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Tenho me lembrado direto do Barão de Itararé. Ele gostava da ciência, mas lamentava o uso que faziam dela. Por exemplo: o avião, que Santos Dumont inventou “para mandar cartões postais para as namoradas com maior rapidez”, acabou sendo usado na guerra; e a televisão, “maior maravilha da ciência” estava “a serviço da imbecilidade humana”.
As duas coisas – avião e televisão – podem hoje, a meu ver, ser substituídas por uma só: a internet. Ela própria não é ruim, mas o uso que fazem dela, especialmente nas tais de “mídias sociais”, e principalmente (pelo que ouço, pois não uso) o facebook. Maravilha da ciência, conforme diria o Barão, é pessimamente usado.
Como o avião teria sido inventado, que segundo o Barão, para mandar cartões postais para as namoradas com maior rapidez, o facebook se transformou em um instrumento de guerra. Nele, que poderia ser simplesmente um meio maravilhoso de comunicação, muita gente tem se revelado odienta, raivosa, hidrófoba. Mais que a televisão, poderia ser citada hoje pelo Barão como “maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana”.
Eu diria que certas coisas da internet até têm um lado democrático: deram voz aos covardes, que, a salvo em seus refúgios, se transformam em corajosos e valentes a serviço de uma ideia qualquer ou mesmo de uma falta de qualquer ideia. Pensava que esta conclusão era só minha, mas soube que Umberto Eco, com milhares de condições a mais do que eu para opinar sobre isso, dizia que a internet deu voz aos imbecis. Não quer dizer, claro, que todos que usam a internet são imbecis, só que os imbecis se aproveitam dela. Esclareço isso porque do jeito que as coisas estão, com gente que não entende o que lê, alguns podem julgar que estou ofendendo todo mundo que usa a internet (e estaria eu mesmo me ofendendo, pois uso também).
Acredito que ela, e o facebook em especial, tenha a ver com a radicalização (ou imbecilização) das pessoas em tudo quanto é assunto. Política, nem se fala. Mas é em tudo. Parece que ninguém mais suporta alguém que tenha qualquer opinião ou gosto diferente.
Santos Dumont, segundo consta, entrou em depressão quando sua invenção o avião foi utilizado para bombardear São Paulo, durante a Revolução de 32, e acabou se suicidando. Culpa dele? Não, como não é culpa do inventor da internet o uso que fazem dela. Mas se o inventor do facebook se informar do uso que fazem dele no Brasil, sim, teria motivos para entrar em depressão.
O clima de ódio se extravasa, se amplia, se radicaliza com seu uso. Até brigas de torcidas de futebol, essa imbecilidade, ganhou força recentemente. No último domingo, brigas entre torcidas do Palmeiras e do Corinthians deixaram muitos feridos, um morto e a circulação de metrô prejudicada. Algo a ver com a internet? Dirão que não. Mas tem a ver com o clima geral de ódio em que o facebook tem papel importante. E as armadilhas contra rivais são combinadas pela internet.
Agressões (por enquanto verbais) e ameaças motivadas por posições políticas ou opinião são cada vez mais comuns. Mas isso não vale só para política, pode ser por outro motivo qualquer. Aliás, aí entra o uso do facebook de novo. Um amigo comentou numa academia de ginástica que tinha se emocionado com o filme biográfico sobre Chico Buarque e foi quase excomungado por uma moça de nível universitário, com quem sempre conversava amigavelmente, que falou cheia de ódio: “Vi no facebook que não é para ninguém assistir a esse filme”. Pode?! Gente que se diz bem formada e informada obedecendo a gurus fundamentalistas que dão suas ordens pelo facebook!
Escrevendo sobre música (no meu blog – repito: não uso o facebook), disse uma vez que não gosto de sertanejo universitário. Tive respostas normais, concordando ou discordando, mas também xingamentos aos montes. Outra vez, brinquei com o nome da provável futura herdeira do trono britânico, Charlotte Elizabeth Diana, e mesma coisa!
Já prevejo coisas como pessoas discutindo sobre comida, um falar “gosto de dobradinha”, o outro responder: “Seu canalha! Onde já se viu gostar de dobradinha? Vou lhe encher de porrada”. E partir para ação. Ou então numa conversa sobre roteiro turístico alguém dizer que não gosta de praia e ser interpelado assim: “Sempre desconfiei que você é um filho da puta. Vai passar férias na puta que o pariu. Merece morrer!” – e não duvido que mate o sujeito de tão “mau-gosto” por isso.
Para terminar, lembro de um precedente de uns tempos em que não havia internet e a televisão não era tão poderosa quando isso aconteceu. Não chegava a muitas cidades do interior. Me contaram que isso se passou em Taubaté, há muitos anos.
Um aposentado frequentava a sapataria de um velho amigo, sentava-se diante do sujeito consertando sapatos e discutiam todo tipo de assunto. Um dia, sei lá qual era o tema em debate, o sapateiro batia pregos colocando uma meia sola num sapato e argumentou contra o que o amigo aposentado dizia.
O aposentado respondeu: “Isso não obsta”.
O sapateiro fez cara de espanto e parou o martelo no ar. Olhou feio para o amigo (ou ex-amigo) e falou furioso: “Obsta? Obsta?”. Deu uma martelada na cabeça dele que o mandou para o pronto socorro em estado grave. Onde já se viu falar uma palavra tão feia?