Diariamente acompanhamos na grande mídia um desfile de clichês do manual do perfeito empreendedor de si mesmo, “pérolas coxinhas”: pessoas proativas, criativas etc. teriam mais chances de arrumar um emprego... apesar da crise. O adjunto adverbial de concessão é o único elemento que dá racionalidade a essa fábula diária na TV. Uma dessas fábulas foi narrada pela Globo News: a história de dois jovens que ficavam com placas de cartolina na Avenida Paulista pedindo emprego. E o telejornal mostrou o sucesso da “proatividade”. Um exemplo de como as notícias estão abandonando o Jornalismo para entrar no campo morfologia do Conto Fantástico, como estudou Vladimir Propp. E mais um exemplo de como as esquerdas até hoje não entenderam a eficácia comunicativa da Direita – ideologia não se combate com crítica ideológica, mas com guerrilha e anarquia midiática.
Globo News dá "pérolas coxinhas" para desempregados
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Certa vez em 1933, no Palácio dos Esportes em Berlim, um pouco antes da vitória de Hitler, dois propagandistas, um comunista e outro nazista, discursaram. O aparentemente gentil nazista insistiu que o comunista tomasse primeiro a palavra. O que o comunista sentiu como uma distinção, e começou a falar: aí veio uma discurso recheado com as partes mais complicadas de O Capital sobre “contradição principal”, “taxa de lucro média” e cada vez mais cifras. O público nada entendia e assistia entediado. No final, aplausos entre regular e fraco.
Então, aparece o nazista. E foi fulminante: “quando vocês trabalham no escritório o que os Srs. e Sras. fazem o dia inteiro? Escrevem números, somam, subtraem! E o que os Srs. ouviram do Sr. orador que me antecedeu? Números e mais números. De tal forma que a frase do nosso Führer encontrou uma confirmação inesperada: comunismo e capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda”. Então, fez uma pausa bem estudada e emendou: “Eu, porém, falo a você de uma incumbência mais alta...!”.
Guardadas as devidas diferenças, atualmente as esquerdas brasileiras continuam a assistir perplexas à eficácia como o espectro político à Direita manipula de forma eficaz as diferentes meios de comunicação. Desde que os nazi-fascistas estetizaram e despolitizaram a política (como no breve exemplo acima), as esquerdas ainda se portam como o ingênuo propagandista comunista, lisonjeado em tomar primeiro a palavra – o que na verdade foi apenas um ardil do nazista.
Enquanto as esquerdas preocupam-se com conteúdos (denúncias, críticas ideológicas, matérias investigativas que nunca terão a devida repercussão) a Direita lapida o imaginário, o verdadeiro substrato de toda ideologia.
A Direita não faz Política. Política é um espaço desinteressante, fastidioso, árido – as mesmas discussões parlamentares, políticos que nada resolvem, partidos atrelados a interesses econômicos.
A Direita chega à Política indiretamente, por meio do imaginário e das fantasias, e não com o concreto e o imediato. Não com “conteúdos” de comunicação através dos quais, diferentemente, as esquerdas de forma teimosa insistem: filmes ou documentários sobre denúncias ou histórias de opressão, censura e exploração, por exemplo.
Como disse certa vez Goebbels, ministro da propaganda nazista: “para nós, a Imprensa é propaganda com meios jornalísticos”. A Direita simula transmitir conteúdos (notícias, por exemplo), mas na verdade cria imagens, plots, narrativas.
Diante da eficácia comunicativa da Direita, as esquerdas denunciam o “monopólio midiático” e a força bruta da grana (o BV, Bonificação por Volume, pago aos anunciantes pela Globo, por exemplo). São verdades, mas não explicam totalmente o porquê da eficácia comunicativa da Direita.
Um singelo exemplo dessa construção de “imagens” e de formas comunicacionais para, indiretamente, chegar à política por meio do imaginário foi dada pela Globo News.
No programa Conta Corrente a apresentadora Christiane Pelajo falava sobre os números crescentes do desemprego apontados pelo IBGE. Números áridos que representam os jovens desempregados na faixa entre 18 e 24 anos.
Mas de repente esses números ganham concreção em um plot dramático: a história de dois irmãos que passam dois dias por semana na Avenida Paulista segurando cartazes com dizeres: “Não quero esmola, quero um emprego”. Dois jovens pernambucanos que vieram a São Paulo em busca de trabalho e até aquele momento não obtinham sucesso.
“A gente gastava muito dinheiro com ônibus e currículos e aí pensamos numa forma mais barata, só com a cartolina”, descreveram para a repórter Thais Itaqui que se dirigiu a casa dos jovens.
Uma semana depois, no mesmo programa Conta Corrente, mais notícias dos números áridos do desemprego, discussões no Congresso sobre enxugamento dos gastos do governo e... uma boa notícia: um dos irmãos pernambucanos “que apelaram para a criatividade para conseguir um trabalho” ligou para a redação da emissora para avisar que tudo deu certo. Foi empregado em uma loja de produtos orgânicos no bairro nobre das Perdizes. E a mesma repórter foi cobrir o primeiro dia de trabalho do rapaz.
O patrão foi rápido: “Ele é seu pupilo, hein!... minha esposa viu a matéria na TV e gostou da postura deles de batalhar”. “E qual o diferencial para um jovem que está assistindo a gente pode ter para arrumar um emprego nesse momento?”, perguntou a atenta repórter ao proprietário da loja.
A partir daí o entrevistado começou o desfiar o rosário dos clichês do conhecido manual meritocrático como “proatividade”, “fazer diferença”, “ser criativo”, “competitividade” e assim por diante.
Preocupado, o rapaz lembrou que só faltava agora o seu irmão ser empregado: “veja lá no vídeo do dia 17 do G1 que está a gente com o cartaz com o telefone. Liga lá que meu irmão tá precisando”, disse o rapaz entre sorrisos.
Claro, são “pérolas coxinhas” do manual do perfeito empreendedor de si mesmo. Estranha situação na qual apesar do País viver “a maior crise da história”, basta ser proativo, criativo e competitivo que achará um lugar ao sol, ou, no caso, uma luz no meio das trevas. É o sucesso do adjunto adverbial de concessão – apesar de a crise ser econômica e política, o sucesso será sempre individual.
Mas a força imaginária da peça ideológica que representou essa matéria do Globo News não vem do seu conteúdo – por si só um conjunto de clichês do discurso da meritocracia desgastados e repetitivos e muitas vezes irreais diante do cotidiano do próprio telespectador.
A força vem da forma narrativa (o jornalismo em busca de personagens) e das estratégias meta-midiáticas – efeito Heisenberg e tautismo.
Embora o tema do programa Conta Corrente seja desemprego, não é sobre isso que a repórter queria informar. Ela pretendia nos contar uma fábula de personagens tão oportunos e perfeitos que pareciam inventados por algum roteirista – jovens irmão pernambucanos (que remete a todo imaginário dos retirantes em busca do Sul Maravilha fugindo do subdesenvolvimento nordestino) que não querem esmola de ninguém - mais uma referência, dessa vez às críticas a programas de assistência como Bolsa Família tidos como “esmolas”.
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