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Hoje tirei o dia pra ver filmes brasileiros. Assisti Elena e Somos tão Jovens. Ambos já estavam na minha lista há algum tempo. Elena porque muitos amigos haviam elogiado. Somos tão Jovens porque vivi intensamente aquela cena do Legiões Urbanas e de outras boas bandas de Brasília.
Os amigos tinham razão. Elena é um filme bom e mito bem dirigido. Denso, poético e triste. Um profundo acerto de contas da diretora Petra Costa com a perda de sua irmã.
Recordo-me dessa história mesmo tendo-a vivido pelas bordas. Já morava em São Paulo, mas precisamente em Pinheiros, onde a mãe de Elena, a Marília Andrade, dirigia com seu irmão, Flávio Andrade, um jornal que fez época, o Gazeta de Pinheiros.
Era um jornal de bairro produzido por excelentes jornalistas que não tinham espaço na mídia tradicional. Quase todos pelo mesmo motivo, eram de esquerda. Sempre foi assim. Em jornalismo não basta ser bom. Mutias vezes é preciso dançar o jogo ideológico dos donos dos veículos.
Lembro-me que essa história triste do suicídio de Elena aconteceu logo depois da primeira eleição presidencial para presidente da República, em 1989, quando muitos sonhamos e trabalhamos de forma militante pela eleição de Lula. E Lula perdeu.
Uma derrota tem sempre muitas explicações. Mas dois fatos influenciaram bastante aquele resultado. O primeiro, o depoimento de Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, que disse ter sido estimulada por ele a abortar de Lurian, à época uma menina com 15 anos. Aquilo caiu como uma bomba na eleição. Recordo-me que na noite em que o escândalo veio a público não assisti ao horário eleitoral. E também não assisti TV. No dia seguinte acordei cedo e peguei o trem pra ir trabalhar na Editora Globo. Sim, eu trabalhava na Editora Globo naquele período. No trem, não se falava em outra coisa. Só naquilo. Lula teria tentado abortar a filha. Era um canalha.
Na campanha de Lula, uma boa parte da direção política e do marketing defendia que ele aparecesse na TV com Lurian e que ela defendesse o pai. Lurian se dispunha a fazer isso. Mas Lula não permitiu que a ideia avançasse. Preferiu peitar a história sozinho.
O segundo fato, foi consequência do primeiro. Lula foi ao debate da Globo profundamente irritado com Collor. Ao chegar já foi avisando que não sairia da sua bancada para cumprimentar o adversário. E fez um debate ruim, certamente influenciado pelo que havia ocorrido. E a TV Globo aproveitou a atuação pouco convincente do ex-operário para apresentar uma edição no Jornal Nacional onde ele era massacrado pelo rival. Se o jogo havia sido 2 a 1 para Collor ou mesmo um 1 a 1, na edição da Globo se tornou 11 a 0. As duas porradas deram resultado e Collor ganhou a eleição.
Enfim, esse era o contexto político do país de Elena, a personagem principal do filme de Petra Costra. Era um contexto onde os meios de comunicação tinham feito de tudo para derrotar um projeto político mais à esquerda. Era um contexto político não muito distinto dos dias atuais, onde tudo era permitido nos grandes meios para derrotar Lula e o PT.
Mas uma coisa me tocou naqueles dias. Eu sabia do suicídio de Elena quando li nos jornais a notícia enviesada e sacana de que Marília Andrade tinha levado Lurian, filha de Lula, para passar uns tempos com ela em Paris. Havia um fato real, a filha do ex-operário de fato viajara com a filha de um grande empreiteiro. Mas a história também tinha um contexto, que era totalmente abafado pra que a narrativa midiática ganhasse contornos de escândalo.
A partir de um fato real, somam-se episódios soltos, às vezes também reais, mas que nada tem a ver com o fato principal. Com a somatória, chega-se a uma narrativa. Pra ser boa, ela tem que ter mistérios e suspeitos. Quem acusa, em geral, diz que não precisa provar nada. Quem é suspeito é que deve demonstrar inocência.
Um escândalo fabricado não precisa de provas. Ele precisa de suspeitos. Assistir Elena também me fez lembrar disso. Mas Elena é muito mais do que isso. Se não assistiu, vale a pena.