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Para se manter relevante e continuar retendo a audiência a televisão brasileira deverá se integrar ao sistema broadband e oferecer conteúdo aberto e on demand
Durante mais de meio século, as emissoras de televisão no Brasil não viram um meio concorrente capaz de entregar conteúdo audiovisual para milhões de pessoas simultaneamente que pudesse competir e desafiar seu modelo de negócios. A entrega gratuita da programação pelo ar se mostrava a maneira mais eficiente e economicamente viável para vencer os obstáculos naturais de um país continental como o Brasil. Mesmo o crescimento contínuo no número de assinantes da TV por assinatura não foi capaz de abalar os índices de audiência da televisão aberta. Contudo, a realidade agora é outra e nuvens pesadas sinalizam que uma tempestade pode estar se formando no horizonte. É preciso arrumar a casa para enfrentar esta tormenta, mas se tudo for planejado com antecedência, é provável que esta tempestade se transforme em apenas uma chuva de verão.
É evidente que estamos falando da Internet como meio de distribuição vídeos. Meio capaz de rivalizar com a TV tanto na entrega de conteúdo, bem como nos negócios, o que levou muitos a profetizarem o fim da televisão. Mas a televisão não acabou, pelo contrário, dá sinais que está se adaptando a este novo concorrente e encontrando soluções para manter seu papel na sociedade. É bem verdade que até pouco menos de 20 anos, a TV reinava absoluta e que de poucos anos para cá, vem perdendo parte de sua audiência para os serviços ofertados via internet. Mas, ainda há um tempo considerável para que as emissoras brasileiras possam planejar o futuro e um dos caminhos que elas podem tomar é se tornarem híbridas.
A TV HIBRIDA
Atualmente temos dois sistemas atuando de formas distintas: o mundo broadcast (transmissão pelo ar) e o mundo broadband (transmissão por IP - Internet Protocol). Em alguns momentos estes sistemas interagem, mas a ação de cada um deles é limitada caso estes dois mundos estivessem plenamente integrados. É vislumbrando todo este potencial que nasce a TV Híbrida, que na opinião de David Britto (SET/TQTVD), proporciona a união da “robustez de entrega de conteúdo de forma simultânea, de alta qualidade, a um custo de transmissão fixo para milhões com a flexibilidade de acessar o conteúdo individualizado que o mundo IP permite”.
A individualização do conteúdo é o ponto central que envolve a TV Híbrida. Assistir televisão realizando outras tarefas simultaneamente foi se tornando um hábito muito comum para grande parte dos espectadores. A internet potencializou esse hábito e assistir a televisão conectado à internet é hoje um comportamento natural para muitos espectadores. Em recente estudo divulgado pela Ericsson, mais de 60% da audiência nos EUA navega na internet enquanto assiste à televisão. 40% navegam nas redes sociais e pouco mais de 20% jogam online.
No Brasil 73% da população conectada utiliza a TV enquanto acessa a Internet ao mesmo tempo. Portanto, a TV Híbrida já possui um nicho de mercado altamente fidelizado e com um hábito já estabelecido. Isto é algo que não pode ser ignorado, pois proporciona uma enorme gama de possibilidades de interação com este público que a televisão pelo ar nunca conseguirá estabelecer, principalmente na questão da publicidade dirigida. Um estudo da comSocore realizado em 2014 com usuários de Internet nos Estados Unidos pode servir de parâmetro para o Brasil por conta da similaridade do modelo de negócios entre TV aberta americana e a TV brasileira e a tendência de crescimento do acesso à Internet no Brasil nos próximos anos. A pesquisa apontou que o público jovem, denominado Mileniais, de 18 a 34 anos divide mais a atenção entre a TV tradicional e outros dispositivos do que os demais públicos (ver figura 1). É quase certo de que cada vez mais o percentual das outras faixas etárias diminua quando os jovens se tornarem adultos e idosos. Se hoje temos 84% das pessoas com maior atenção para a TV tradicional na faixa dos 35 a 54 anos é muito provável que este percentual caia consideravelmente se os jovens de hoje mantiverem os mesmos hábitos no futuro.
Figura 1
Também chama a atenção os motivos pelos quais todos os entrevistados apontam como fator principal para o consumo de programas de TV na Internet (figura 2). A facilidade de ver o programa fora do horário da TV, pular comerciais, ser mais barato que TV por assinatura, assistir a dois programas ao mesmo tempo e até viajar muito. Quando dividido por idade, os motivos se mostram bastante interessantes. 29% das pessoas de 55 ou mais anos dizem procurar os programas na Internet para assistirem a um episódio que não conseguiram ver na TV. Percentual que cai para 22% na faixa de 35-54 e 16% na faixa de 18-34 anos. Para as pessoas de mais idade, os comerciais não representam um motivo que os afaste da televisão. Apenas 1% apontou esta razão. Já 13% dos jovens afirmaram que este é um dos principais motivos para assistir aos programas de TV na Internet. Estes cenários já despertaram nos Estados Unidos o sinal de alerta, tanto que o novo padrão ATSC 3.0 que deverá ser adotado naquele país em 2016 já prevê condições para implantação da TV Híbrida.Figura 2
PONTOS CONVERGENTES A TV Hibrida não tem como ponto positivo apenas alcançar um público que está deixando de assistir televisão tradicional. Os pontos convergentes entre os dois sistemas são mais amplos e alteram o modo como a TV tradicional se relaciona com a audiência. · Publicidade – Estudo realizado pela PwC aponta que a publicidade na TV aberta no Brasil deverá crescer 9,1% entre 2014-2018, enquanto o crescimento na Internet será de 16,9%. Apesar dos investimentos publicitários no Brasil serem majoritariamente dirigidos para a TV aberta, especialistas afirmam que a Internet poderá aumentar consideravelmente sua fatia no bolo publicitário quando 70% da população possuir acesso à Internet em suas residências. A TV Hibrida não apenas trará novamente parte desta publicidade online para a receita das emissoras, como poderá utilizar a publicidade segmentada e dirigida (comum na Internet atualmente) baseada no perfil e histórico de consumo de cada usuário, nos programas on demand, na interatividade via aplicativos de Segunda Tela e promoções específicas de anunciantes para o conteúdo broadband. Na reprodução, o radiodifusor pode escolher incluir anúncios que não possam ser pulados. · T-Commerce – Comercialização de produtos, merchandising, canais de compra, teste de produtos, etc. · Over-The-Top – De acordo com a GFK (medição de audiência) o número de usuários de conteúdo Over-The-Top praticamente dobrou desde 2010. Com a TV Híbrida as emissoras poderão fazer concorrência a serviços como NetFlix oferecendo a programação original da grade pelo sistema on demand ou programas independentes, regionais, de arquivo, produzidos especialmente para o sistema broadband e até mesmo uma curadoria do conteúdo disponibilizado na rede pelos milhões de usuários em agregadores de vídeo como Youtube também baseado no perfil histórico e preferências do usuário do sistema broadband. · TV Social – A Social TV nos Estados Unidos vem aumentado consideravelmente a audiência da TV aberta. TV Social é a habilidade de compartilhar e conversar com a sua comunidade digital enquanto assiste à televisão. Os programas ao vivo vem demostrando serem aqueles que mais geram compartilhamentos online. Estudo do Ibope no Brasil aponta que a cada 17 pontos de audiência, cada 5 mil tweets adicionais sobre um determinado programa geram 1 novo ponto de audiência no Ibope do canal. · Padrão para a América Latina – A televisão aberta na América Latina é o meio de maior penetração e liderança do share publicitário e de acordo com estudo da Deloitte, 40 milhões de pessoas serão incluídas na audiência televisiva até o final de 2015. Com o a integração com o sistema broadband a TV aberta não perde sua relevância e nem penetração nos mercados onde é líder. Além disso, o Brasil já exportou o padrão brasileiro de TVD para 15 países. O Ginga permite que os componentes da TV Hibrida possam ser implementados como uma app. O Conteúdo híbrido pode ser embutido junto ao sinal DTV como sessões de dados privado em um TS MPEG-2 ou como objetos do carrossel de dados. O sinal híbrido via TV permite uma sincronização com menor latência do que aplicativos para Segunda Tela. · Gamificação – Estratégia que pode ser utilizada tanto na primeira ou na Segunda Tela, em programas ou comerciais. A Gamificação é o uso de mecânicas dos jogos, como o objetivo de incrementar a participação e gerar engajamento e comprometimento por parte dos usuários. Estima-se que em 2016 o mercado de gamificação movimente US$ 2.8 bi. A SET vem patrocinando um grupo de discussão que promove o compartilhamento de conhecimento e debate envolvendo o IBB – Integrated Broadband & Broadcast - O Grupo é coordenado por Aguinaldo Boquimpani. A União Internacional de Telecomunicações (ITU) – braço da ONU para a padronização global de tecnologias ligadas as TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) e Telecomunicações, acatou no fim de novembro, a contribuição da Totvs para a primeira de uma série de recomendações para serviços interativos de TV Digital que integrem as tecnologias Broadcast e Broadband. Chamada, oficialmente, de J.acf-req: “Requirements for Integrated Broadcast and Broadband DTVapplication control framework”, a recomendação define todos os requerimentos de um framework de gerenciamento de aplicações interativas para TV Digital em ambiente híbrido que integre canais de Broadcast e Broadband. PROJETOS Além da SET, um consórcio formado entre universidades brasileiras e União Europeia vem promovendo um estudo fomentado no Brasil pelo CNPq. O Projeto “Global ITV” busca soluções para a convergência da TV com a Internet com foco na interatividade. A ideia principal é oferecer uma plataforma de TV que propicie aos usuários novas funcionalidades e serviços multimídia, explorando as potencialidades dos modelos de radiodifusão e de Internet. O coordenador brasileiro do “Global ITV” é o professor Dr. Marcelo Knörich Zuffo, do Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas da Universidade de São Paulo (CITI/USP). Do lado europeu, o projeto é coordenado por Christoph Dosch, líder do grupo de estudos voltados à radiodifusão do Institut fuer Rundfunktechnik GmbH (IRT) da Alemanha. No total, estão envolvidas 17 instituições parceiras, entre universidades e empresas brasileiras e europeias. No Congresso NAB 2014 foram exibidos dois sistemas de TV Híbrida. O Hybridcast, pela emissora japonesa NHK e o HbbTV, europeu. Os dois sistemas já estão em operação e apresentam similaridades em suas estruturas. Os dois utilizam o padrão HTML5 e oferecem serviços e conteúdo on demand, a diferença está mais relacionada ao próprio que cada país região faz do sistema. A NHK apresentou uma série de serviços informativos como trânsito, informações sobre o tempo e alerta de catástrofes. Já o HbbTV foca na oferta de conteúdo on demand. O HbbTV já está sendo utilizado por vários países da Europa, tais como: frança, suíça, Áustria, Alemanha, polônia e Holanda. Outros países como, o reino unido, Portugal e Rússia, estão fazendo testes e países como Austrália, Japão, china e países do continente africano estão interessados em conhecer o sistema. Até dezembro de 2014 havia 20 milhões de televisores conectados na Europa e 90% destes dispositivos eram capazes de receber a HbbTV. O Hybridcast é o sistema que vem chamando a atenção dos radiodifusores no Brasil, pois seu sistema é compatível com a transmissão do ISDB-T japonês (também adotado pelo Brasil). “Na transmissão broadcast de TV digital a chamada Qualidade de Serviço ou QoS é muito melhor, pois é transmitido áudio e vídeo em uma largura de banda muito alta de forma ininterrupta para inúmeros usuários ao mesmo tempo. Já o broadband não tem o QoS no mesmo nível mas tem a flexibilidade de entregar conteúdo personalizado para cada um desses usuários. Estas características complementares de broadcast e broadband é que fazem do Hybricast uma aposta de sucesso”. Afirma Tom Jones, membro do Fórum SBTVD e membro da diretoria de ensino da set. Na verdade, a TV e a internet já estão integradas. As novas gerações já fazem uso dos dois sistemas simultaneamente no dia a dia. Cabem aos produtores de conteúdo, gestores e engenheiros criarem as melhores condições de uso e melhor experiência na TV Híbrida. Pelo menos até agora, este parece ser um caminho natural para as emissoras de TV aberta. Ao se tornarem híbridas mantém a relevância para a audiência, mantém seu modelo de negócios e cria novas oportunidades de receita. Só não podemos demorar a tomar este caminho, pois poderá ser tarde demais.