Exclusivo! Um resumo da coletiva de Lula para os principais jornalistas do país
Por Miguel do Rosário, direto de Brasília
Paulo Pimenta, à frente da Secretaria de Comunicação (Secom) do governo federal, abriu a coletiva com autocríticas a seu próprio trabalho. Segundo Pimenta, ele ainda estaria se ambientando à nova missão, e que o próprio presidente às vezes lhe adverte para se distanciar da postura que tinha como deputado.
"Eu assumo a responsabilidade total por eventuais erros que cometemos", disse Pimenta, enquanto Lula assentia, rindo, com a cabeça.
Em seguida, começaram as perguntas. O encontro contou com a presença de uns quarenta jornalistas, dos principais órgãos do país, incluindoalguns portais independentes, como DCM, Fórum, 247 e Cafezinho, representados por Leandro Fortes, Mauro Lopes, Luis Costa Pinta, e este que vos fala, respectivamente.
Entre os jornalistas mais conhecidos, estavam Vera Magalhães (Cultura/Globo), Bernardo Melo Franco (Globo), Ana Flor (Globo), Julia Dualibi (Globo) Igor Gadelha (Metrópoles), entre outros. Jornalistas do Nexo, Jota, Record, também participaram.
Marcado para as 10h, o presidente chegou às 10:30 e o encontro durou até 12:00. O chefe da assessoria de imprensa de Lula, o jornalista José Chrispiniano, fazia a seleção daqueles que podiam perguntar.
Vamos resumir a entrevista em tópicos, intercalando as falas do presidente com comentários nossos.
Os temas sobre os quais o presidente discorreu mais longamente foram os desafios econômicos, a relação do governo com o Banco Central, e a guerra na Ucrânia
O presidente se mostrou otimista quanto ao crescimento econômico deste ano, alegando que a injeção de recursos via programas sociais e investimentos públicos ainda não começaram a fazer efeito. Ele lembrou que o primeiro programa a se materializar foi o novo Bolsa Família, cuja primeira parcela foi paga somente há algumas semanas.
"Os programas irão fazer diferença", assegurou Lula.
Ele lembrou ainda que, assim que voltar da China, e após o evento de anúncio dos 100 dias, o foco do governo será a economia.
"Minha obsessão é o crescimento econômico e a geração de emprego", disse Lula.
Lula disse que o governo prepara medidas para destravar o crédito no país, com foco em pequenos e médios empresários.
Ao falar de crédito, o presidente voltou a fazer críticas duras aos juros praticados no Brasil, os quais, segundo ele, inviabilizam novos investimentos. Disse que tem se reunido com membros do setor produtivo, e que há um consenso de que é "humanamente impossível desenvolver o país com essa taxa de juros".
Lula lembrou que o governo deverá indicar, em algumas semanas, dois novos diretores do Banco Central, e outros dois em 2024, e que os nomes serão escolhidos segundo o "interesse do governo". Os mandatos que já venceram, e que aguardam apenas novas indicações do governo para serem substituídos, são os de Bruno Serra Fernandes, diretor de Política Monetária, e Paulo Souza, diretor de Fiscalização.
"Não vou ficar brigando com o presidente do Banco Central", ponderou Lula.
Ele ressaltou que não haverá nenhuma aventura, ou cavalo de pau, na economia. "Não vamos brincar com economia", disse o presidente, após lembrar que o tamanho da economia brasileira impõe um ritmo moderado e cuidadoso nas mudanças.
"Quando você é oposição, você fala o que quer. Quando é governo, você faz o que pode", observou o presidente, que também mencionou a necessidade de se considerar a correlação de forças no congresso e na sociedade.
O presidente assegurou que sua preocupação não é propriamente com a autonomia do Banco Central, pois os presidentes que indicou, em governos passados, sempre tiveram autonomia real.
"A autonomia não é, para mim, uma questão de princípios", disse o presidente, explicando que sua preocupação é de ordem prática: criar um ambiente econômico mais amigável para o crescimento econômico, o que pressupõe, necessariamente, juros mais baixos.
Lula também explicou que a reforma do ensino médio não será revogada. A iniciativa do governo, de suspendê-la, tem como objetivo fazer o debate democrático com os setores diretamente envolvidos, como professores, alunos e entidades ligadas à educação, para que ela possa ser aperfeiçoada.
Alguém perguntou sobre a declaração do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, de que a Petrobrás deverá mudar sua política de preços, ou seja, revogar a famigerada PPI. A estatal rebateu a fala do ministro, ontem, com um comunicado seco, dizendo que não havia recebido nenhuma orientação do governo para mudar a política de preços. As ações da Petrobrás, como era de se esperar, experimetaram forte instabilidade, após a repercussão da entrevista de Silveira à Globonews.
Lula não conseguiu esconder um pouco de irritação com o que pareceu considerar indiscrição de seu ministro. Não é verdade, porém, que o presidente o "desautorizou", como alguns jornais noticiaram.
"Fui pego de surpresa", admitiu o presidente. Mas acabou chancelando as falas de Silveira, ao afirmar que os preços dos combustíveis precisam ser "abrasileirados", e que isso era uma de suas promessas de campanha.
"O Brasil não tem que estar submetido a PPI", afirmou o presidente, para não deixar dúvidas de que ele mesmo é o principal defensor, no governo, de mudar a política de preços da Petrobrás.
Lula tem procurado dar mais unidade à comunicação do governo, concentrando a divulgação das decisões mais importantes na própria presidente da república. Esse esforço vai na contramão da postura de alguns ministros, que também querem para si um pouco de protagonismo.
A irritação de Lula tem razão de ser, pois esse tipo de declaração do ministro, antes que o governo tenha formatado oficialmente uma nova proposta, gera uma instabilidade que apenas beneficia especuladores financeiros.
Outra pergunta que se repetiu na entrevista foi sobre a nova indicação para o STF. Com a oficialização da aposentadoria de Lewandowski, as especulações sobre quem será o próximo indicado se intensificam, tanto para a vaga já aberta, como para a segunda vaga, que será aberta em breve, com a aposentadoria de Rosa Weber. Lula se negou a dar qualquer pista sobre quem indicará, mas fez uma afirmação de princípios, de que o nome escolhido deverá ser alguém disposto a enfrentar as pressões da mídia.
Lula também falou sobre suas expectativas para aprovação no congresso das reformas propostas pelo governo.
Ele assegurou que está otimista de que tanto a reforma tributária quanto o novo marco fiscal deverão ser aprovados, embora admitindo que estes serão os primeiros "testes" de força da base governista.
Lula deixou transparecer um pouco mais de ansiedade sobre a reforma tributária, confessando que ela será um desafio, por mexer com a "parte mais sensível do ser humano, o bolso", ou seja, os grupos econômicos que enxergarem, na reforma, a perspectiva de aumento de sua carga tributária, deverão fazer forte oposição.
Mas o presidente adiantou o que pode ser um ponto importante na abordagem oficial para a questão tributária: o combate à sonegação.
"A sociedade precisa entender que sonegar é crime, é corrupção", disse Lula, levantando o tom da voz.
Em seguida, criticou a modo como os grandes sonegadores se beneficiam de um sistema extremamente leniente, e mencionou a morosidade e viés antigoverno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o famoso Carf, onde as grandes empresas conseguem adiar por tempo indeterminado as cobranças devidas.
"O governo já entra nesse jogo perdendo, e perde bilhões de reais, que poderiam ser aplicados na educação e na saúde", protestou Lula, referindo-se aos julgamentos realizados pelo Carf. Lula reforçou que o governo precisa combater a sonegação e ampliar a base de arrecadação, de maneira a abrir espaço para redução da carga imposta ao setor produtivo.
Quanto ao Arcabouço Fiscal, Lula demonstrou mais confiança, e elogiou muito a "engenharia política" de Haddad, que costurou o projeto em conjunto com as principais forças partidárias, neutralizando, desde já, possíveis obstáculos quando for discutido e votado pelos parlamentares.
Uma jornalista da CNN, Basília Rodrigues, perguntou a Lula - em tom de reprovação carinhosa e irônica - se ele continuaria a falar em Sergio Moro e Bolsonaro. O presidente respondeu com bom humor, admitindo que Paulo Pimenta tem lhe advertido a evitar isso.
"Não tenho que falar nem na coisa nem no coiso", brincou Lula, arrancando risadas dos jornalistas.
O presidente assegurou que o governo está preocupado em fazer investimentos focados na indústria, de maneira a elevar a complexidade da economia e aumentar a exportação de manufaturados.
"O PIB industrial brasileiro está muito baixo", lamentou Lula.
Sobre Bolsonaro, o presidente disse que, em função do que sofreu na justiça, desenvolveu uma forte convicção sobre o valor da presunção de inocência e a necessidade de se dar um julgamento imparcial e justo a todos, inclusive a seus adversários.
Mas disse acreditar que Bolsonaro irá pagar um preço alto por seus "erros", ressaltando que, em sua opinião, o pior crime do ex-presidente foi a maneira irresponsável com que tratou a pandemia, que matou 700 mil brasileiros, metade dos quais - lembrou Lula - poderiam ter sobrevivido caso o governo tivesse agido com mais seriedade.
"Ele negou a ciência!"
Lula também ironizou a recepção morna com que Bolsonaro foi recebido em sua volta ao Brasil.
"Agora que não tem ninguém para pagar a gasolina, não tem mais motociata".
O presidente também discorreu longamente sobre a guerra na Ucrânia, dizendo que este será um dos assuntos que deverá tratar com o presidente da China, Xi Jinping, a se realizar nos próximos dias. Lula disse que Celso Amorim se encontrou com Putin a seu pedido, e reiterou a posição diplomática do Brasil, de condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas de, ao mesmo tempo, defender uma solução pacífica e diplomática para o conflito.
Segundo Lula, não é preciso mexer na questão da Crimeia, que pode continuar sob domínio russo, mas que não faria sentido mexer em nenhuma outra porção territorial da Ucrânia. Por outro lado, defendeu a desmilitarização e a saída de tropas e bases da Otan da fronteira entre Ucrânia e Rússia.
"Putin não pode ter território novo na Ucrânia e Zelensky tem de recuar na questão da Otan".
A ideia de Lula é a criação de um grupo de países, incluindo China, Indonésia, o próprio Brasil, entre outros, para montar uma estratégia voltada a pôr fim à guerra.
O presidente falou da questão climática, e acrescentou um elemento novo ao debate. Ele disse que é preciso olhar o tema não apenas do ponto-de-vista da Amazônia, mas também para as periferias do Brasil, imensamente prejudicadas pela falta de saneamento, má gestão de lixo e poluição de rios.
"O debate climático precisa discutir a qualidade de vida nas periferias".
E reiterou a necessidade de combater o desmatamento.
"Uma árvore de 300 anos é um patrimônio de todo o país. Ninguém pode derrubá-la".
Lula lembrou, por fim, que o governo está investindo este ano, na infra-estrutura de transporte, aproximadamente R$ 23 bilhões, o que é mais - ressaltou o presidente - do que os R$ 21 bilhões que o governo Bolsonaro gastou em quatro anos de mandato.
O presidente Lula está otimista, e seu humor contagiou os jornalistas, ainda muito traumatizados pelo tratamento descortês e antidemocrático que recebiam do presidente anterior.
"Eu sempre tive sorte", brincou Lula, ao lembrar de que seus dois primeiros mandatos foram marcados pela disparada no preço das commodities. "E ainda tenho sorte, tanto que ganhei as eleições".
O presidente incluiu no rol de sua boa estrela a recente abundância de chuvas no país, que tem mantido os reservatórios cheios, afastando risco de escassez de água e falta de energia elétrica.