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Município de Curralinho entre os dias 17 e 23 de abril de 2014. Rio Canaticu.
Vi um cemitério entre as folhagens exuberantes. Um pequeno espaço com lápides modestas. No mais, tudo igual. Geometricamente estacas magras em forma de cruz. Modestamente lindo o terreno da morte. Tudo a céu aberto. Indaguei a um nativo como ocorre o processo burocrático dos enterros. Fazem algum registro? Resposta: Só anotam os mortos que tiveram certidão de nascimento. Ironia do nosso Brasil profundo. Os defuntos que não tiveram registro de vida não precisam de certidão de morte. Nada de lápides com fotografias nem de data de nascimento e de morte.
O Estado não os notou. Jamais foram contados nas estatísticas do IBGE. Não sentaram nos bancos escolares. Quantos dos sufrágios não votaram. Cidadania? Ironia? Crianças e "velhos" sem nome. Mas tiveram direito a um pedacinho de terra naquele brejo da cruz.
Os programas sociais dos governos destinados às populações de baixa renda. Acentuadas acusações de que tais programas atuam como clientelismo. Bolsas de bondades seriam pagas pelos votos dos "miseráveis ignorantes". Para aqueles que andam assustados com os votos interessados dos beneficiários da bolsa família e seus correspondentes, calma. Os mortos não votam. Os que não existem para o Estado, sem inscrição de nascimento e sem registro de vida, também não têm título de eleitor. Miséria ribeirinha não tem "rosto" nem peso eleitoral.
Ocorreu-me perguntar pelos ritos e sacramentos administrados pelos seguimentos cristãos. Será que o humilde "cidadão" de pé no chão foi notado na comunidade de fé? Nasceu? Casou? Morreu? Ou seja, o clero lhes estendeu a comunhão?
Exatamente no dia em que redijo este artigo (04/05/2014) tomo conhecimento que Dom Tomás Balduíno morreu há dois dias. Referência para aqueles que fazem do Evangelho mensagem de libertação. Criador da Pastoral da Terra, defensor da reforma agrária. O bispo dominicano combateu o trabalho escravo no campo e lutou pelas causas dos índios brasileiros.
O Brasil é predominantemente cristão. A mensagem de Dom Tomás Balduíno deve repercutir para não fazermos do discurso da maioria pressão social que se transforma em opressão em nome da fé. O bispo dos excluídos estranhou o familiar e se familiarizou com o exótico. Termo bíblico que fala desse movimento pessoal: encarnação.
Suposta oração de um apaixonado pelos povos da selva: quando eu morrer enterre o meu coração à beira do rio, de preferência do Rio Canaticu, na Ilha do Marajó, no Estado do Pará.