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Análise: Datafolha reforça necessidade de voto estratégico em Lula

Lula, enfim, goste-se ou não dele, é o cara. Apenas ele tem condições reais, objetivas, de vencer as eleições.

Pedro Sanchez e Lula.Pedro Sanchez, presidente da Espanha, e Lula, ex-presidente do Brasil, em encontro realizado em novembro de 2021. Créditos: Ricardo Stuckert
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O Datafolha publicou uma nova pesquisa hoje, que devemos interpretar com muita objetividade, em virtude da sua importância, considerando tanto a sua qualidade, como o seu impacto sobre a opinião pública. É a maior pesquisa presidencial feita até o momento, com 2.556 entrevistas presenciais realizadas entre os dias 22 a 23 de março. 

Segundo a nota fiscal apresentada ao TSE, a pesquisa custou R$ 473.780,00, pagos pela empresa Folha da Manhã, que administra o jornal Folha de São Paulo.

Como as pesquisas anteriores usaram cenários diferentes, o comparativo das intenções de voto estimulado não é aconselhável. Mas podemos, sim, comparar os números espontâneos. 

Lula segue na liderança isolada, com 30% de votos espontâneos, contra 23% de Bolsonaro; Ciro e Moro pontuaram 2% cada um. 

Esses números são muito parecidos aos mostrados em outras pesquisas presenciais: na última Quaest, por exemplo, com entrevistas feitas entre os dias 10 a 13 de março, o petista tinha 27% na espontânea, contra 19% de Bolsonaro, e 3% para todos os outros somados.

Na espontânea da CNT/MDA, também presencial, Lula tinha 32,8%, Bolsonaro 24,4%, Ciro 2,6% e Moro 2,1%. 

Os números espontâneos do Datafolha, portanto, estão alinhados com outras pesquisas e mostram um cenário de acomodação, não de mudança. Lula sempre oscila em torno de 30% das intenções espontâenas, Bolsonaro fica mais próximo de 20%. 

Na estimulada, a situação é a mesma. O Datafolha confirmou o cenário de acomodação que outras pesquisas já sinalizavam. Lula tem 43% no Datafolha, contra 26% de Bolsonaro, 8% de Moro e 6% de Ciro, no cenário expandido.

Na Quaest da semana passada, Lula tinha 44%, Bolsonaro 26%, Moro 7% e Ciro 7%. 

A pesquisa não é ruim para Lula, que continua na liderança isolada, tanto no primeiro como no segundo turno, e tanto na espontânea quanto na estimulada.  Ele caiu de dezembro para março, mas se considerarmos um pouco mais de cima, vemos uma candidatura se estabilizando em torno de 30% do eleitorado espontâneo.

Para Bolsonaro, a pesquisa é muito útil para afastar a tese de que ele estaria "morto". Não está. A propósito, a tese também é útil para Lula, por razões que vamos explicar mais adiante. 

Bolsonaro nunca esteve morto. Ele apenas desidratou alguns pontos, possivelmente em função da entrada de Sergio Moro, na pesquisa de dezembro. Mas ele tinha 26% de votos estimulados em setembro de 2021, e hoje continua em 26%. Voltou ao que era antes. 

Lula tinha 44% de votos estimulados em setembro, e hoje tem 43%. Igualmente voltou ao que era.

Segundo relatado pelo jornalista Bruno Boghossian, o crescimento de Bolsonaro nos últimos três meses foi puxado pelo voto de "classe média". Eu já me entusiasmei mais com esses dados segmentados, até descobrir que eles trazem margens de erro muito acentuadas, o que nos obriga a olhar com ceticismo e mesmo desconfiança para essas oscilações bruscas de uma pesquisa para outra. No próximo Datafolha, por exemplo, os números dessa classe média podem voltar ao que eram em setembro ou dezembro de 2021. 

Boghossian informa que, entre eleitores com renda familiar de 2 a 5 salários, Lula e Bolsonaro empatam hoje com 45% e 43%, respectivamente, na simulação de segundo turno. Em dezembro,  porém, o petista ganhava por 53% a 36%.  Aparentemente, temos um setor de classe média que está recuperando seu bom humor, após dois anos de pandemia devastadora, e isso beneficia o incumbente.

Por outro lado, essa classe média ainda vive, aparentemente, os últimos dias de euforia pós-Covid. A crise econômica gerada pelo aumento brutal no preço da cesta básica, dos combustíveis e dos juros, já atingiu os pobres, mas ainda não a classe média. Mas atingirá. 

Em verdade, a pesquisa é ruim mesmo para a terceira via. Ciro Gomes, por exemplo, tinha 9% em setembro de 2021, e hoje tem 6%. 

O PDT alimentava a expectativa de que o seu candidato chegaria próximo de 20% a essa altura da campanha. Sua única esperança, de substituir Bolsonaro e enfrentar Lula no segundo turno, sempre foi um sonho impossível. Mas agora ganhou um ar de ridículo. No Datafolha de dezembro, a distância de Ciro para Bolsonaro era de 15 pontos (22% X 7%), no cenário expandido. Agora é de 20 pontos.  

Para Moro, o cenário também é desolador, mas ao menos ele pode alimentar uma vaga esperança: de que algum grande escândalo político atinja Bolsonaro, abrindo espaço para que ele, Moro, herde o voto conservador.

De qualquer forma, a disputa, entre Moro e Ciro, por um longínquo terceiro lugar, tornou-se patética.

Há ainda um grave complicador para Ciro, que é o fato de que ele está alijado de todas as possíveis articulações das forças que compõem a chamada terceira via. Nem sempre foi assim. Houve um momento em que Ciro foi chamado para essas conversas, mas ele mesmo dinamitou as pontes. Há especulações intermitentes sobre uma possível união de esforços entre PSDB, União Brasil, MDB, e até mesmo o Podemos, para superar a "polarização". O candidato poderia ser Doria, Leite, Tebet ou Moro. Mas Ciro está descartado, em virtude do próprio voluntarismo de sua campanha, balisada num hipotético e inegociável "projeto", que, por sua vez, estaria resumido num livro de 276 páginas à venda na Amazon por R$ 26,90. 

Segundo a análise da Folha, após ter o espaço à esquerda bloqueado por Lula, o pedetista  "vem murchando paulatinamente por não atrair o centro e a centro-direita".

Sobre João Dória, sua performance é risível. No cenário 3, ele cai para 2%, perdendo até mesmo para o novato André Janones, que tem 3%.

Aliás, Janones é uma pequena e curiosa surpresa. Embora dificilmente possa fazer cócegas em Lula ou Bolsonaro, o deputado do Avante poderia avançar sobre os veteranos da terceira via e lhes causar o embaraço de ter mais votos que eles. 

Nos cenários de segundo turno do Datafolha, Lula continua dando uma surra em seus principais concorrentes. Num eventual (e provável) segundo turno com Bolsonaro, o petista venceria por 55% a 34%, 21 pontos de vantagem. Bolsonaro estreitou a diferença em relação a dezembro, mas os números não são muito diferentes do que tem sido ao longo das últimas cinco pesquisas. 

O Datafolha também joga por terra uma das narrativas que Ciro Gomes tenta vender aos antipetistas, de que somente ele, Ciro, teria condições de vencer Lula no segundo turno. Bolsonaro, por sua vez, seria o "melhor adversário" para Lula, porque o mais fácil de derrotar. Não é isso que o Datafolha mostra. Num eventual segundo turno, Lula venceria Ciro por  54% X 28%, ou seja, por 26 pontos de diferença.

Em 2018, o pedetista usou generosamente simulações de segundo turno que mostravam, para ele, um desempenho melhor que o de outros candidatos, num embate direto com Bolsonaro. 

Isso também não se reflete nessa pesquisa. Num segundo turno entre Ciro e Bolsonaro, o pedetista vence, mas com uma vantagem de apenas 9 pontos: 46% X 37%. Lembrando: Lula venceria Bolsonaro por 21 pontos de vantagem.

Conclusão

Esse Datafolha, publicado ainda antes do fechamento da janela partidária, num momento em que candidatos e partidos tem que tomar decisões difíceis e definitivas para a campanha eleitoral deste ano, tanto para a nacional como para as estaduais, aponta para um cenário de polarização fortemente cristalizado, e que, pelo jeito, não irá mudar. Bolsonaro não esvaziou. Ao contrário, está mais forte hoje do que há alguns meses. Lula segue na liderança:  é o candidato de oposição com mais votos, mais governadores, mais deputados, mais recursos de campanha, preferido pelos movimentos sociais, sindicatos e mídias progressistas, com mais prestígio internacional.

Lula, enfim, goste-se ou não dele, é o cara. Apenas ele tem condições reais, objetivas, de vencer as eleições.

Diante deste fato incontestável,  os eleitores de oposição ainda reticentes, espalhados por candidaturas de terceira via, se sentirão cada vez mais inclinados a votar estrategicamente em Lula, com o objetivo de enterrar politicamente, de uma vez por todas, esse fascista execrável e perigoso que ocupa a presidência da república.