Ayrton Senna morreu jovem, aos 34 anos. Perdeu o controle do carro que estava a 200 por hora e bateu em um muro em Ímola. Morreu na pista ou no hospital? Na verdade, morreu na sala de almoço da família brasileira que o adotava como filho ou irmão. Todos juntos, esperando uma recuperação da Williams - a parceria, ao contrário dos tempos da McLaren não ia bem -, esperando o almoço e de repente a sensação de orfandade tomou conta do país. Seu maior ídolo - arrisco dizer que nem Pelé foi tão amado - partia.
Morreu no dia do Trabalhador, um Primeiro de Maio, há 30 anos. Há uma simbologia aí. O Primeiro de Maio não devia ter significado algum para ele, mas é indiscutível que Senna era um trabalhador obsessivo. Os ajustes no carro, os treinos, as poles, as corridas. E o fruto de seu trabalho deixava os brasileiros em felicidade enorme. O combo acordar cedo, lavar o carro e vibrar com Galvão Bueno gritando Ayrton Senna do Brasiiiiillll era o suficiente para um dia feliz.
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Eu nunca fui fã de Senna. Por vários motivos: nunca fui fã de F-1, que nem considero esporte. Basta ver Lewis Hamilton, que ganhava tudo e agora, com outro carro, nada ganha. Não sei dirigir e não entendo as manobras do carro e, devo confessar, tenho em mim o bichinho do contra. Nada me incomoda mais do que unanimidades nacionais. E, se Ayrton Senna piloto não me agradava - nenhum agrada - o que dizer do Senna, um cidadão de direita.
Então, não foi um ídolo meu que partiu há 30 anos. Mas, o que vi, trabalhando na cobertura foi algo impensável. Naquele domingo à tarde, trabalharia no jogo São Paulo x Palmeiras, no Morumbi. Jogo de duas torcidas, algo que vai ficando no passado. E as duas, unidas, gritando o nome de Ayrton Senna. E nos dias seguintes, as cenas de angústia e tristeza de brasileiros comuns me tocaram profundamente. No dia do enterro, a cidade de São Paulo parou, como na morte de Tancredo Neves, nove anos antes.
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Pode-se dizer que há um fio unindo os dois momentos. Com Tancredo, eleito pelo Congresso, depois do fracasso das Diretas, o Brasil apontava para um futuro de reconciliação, com o povo podendo escolher seu destino, longe da tutela sanguinária dos militares. Foi um baque profundo. Ayrton era a personificação do novo Brasil, já com FHC eleito pelo voto popular e com moeda estabilizada. Tancredo era a personificação do fim dos tempos de chumbo, era o que o Brasil poderia ser, Ayrton era o símbolo do fim da travessia. O Brasil, que seria feliz com Tancredo, era feliz com Senna. Mesmo que essas coisas de Democracia e participação popular não ocupassem um micromilionésimo do tempo de Senna.