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Primeira pesquisa Quaest pós-eleição mostra que Lula recuperou parte da classe média perdida em 2018

A razão pela qual é importante reconquistar a classe média é o papel hegemônico que esta desempenha na guerra de narrativas em que se converteu o debate político.

Multidão lotou a Cinelândia no RJ, no dia 7/7/22, para ver Lula. Créditos: Ricardo Stuckert
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Habemus pesquisa!

A Quaest divulgou hoje a sua primeira grande pesquisa de opinião, com dados bastante abrangentes, oferecendo uma generosa refeição aos analistas de política.

Temos aqui não apenas comida farta, mas sobretudo nutritiva, saudável, pois a pesquisa vem ancorada num poderoso controle: a votação do entrevistado no segundo turno das eleições presidenciais de outubro.

Insisto nesse ponto, que é fundamental, porque agrega valor científico ao trabalho. A Quaest entrevistou 2.005 brasileiros, "face a face", presencialmente. Desses entrevistados, 39% votaram em Lula no segundo turno, 37% em Bolsonaro e 24% se abstiveram ou votaram branco ou nulo.

Os números são parecidos com aqueles que emergiram das urnas, de modo que isso nos dá segurança de que, em pelo menos um aspecto, a amostra é representativa do eleitorado brasileiro.

É a isso que, em estatística, chamamos "controle".

E o que diz a pesquisa? Comecemos por um dado que nos parece fundamental, e que serve para diluir o conceito de "sociedade dividida". Segundo a Quaest, 93% dos entrevistados afirmaram torcer "para que Lula faça um bom governo".

Naturalmente, é preciso desconfiar muito da sinceridade com que se responde a uma pergunta dessa. E também considerar que a resposta negativa pressupõe uma postura antipática, quase autodestrutiva, pois uma coisa é estar pessimista quanto a qualidade da nova administração que se inicia em janeiro, e outra é torcer para que as coisas não dêem certo.

Mas essa é justamente a vantagem, digamos, estrutural de um presidente no cargo. Não estamos mais diante apenas do chefe político, da liderança partidária, do representante de uma parcela - mesmo que majoritária, como é o caso de quem vence uma eleição presidencial - da sociedade. O presidente da república experimenta uma metamorfose política profunda, pois se transforma no comandante máximo do Estado nacional, o piloto do avião, e qualquer movimento contra ele, mal ou bem, produzirá turbulências que afetarão a vida de todos.

Esse é o motivo, inconsciente ou não, do desespero dos apoiadores mais radicais de Bolsonaro, e das lágrimas incontidas do atual presidente. A partir de janeiro de 2023, Lula será também o presidente deles. Lula indicará ministros de Estado, mais uns dois ou três juízes do STF, dezenas de desembargadores, influenciará na escolha dos comandantes das forças armadas, determinará nossa diplomacia, e, sobretudo, será uma voz influente - para o dizer com modéstia - na definição dos rumos da nossa economia.

Voltemos, porém, para os dados da pesquisa referentes à votação no segundo turno. Os resultados gerais já os conhecemos, pois são públicos, divulgados pelo TSE. A Quaest, porém, nos oferece uma novidade, que é a segmentação por sexo, renda, religião e região.

A proximidade da eleição e a existência do controle nos autorizam a acreditar que estes são os números mais próximos da realidade de que dispomos, e serão extremamente úteis para a elaboração das estratégias políticas daqui para frente.

Por sexo, os resultados do segundo turno deram vitória para Lula no segundo turno, com quatro pontos de vantagem: 40% X 36%. Entre homens, por outro lado, Bolsonaro ficou à frente, com 38%, um ponto à frente de Lula, com 37%.

Os dados por escolaridade mostram que Lula venceu com folga entre eleitores de baixa instrução, com até o ensino fundamental, por 42% X 31%, ao passo que perdeu entre aqueles com ensino médio ou superior, incompleto e completo. Curiosamente, Lula foi melhor entre eleitores com ensino superior (completo ou incompleto) do que entre aqueles com ensino médio. Entre eleitores com ensino médio, Bolsonaro venceu com 6 pontos de vantagem, 41% X 35%, contra apenas 4 pontos de vantagem entre aqueles com ensino sueprior, 42% X 38%.

De qualquer forma, esses números reforçam a necessidade do governo investir pesado em estratégias de comunicação voltadas para o eleitor mais instruído.

Sempre bom enfatizar que fazer um bom governo, um governo conduzido com eficiência, transparência e bom senso, é o primeiro passo de uma boa estratégia de comunicação. Não basta, porém. Nessa guerra de memes, simulacros e aparências em que se converteu a política hoje, será preciso desenvolver estratégias de inteligência e comunicação muito sofisticadas, sem as quais o governo Lula dificilmente chegará inteiro ao fim do mandato.

Os números da Quaest indicam o caminho: é preciso reconquistar a classe média, aqui entendido sobretudo pelos setores mais instruídos da sociedade.

E a razão pela qual é importante reconquistar a classe média é o papel hegemônico que esta desempenha na guerra de narrativas em que se converteu o debate político contemporâneo. Lula apenas conseguiu vencer porque logrou dividir a classe média. O petista obteve apoio maciço dos setores mais progressistas da classe média, com ênfase entre jovens, artistas, intelectuais, cuja opinião reverberou fortemente nos estratos médios, reduzindo ou mesmo neutralizando a enorme rejeição que se cristalizou, neste meio, contra Lula, o PT e a esquerda de maneira geral.

Examinando os números da Quaest, está claro que Lula já conseguiu recuperar um naco importante da classe média perdida em 2018. Mas ainda não tem maioria neste segmento. E a esquerda apenas obterá hegemonia moral na sociedade, e estabilidade política no governo, quando ampliar o seu prestígio na classe média.

Entre famílias com renda de 2 a 5 salários, Lula recebeu 38% dos votos, quase empatado com os 40% de Bolsonaro. E teve 31% entre aquelas com renda acima de 4 salários, contra 49% para Bolsonaro.

Não estamos falando aqui de pessoas ricas. Esses estratos médios da sociedade são compostos, em sua ampla maioria, de trabalhadores cuja renda lhes permite apenas viver com dignidade, sem grandes luxos. A parcela de ricos no Brasil não passa de 1%. Entretanto, mesmo sem luxo, a classe média brasileira detêm enorme poder político, pois domina praticamente todos os cargos de responsabilidade no setor público e privado. Se Lula perder os setores de classe média que conseguiu reconquistar nessa eleição, terá imensa dificuldade para enfrentar a oposição da direita radical que nasceu junto com o bolsonarismo.

Note que o percentual de abstenção entre famílias de baixa renda foi bastante superior àquele registrado entre as mais abastadas.

Entre eleitores com renda familiar até 2 salários, a abstenção ou voto nulo chegou a 29%, contra 22% entre aqueles com renda de 2 a 5 salários e 20% entre os que ganham mais de 5 salários. Isso explicaria também o resultado apertado no segundo turno. Como Bolsonaro tem mais votos entre eleitores de maior renda, a menor abstenção deste segmento lhe beneficiou. Como as pesquisas tem dificuldade para apurar o percentual de abstenção, mais uma vez ficou claro que os candidatos mais dependentes do eleitor de baixa renda são aqueles que experimentam mais quebra entre o percentual de intenção de votos registrado nas sondagens pré-eleitorais e a quantidade concreta de votos que emerge das urnas.

O problema da abstenção, portanto, existiu em 2022, mas era localizado: entre os mais pobres. A mobilização para que houvesse passe livre, no dia da eleição do segundo turno, no maior número possível de cidades, portanto, foi fundamental para a derrota da extrema-direita de Jair Bolsonaro.

A íntegra da pesquisa pode ser baixada aqui.