento das Leis de Anistia”, com a participação de diversos ministros; o depoimento do ex-presidente de Honduras Manuel Zelaya, que falará sobre o golpe contra o seu governo em 2009; e um debate sobre Memória e Verdade dos Desaparecidos Políticos na América do Sul, com convidados do Chile, Uruguai e Argentina. Haverá ainda uma discussão sobre a batalha jurídica em defesa das vítimas da Operação Condor no Paraguai.