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O programa CQC afunda em crise de audiência e irrelevância, com críticas da dona da franquia da atração nos bastidores: a produtora argentina Eyeworks Cuatro Cabezas. O ápice foi a saída de Marcelo Tas da bancada ao vivo, substituído pelo ator Dan Stulbach. Talvez para tornar o programa mais equilibrado sem os arroubos politicamente raivosos do ex-apresentador em redes sociais. Mas a Band parece querer voltar aos seus tempos hidrófobos: Stulbach lê ao vivo um “lead” que anuncia uma notícia (cemitério de automóveis apreendidos pela Polícia Civil vira foco da dengue em São Paulo), mas, ao contrário, a matéria do quadro “Proteste Já” exibiu uma não-notícia com direito a simulação de perseguição de quem seria o verdadeiro responsável: o subprefeito de Itaquera. Quem deu a notícia: Stulbach ou o “destemido” repórter do CQC? Enquanto isso, um “teaser” para a campanha do PSDB na TV (“Querem que você pague a conta do ajuste fiscal”) revela um verdadeiro ato falho psíquico – para quem fala o marketing político tucano?
Criado pela produtora argentina Eyeworks Cuatro Cabeza, o programa CQC (“Caiga quien Caiga”), como o próprio nome diz, tem uma proposta bem clara: matérias onde repórteres fazem perguntas inesperadas e inconvenientes para entrevistados, sem preocuparem-se com a hierarquia de quem sofre as consequências. Franquia de programas em países como Chile, Itália e Espanha, no Brasil parece que as coisas não são bem assim.
Como esse blog já observou em edições do ano passado do CQC (“Custe o que Custar”, no Brasil), a audácia dos seus repórteres parece ser bem seletiva, procurando descarregar toda a sátira e os efeitos digitais das suas ilhas de edição sobre personagens socialmente mais fracos e politicamente bem definidos – o ataque a Genoino foi ápice – sobre isso clique aqui.
No ano passado o CQC embarcou na onda raivosa da grande mídia contra o Governo Federal em ano eleitoral, turbinado ainda pelo fato de que o dono do Grupo Bandeirantes e de muitos imóveis urbanos em São Paulo, Johnny Saad, ter uma briga comprada com o prefeito da cidade Fernando Haddad, desde que ele decidiu atualizar a planilha de cobranças do IPTU.
Paralelo a isso (ou por causa disso), o programa perdeu audiência e repercussão, com críticas de bastidores da produtora argentina pelos rumos da franquia no Brasil, culminando com a saída do apresentador Marcelo Tas (que retirava sua máscara de isenção ao dar palestras em eventos para a juventude do DEM), que disparou em entrevistas contra um suposto “engessamento do CQC brasileiro” pela produtora argentina.
Com o ator Dan Stulbach comandando a bancada ao vivo do programa, parecia que o programa tinha baixado a bola da hidrofobia direcionada das suas matérias, como forma de recuperação da relevância perdida.
A matéria do Proteste Já
Pois eis que na edição de 18/05 o programa pareceu começar o aquecimento para o retorno aos tempos da indignação esperta de Marcelo Tas. No quadro Proteste Já (não fica claro se o quadro é uma iniciativa das comunidades que procuram o programa ou se é a produção da Band que “descobre” o protesto) denunciou um cemitério de automóveis na Gleba do Pêssego, extensa área desacampada em Itaquera. Carcaças de automóveis se acumulam, tornando-se um previsível foco do mosquito transmissor da dengue com acumulação de águas de chuva nas latarias - veja o vídeo abaixo.
Stulbach iniciou o lead de chamada da matéria falando da crise da faltas de água e em seguida da epidemia da dengue e de um “cemitério de automóveis da Polícia Civil”. Logicamente, de carros apreendidos em batidas policiais.
Pois a matéria abre falando sobre os carros abandonados da Gleba do Pêssego que oferece risco à saúde e “que a prefeitura parece não estar preocupada com o problema”. Dá início a uma narrativa exatamente oposta àquela sugerida pela abertura de Dan Stulbach.
Começa um desfile de entrevistas com moradores da região claramente tomadas de forma fragmentada, descontextualizada, para que, na ilha de edição, fossem encaixadas de forma coerente em uma narrativa forçada para o fio da meada da culpa ser esticado até o prefeito da Regional Itaquera.
O repórter visivelmente joga com a ignorância dos moradores sobre as diferenças de terrenos de jurisdição municipal e estadual – “fala aí pro prefeito para tirar os carros...”, incita o repórter. Se as carcaças estão em Itaquera, só pode ser culpa da prefeitura. “Quando vocês querem voto, a gente tá aí...”, encerra a moradora, sempre incitada pelos direcionamentos das “perguntas”.
O fio esticado da narrativa logicamente precisa passar por uma autoridade, uma médica da Associação Brasileira de Infectologia, para dar um peso de gravidade na culpa que será despejada mais adiante.
Lá pelos 6 minutos, acompanhamos a marca do estilo CQC: a audácia, o destemor e a coragem em desafiar autoridades... só que com oponentes escolhidos a dedo. “Se o subprefeito de Itaquera não vai até lá, vamos levar o problema até ele!”, desafia o repórter enquanto um caminhão guincho começa a transportar a carcaça de um enferrujado Chevette.
Inicia-se um sequência de planos e efeitos que sugere uma tentativa do subprefeito fugir da câmera do intrépido repórter – rostos desfocados, portas que tentam ser fechadas na cara do jornalista do CQC, efeitos do áudio para criar o efeito thriller e as tradicionais piadas politicamente incorretas como “quem é você, Thamy Gretchen?, referindo-se à porta-voz do subprefeito chamada Thamy.
Depois de muitos efeitos para criar a atmosfera de fuga e perseguição descobre-se: o subprefeito Maurício Martins encontra-se em evento de agenda pública... mas a produção do programa supostamente não sabia disso...
Para lá rumam a carcaça do Chevette e o desafiador repórter até encontrá-lo. Então revela-se a não-notícia: apesar de propositalmente fragmentada com cortes e efeitos digitais (entre eles mosquitos sendo esmagados no seu rosto com um pega-moscas), a fala de Maurício revela que o problema é de jurisdição da Secretaria Estadual de Segurança Pública – as sucatas devem ser leiloadas pelo Estado e a Prefeitura só pode apenas notificá-lo e multá-lo.
Onde está a notícia?
Somente nos dois minutos finais de uma matéria de 11 minutos, o solerte repórter vai à notícia (aquela que Stulbach anunciou na abertura), entrevistando rapidamente e com todo o respeito e consideração (dessa vez sem piadas politicamente incorretas e efeitos digitais “engraçados”) o Secretário da Segurança do Estado Alexandre de Moraes.
Sem nenhuma indignação e sem levar a carcaça do Chevette até ele, ouve passivamente risíveis explicações: em 90 dias os carros serão leiloados e “prensados”; enquanto isso, “colocamos água sanitária neles” como se fosse possível pingar cândida em cada fresta de centenas de latarias retorcidas.
Corta para a bancada ao vivo: Stulbach fala na responsabilidade das “autoridades” e “poder público”... O curioso de toda essa matéria é que ela é apenas uma pequena amostra de uma bomba semiótica, dessa vez maliciosa que combina não-notícias com eufemismos: quando o problema sobra para a responsabilidade estadual fala-se da culpa de “autoridades” ou do “poder público”. Isso para maliciosamente as matérias dividirem o problema com esferas seja municipal ou federal.
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