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Em 1808 a família real portuguesa desembarcou no Rio de Janeiro fugindo do cerco de Napoleão na Europa. A corte acompanhou D. João VI na travessia do Oceano. Uma questão prática de política pública de habitação: onde acomodar os nobres? A prepotência real foi sentida pelos nativos. A inscrição das letras PR nas portas significava que os proprietários das residências "premiadas" estavam despejados. Casas confiscadas pelo Príncipe Regente para acomodar a corte portuguesa. Os brasileiros invadidos perderam a casa, mas não perderam a piada: o PR não eram as iniciais de Príncipe Regente, mas de Ponha na Rua. O tão basilar direito à propriedade só foi reconhecido na Primeira Constituição, em 1824.
Diante do golpe e seus desdobramentos não são poucos aqueles e aquelas que caíram na apatia cínica. Os violadores se mostram tão unidos e poderosos, os violados se comportam como cúmplices, daí os que estão na luta pensam na resignação precoce julgando que não há como resistir.
A história do Brasil é marcada pela união das elites e resignação das massas. Esporadicamente aparecem núcleos de resistência que simplesmente não aceitam as injustiças para acomodar interesses abomináveis. Precisamos ficar fortes para resistir ao mal.
Aprendi o poema do Paulo Leminski no auge do meu idealismo juvenil. Recortei e colei na agenda. O papel ficou bem amarelado, mas o Leminski ganhou cores novas recentemente:
eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois.
Monja Coen compartilhou uma história linda. Segundo ela, Dom Hélder Câmara acordou de madrugada com os ruídos que vinham da cozinha paroquial. Resolveu descer e verificar. Deu de cara com um ladrão. Sem assombro disse: “Ah! Assim como eu, você tem fome durante a noite. Vamos fazer uma omelete”. Sentaram à mesa e o que era para causar espanto tornou-se acolhimento. Após comerem juntos, Dom Hélder providenciou uma bolsa com alimentos. Dizem que o homem reencontrou a dignidade perdida e teve Dom Hélder como inspiração e referência.
Os golpistas da hora terão nos vencido se cairmos na apatia cínica e assumirmos o individualismo como ideal. Neste caso, desde que estejamos abrigados, dane-se!
Hoje eu acordei com uma baita vontade de ser uma pessoa melhor. Acolhimento como projeto de vida. Atento e forte, musicar os versos do Leminski com gestos fraternos. Ainda quero “ser um poeta social com rosto queimado pelo hálito das multidões”. Vamos juntos!
Valdemar Figueredo Filho
Twitter: @ValdemarDema2
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