Em 2005, quando estourou o escândalo do “Mensalão”, a revista Caminhos da Terra me pediu uma matéria grande sobre a corrupção no Brasil, desde suas origens. Pesquisei bastante e fiz. Acredito que, pela situação em que o Brasil vive no momento, vale publicá-la novamente, neste blog. Não é para “justificar” o que acontece agora. É injustificável. Talvez sirva para explicar um pouco.
A matéria foi publicada com o título “500 anos de corrupção”. Na verdade, eram 505, pois tudo começou no ano de 1500. Em 2015, completam-se então 515 anos.
Obviamente, ela não inclui o que aconteceu depois de 2005. A corrupção não deixou de acontecer, nos níveis federal, estadual e municipal, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (este, por enquanto intocável! Faz o que quer), nas empresas, na polícia, nas mais variadas instituições e também na vida cotidiana de uma grande parte da população. Pequenos corruptos fazem pose de indignados, mas se tivessem oportunidade...
A corrupção “pós-mensalão” está ainda fresca na cabeça de quem quer ter memória. E vai continuar existindo, não há como duvidar. Mas nos dias de hoje há uma novidade, que espero valer daqui pra frente para políticos de todos os partidos, empresários, banqueiros, empreiteiros, seja quem for: a história, citada na matéria, de que no Brasil cadeia é só para os “três P – pobres, pretos e putas”, está um pouco abalada.
Aí vai o texto, lembrando que para publicar na revista ele foi editado e – isso é normal – um pouco modificado pelos editores. Alguns trechos caíram, acredito que por falta de espaço. Aqui, vai do jeito que fiz.
“Foi pra isso que fizemos a revolução?”
Esta frase foi pronunciada em tom de desencanto por muitos militares, quando começaram a pipocar casos de corrupção envolvendo gente da cúpula do governo, nos anos 1970 e 80. Os decepcionados eram aqueles que acreditaram que em 1964 houve mesmo uma revolução e que ela veio não apenas para espantar o “fantasma do comunismo”, mas também para acabar com a corrupção.
Sentimento semelhante vem agora de gente que entrou na política justamente combatendo tanto a ditadura quanto a corrupção, militantes que se dedicaram por mais de vinte anos ao PT, até conseguir colocar um ex-operário na presidência da República.
Ninguém duvida que a corrupção não é novidade, pois muitos (talvez a maioria) dos ocupantes de altos cargos políticos – nos governos federal, estaduais e municipais – saem desses cargos bem mais ricos do que entraram. Isso é tão comum que pareceu algo inusitado a volta de Olívio Dutra ao emprego de bancário, quando terminou seu mandato de prefeito de Porto Alegre, em 1987. Algo realmente incomum num país em que boa parte dos eleitores aceita e até louva político que “rouba mas faz”, em que historicamente a corrupção faz parte do cotidiano público e privado, onde sonegação de impostos por empresas é quase obrigação, e onde até a igreja chegou a contrabandear usando santos ocos cheios de ouro e pedras preciosas.
A novidade do que acontece agora é que no foco da crise está o partido que elegeu como bandeira principal o combate à corrupção, que era aceito até pelos opositores como inatacável neste sentido.
Os danos da crise atual são muito grandes, pois em grande parcela dos decepcionados cria-se a sensação de que o Brasil não tem jeito, que todos os políticos são iguais – o que é festejado pelos corruptos de outros partidos – e que não vale a pena se envolver com política. Ou pior: que o Brasil precisaria de um regime duro, até mesmo uma ditadura, coisa que já foi experimentada e não deu certo, pois em vez de acabar com a corrupção impediu-se apenas que ela fosse noticiada, sufocando a imprensa.
Só no Brasil?
Uma das conclusões falsas que até parte da mídia abraça é que a corrupção é um fenômeno típico brasileiro. Não é. Ela existe desde muito antes do descobrimento do Brasil. Sempre esteve presente em todos os grupos e em todas as nações, não é um fenômeno exclusivo de uma sociedade ou de um momento de seu desenvolvimento, mas as práticas são diferentes em cada país.
Uma prova de que ela não é exclusiva do Brasil é um ranking divulgado pela ONG Transparência Internacional, em outubro de 2004, que traz uma espécie de ranking da corrupção de 146 países pesquisados. A lista começa pelos países menos corruptos e caminha progressivamente para os mais corruptos, e o Brasil aparece em 59º lugar. Nos primeiros lugares estão países com alto grau de desenvolvimento humano e distribuição de renda mais equilibrada. A Finlândia encabeça a lista, como país menos corrupto. Nos últimos lugares estão países subdesenvolvidos e com péssima distribuição de renda, como Haiti e Bangladesh, os mais corruptos.
Fica claro também que o subdesenvolvimento é um fator de aumento da corrupção. Países subdesenvolvidos, além do tradicional abuso de poder e outros quesitos, têm fatores institucionais que favorecem a corrupção, como o excesso de regulamentações. A profusão de leis dá oportunidade para o surgimento de pessoas “espertas” que se tornam especialistas em decifrá-las e intermediar processos e ações. São pessoas que, na linguagem popular, conhecem o caminho das pedras, sabem quem decide e como manipular as decisões. Esse emaranhado de leis, muito apreciado por certos políticos, traz um embutido um velho ditado popular: criar dificuldades para vender facilidades.
Início viciado
Muita gente acredita que um fator determinante na criação de uma mentalidade que favoreceria a corrupção no Brasil é o emprego de degredados na colonização. Eram pessoas que cometeram crimes em Portugal e foram condenados a cumprir suas penas aqui, forma utilizada para povoar com portugueses o Brasil e outras colônias portuguesas. De fato, só com Tomé de Souza, primeiro governador geral do Brasil, vieram quatrocentos degredados.
Mas, embora Duarte Coelho, dono da capitania de Pernambuco, dissesse que eles eram o veneno da terra, que com eles só a forca resolvia, muitos historiadores discordam da periculosidade dos degredados, já que, dado o interesse em mandar muita gente para cá, qualquer pequeno delito era motivo para o degredo. Cerca de duzentos delitos eram punidos com o degredo. Até adúlteros e alcoviteiros eram degredados. O título de um livro do historiador Geraldo Pieroni já mostra os degredados não eram “bandidos”: Vadios e ciganos, heréticos e bruxas: os degredados do Brasil-Colônia. Nele, o autor afirma que o “nascimento do nosso país” se deveu a esses degredados por delitos de ordem religiosa ou moral.
Eduardo Bueno, jornalista e pesquisador da nossa História, autor de vários livros sobre o descobrimento e a colonização do Brasil, insistindo em ressalvar que é preciso tomar cuidado com generalizações, afirma que o problema “não está no degredado e sim nos que tinham o poder de enviar degredados para o Brasil”. Segundo afirma, a corrupção do Brasil começou mesmo antes do descobrimento, já que nos impérios português e espanhol – chamados “impérios papeleiros” por causa da burocracia que criava um amontoado de leis que geravam uma gigantesca estrutura paralela, à margem do poder central – havia um núcleo de corrupção muito grande, de desvio de verbas, negociatas e dribles na justiça. Nessa burocracia e nesse tipo de “império papeleiro”, para Bueno, está o germe do sistema corrupto que persistiu e persiste.
Hoje é comum dizer que no Brasil cadeia é só para os “três Pês” (pobres, pretos e putas), referindo-se à impunidade dos ricos, e isso é uma herança também dessa tradição ibérica em que aos cavaleiros – ou seja os ricos que tinham cavalos, contrapondo-se aos peões, que andavam a pé – ficavam por lei isentos das chamadas “penas vis”, não podiam ser espancados, amarrados em pelourinhos ou condenados à morte. Isso, fora a venalidade da justiça e o tráfico de influências.
A carta de Pero Vaz de Caminha, que saiu do Brasil em 1º de maio de 1500, depois de dar a boa nova da descoberta, ou “achamento”, do Brasil, trazia em seu final um exemplo dessa tradição. Nela, Caminha aproveita a ocasião para pedir a volta a Portugal de seu genro degredado em São Tomé, na África, por ter roubado uma igreja e espancado o padre.
E já na fundação da nossa primeira capital, há um exemplo claro de corrupção, com superfaturameno na construção de Salvador, por empreiteiras, entre 1549 e 1556.
E os holandeses? Apesar do príncipe Maurício de Nassau ser um homem culto e ter trazido cientistas e artistas para Pernambuco, com ele vieram também, como colonizadores, pessoas que não ficavam atrás dos degredados portugueses. Aliás, teve origem na Holanda a história de que não existe pecado ao sul do equador. Aqui valia tudo.
Tempos imperiais
Tradição pré-descobrimento, a corrupção continuou aqui com a chegada família real portuguesa, inculta e grossa, em 1808. Dom João VI é tratado pelos historiadores como sujo e balofo, grosseiro no trato com as pessoas. No tempo em que esteve no Brasil, de 1808 a 1821, a corrupção se alastrou consideravelmente.
Dom Pedro I, seu substituto, era mais estadista, mas, além da queda pela vida mundana, tinha na conta de seus amigos pessoas muito pouco recomendáveis, que assumiram posições importantes no Império. Entre eles o famoso Chalaça, apelido do português Francisco Gomes da Silva, considerado o homem mais poderoso do período. Companheiro de farras de Dom Pedro, ele nomeava e demitia quem queria.
Em seguida veio Dom Pedro II, um homem culto, mecenas, poliglota, apreciador das artes e da ciência... mas sem nenhuma aptidão para governar. Ficava enfastiado com as coisas do Estado. Com isso, fazia vistas grossas para os desmandos e a corrupção, inclusive a corrupção eleitoral. Por isso era chamado de Pedro Banana. Seu reinado era repleto de festas, que aconteciam como se o país estivesse às mil maravilhas.
Depois de 1884, seu governo foi ficando insustentável, por causa da chamada “Questão Militar”, que teve como estopim a descoberta de corrupção num destacamento do Exército no Piauí. Só se falava em corrupção e crise, mas mesmo assim ele ficava alheio a tudo. No dia 9 de novembro de 1889, ofereceu uma grande festa para os oficiais de um navio chileno, com três mil convites disputados pela elite do Rio. Champagne, camarão e muito luxo, como se não houvesse crise. Esta festa, conhecida como baile da Ilha Fiscal, foi considerada o canto do cisne do Império, que caiu menos de uma semana depois, no dia 15.
E veio a República
Com a República não mudou muito, a corrupção continuou, tanto que as mudanças radicais de governos sempre tiveram entre as causas motivadoras – pelo menos nos discursos – o combate à corrupção. Isso ocorreu, por exemplo, em 1930 e 1964. Sem contar que desde o governo Jânio Quadros, que foi eleito tendo como símbolo uma vassoura, que seria usada para “varrer” os corruptos do governo anterior, quase todos que ocuparam o poder pela via eleitoral falavam em combate à corrupção do seu antecessor. Fernando Collor de Mello combateria a corrupção de José Sarney, Fernando Henrique Cardoso combateria corrupções anteriores e Lula viria acabar com a corrupção do período FHC.
Nem tudo, porém, foi inútil. Um caso exemplar foi o impeachment de Fernando Collor, em 1992. Mas a imprensa, que colaborou bastante para esclarecer alguns casos, vitimada pelo denuncismo, cometeu pecados indesculpáveis, como foi o caso do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que presidiu a Câmara dos Deputados na época da cassação de Collor e depois foi cassado também, por terem sido encontrados em sua conta um milhão de dólares, segundo a revista Veja. Só que a matéria tinha um erro: muitos anos depois foi descoberto que no dinheiro de sua conta o repórter pôs três zeros a mais. Na realidade, ele tinha mil dólares.
Mas se a imprensa comete erros, pior é quando ela não existe. Não há informação. Até o início do século XIX não tivemos nenhum jornal. O primeiro jornal brasileiro nem surgiu aqui, foi em Londres, já que a imprensa era proibida no Brasil. O Correio Braziliense, criado por Hipólito da Costa, começou a circular em 1º de junho de 1808 e tinha entre seus propósitos denunciar a corrupção.
O primeiro jornal impresso no Brasil veio pouco depois disso, em setembro de 1808. Era A Gazeta do Rio de Janeiro, que já nasceu sob censura. Dois anos depois uma carta régia autorizava o funcionamento de uma tipografia em Salvador, mas com censura do governador e do arcebispo!
A censura foi praticada até com muita violência, também, durante o Estado Novo (1937-45) e a ditadura iniciada em 1964 e este é um motivo por que a corrupção parecia menor.
Já próximo ao final da ditadura, em 1981, havia muitas denúncias de corrupção e chegou a ser criada uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar denúncias como o chamado “escândalo Lutfalla”, de tráfico de influência de Paulo Maluf para a concessão de altos empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, atual BNDES) a empresas da família Lutfalla, à qual pertence Sylvia Maluf, esposa do ex-governador, em estado pré-falimentar. Mas o partido do governo – o PDS – era majoritário e a CPI foi abortada. Em 2001, outra CPI também deveria apurar a corrupção, com 16 pontos a serem investigados, entre os quais o tráfico de influência, contribuições eleitorais irregulares, fraudes na concessão de incentivos fiscais e caixa 2 nas campanhas eleitorais, mas o presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu convencer vinte parlamentares a retirarem suas assinaturas do pedido de CPI e ela não foi instalada.
Há também momentos de cumplicidade da mídia com o poder, como no processo de privatização, quando, por exemplo, a Companhia Vale do Rio Doce foi avaliada inicialmente em 120 bilhões de dólares e acabou vendida por 3,2 milhões e a mídia apoiou ou calou.
Algumas histórias de corrupção no Brasil
O governador e seu engenho
Em 1597, o governador geral do Brasil era Dom Francisco de Sousa, apelidado Francisco das Manhas. E pelo jeito, era mesmo manhoso: ele foi acusado de desviar dinheiro público para o seu engenho. Mas foi mantido no cargo.
Nassau e a classe dominante
Ordenança de Maurício de Nassau a seus sucessores, durante a ocupação holandesa: “Convém que VV. SS. procurem angariar e manter, por meio de favores e de dinheiro, alguns portugueses particularmente dispostos e dedicados para com VV. SS., dos quais possam vir a saber em segredo os preparativos do inimigo (...). Esses portugueses devem ser os mais importantes e honrados da terra, e lhes será recomendado que, exteriormente, se mostrem como se fossem dos mais desafetos aos holandeses”.
Traidor premiado
Os cofres públicos já foram também usados para premiar delatores. Um exemplo é Joaquim Silvério do Reis, que denunciou a Inconfidência Mineira. Ele era conhecido como mau pagador em Ouro Preto, estava cheio de dívidas, e depois da delação ficou tão malvisto que temia ser assassinado. O governo resolveu o problema dele, que fugiu dos credores e dos que o odiavam pela traição, indo para uma fazenda que recebeu de graça, no Piauí, presente governamental. E para não correr risco de notícias dele chegarem aos desafetos, seu sobrenome foi mudado para Montenegro.
Limpando os cofres
O Banco do Brasil foi fundado e refundado várias vezes. A primeira delas foi em 1808, por Dom João VI, depois da sua chegada ao Rio de Janeiro, fugindo das tropas de Napoleão que invadiram Portugal. Ao voltar para Portugal, em 1821, Dom João VI pegou todo o dinheiro depositado no banco. Levou tudo!
O ministro honesto
Em 1831, depois da abdicação de Dom Pedro I em favor de seu filho, Pedro II, o ex-imperador seguiu para a Europa no navio Warspite. Com ele, o fiel Marquês de Paranaguá, antigo ministro da Guerra.
Paranaguá estava apreensivo, pois teria que viver com uma pequena aposentadoria que tinha em Portugal, não fez fortuna no governo. A bordo do Warspite, ele recorreu a Dom Pedro em busca de uma solução para seu problema e ouviu o seguinte do ex-imperador: “Faça o que quiser, não é da minha conta. Por que não roubou, como Barbacena?”. Barbacena, no caso era o ex-ministro da Fazenda, Visconde de Barbacena.
Caudilhos corruptos
No Rio Grande do Sul são famosos os caudilhos que combateram argentinos e uruguaios, com exércitos próprios e às vezes guerreavam entre si. Mas entre os caudilhos também havia corruptos. Na Guerra do Paraguai, por exemplo, suas tropas foram contratadas pelo governo brasileiro, para defenderem as fronteiras brasileiras. Mas quando as tropas brasileiras chegaram a Uruguaiana, em 1865, praticamente não encontraram resistência. Onde estavam os caudilhos e suas tropas? Segundo Julio Chiavenato, no seu livro Os Voluntários da Pátria, alguns caudilhos receberam dinheiro para manter milhares de soldados e na verdade não tinham soldado nenhum, embolsaram o dinheiro. Entre eles, Davi Canabarro e o general João Felipe Netto.
Nelson Werneck Sodré, em seu livro História Militar do Brasil relata caso semelhante na Guerra Cisplatina (1825-1829), que terminou com a independência do Uruguai, até então pertencente ao Brasil, com o nome de Província Cisplatina.
Caxias e o denuncismo
Depois de entrar em Assunção, em 1869, na Guerra do Paraguai, o Duque de Caxias estava doente e resolveu voltar para o Brasil. Solano Lopez já estava derrotado e passou a ser caçado, literalmente. Deixou a guerra ganha e voltou, usando quatro mulas do Exército para trazer seus bens. Foi chamado de ladrão de burros no Congresso, acusado de ter roubado as quatro mulas que pertenciam ao governo. Ele era senador e, ainda muito doente, foi se defender no Senado. Primeiro, mostrou que pela lei ele tinha direito de usar as quatro mulas, depois comprovou que tinha devolvido os animais assim que chegou.
Alistamento militar
Em 1874, a Lei 2556 alterava os critérios de recrutamento de soldados para o Exército e a Armada (Marinha): os recrutados, de 18 a 35 anos, podiam ser dispensados mediante o pagamento de 400 mil réis, o que tornava o privilégio inacessível para os pobres, pois um artesão ganhava 30 mil réis por mês. O recrutamento se tornou um verdadeiro negócio. Houve abusos e perseguições, resultando numa insurreição feminina chamada “Guerra das Mulheres”. Elas invadiam igrejas, rasgavam editais e faziam passeatas em várias partes do Brasil.
Rui Barbosa e a decepção
Rui Barbosa foi ministro da Fazenda no governo do Marechal Deodoro, o primeiro da República. Anos depois ele se mostrava decepcionado com os desacertos e a corrupção da República: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos anos”.
Graciliano e a boa administração
O escritor Graciliano Ramos foi prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas, e seus relatórios sobre a administração ficaram célebres, tanto pela forma quanto pelo conteúdo. Este é o trecho de um deles:
“No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985. E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isso: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbulhados pelos exatores”.
Itaipu
Segundo a revista Times, numa edição de 1981, empresas européias deram 140 milhões de dólares em propinas e suborno para autoridades brasileiras, para pegarem uma fatia da construção da usina de Itaipu.
O escândalo da mandioca
Na pequena cidade de Floresta, Pernambuco, a agência do Banco do Brasil fazia empréstimos a pessoas influentes do estado, supostamente para plantar mandioca. Mas elas nunca pagavam: alegavam que a seca destruíra os plantios que nunca foram feitos e os prejuízos eram cobertos pelo seguro agrícola. Em 1981, quando se descobriu a mutreta, calculava-se que o valor total dos “empréstimos” chegara a 700 milhões de dólares. Pedro Jorge de Melo e Silva, procurador da República, encarregado de apurar o caso, foi assassinado em Olinda, em 3 de março de 1982. Entre os acusados pelo assassinato, foi preso e condenado o major PM José Ferreira dos Anjos, que fugiu da cadeia em seguida e só recapturado em 1996. O processo de desvio de dinheiro não foi concluído e, claro, nenhum dinheiro foi devolvido.
Flagelados da seca
No Nordeste, é antiga a chamada “indústria da seca”. O dinheiro destinado a socorrer as vítimas da falta de água acabam em sua maior parte nos cofres de políticos e autoridades. E a parte que vai para a população nem sempre é para quem precisa. Um exemplo foi levantado em 1981, em São Raimundo Nonato, no sul do Piauí. Dos 2700 flagelados alistados para receber um pequeno salário para trabalhar nas frentes de trabalho, 1200 eram comerciantes com boa situação financeira, proprietários rurais e até médicos.
Jogando no ventilador
É comum justificar a corrupção como coisa que todo mundo faz. Quem não faz, sai perdendo. O empresário Emílio Odebrecht disse em entrevista publicado no Jornal do Brasil, em 24 de maio de 1992: “Eu acho que a sociedade toda é corrompida e ela corrompe. Hoje, para o sujeito resolver alguma coisa, até para sair de uma fila do INPS, encontra seus artifícios de amizade, de um presente ou de um favor. Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é um problema de valor, é a relação estabelecida”.
Previdência deficitária
Todos os governos dizem que a previdência é deficitária, justificando o achatamento do valor das aposentadorias. Mas o dinheiro que entra no sistema previdenciário é utilizado para muitas outras coisas, como o pagamento de dívidas de outros setores. Parte dele foi usado, por exemplo, para ajudar a pagar a Usina de Itaipu. No governo de José Sarney, na década de 1980, o ministro da Previdência, Waldyr Pires, cortou isso. Acabou com esse desvio e nesse período não faltou dinheiro na Previdência.
Quem devia tomar conta...
Recentemente, a Operação Curupira prendeu dezenas de pessoas de vários estados. Funcionários do Ibama, órgão encarregado de proteger o meio ambiente, estavam fazendo justamente o contrário, colaborando na extração ilegal de madeiras de lei. Entre os acusados, estava o Secretário Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso, o superintendente do Ibama no mesmo estado e o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente. Os prejuízos causados pelas fraudes cometidas foi superior a um bilhão de reais.
São comuns casos semelhantes na Funai, órgão encarregado da proteção aos índios.
Pizza gigante
Em novembro de 1988, o senador Carlos Chiarelli (PFL-RS), relator da CPI do Senado que investigava a corrupção no governo federal, denunciou 29 pessoas, incluindo o presidente José Sarney e vários ministros, acusados de usar critérios escusos na liberação de verbas públicas e favorecer algumas empresas na contratação de serviços públicos. Mas o processo foi arquivado, por pressões do PFL e do PMDB.
Financiamento de campanhas
Uma velha denúncia da fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, foi lembrada pelo professor Galvão de Souza, da PUC-SP: “Uma das formas mais comuns da corrupção dos estados democráticos envolve o financiamento dos partidos políticos”. No tempo dos fins da ditadura no Brasil, o ex-ministro Paulo Brossard dizia: “A democracia no Brasil é relativa, mas a corrupção é absoluta”.
Corrupção folclorizada
O brasileiro se acostumou tanto à corrupção nos governos que, em vez de se indignar, às vezes a folcloriza, transforma em piadas. Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo, ficou conhecido pelo slogan “rouba mas faz”, apropriado depois por malufistas. Claro que Maluf nega ser corrupto. Quem aceita a pecha são seus eleitores, alguns deles orgulhosos por seu ídolo nunca ter sido pego com a mão na massa, glória que vacila um pouco agora, com acusações de descoberta de contas bancárias altíssimas, com dólares suspeitos, em bancos da Europa, em nome de Maluf ou de familiares.
De Adhemar de Barros, sobraram muitas histórias, ou melhor, estórias. Uma delas conta que ele estava num comício e falou para a praça cheia:
– Dizem que eu sou ladrão. Mas – bateu no bolso da calça – neste bolso nunca entrou dinheiro roubado.
Do meio do público, veio uma voz solitária e gozadora:
– Calça nova, hem?
Corrupto assumido
Uma historinha é reveladora do conceito dos brasileiros sobre corrupção, que para muita gente é algo não tão grave assim. É “menos pior” do que outras coisas. No caso, é uma historinha de machismo. Ocorreu logo depois que os militares tomaram o poder, em 1964, quando a palavra gay significava simplesmente alegre, em inglês, ser homossexual não era uma coisa bem aceita pela sociedade e pelas famílias dos próprios – hoje assim chamados – gays.
Famílias ricas, quando tinham um filho homossexual, davam um jeito de esconder o fato. Algumas delas, politicamente influentes, arrumavam emprego para o filho enjeitado em alguma embaixada, quando mais distante melhor. Assim, pelo menos “não passavam vergonha”.
Então, as embaixadas brasileiras eram tidas, no exterior, como um amontoado de homossexuais, mas não só isso: de corruptos também. Era muito comum funcionários cobrarem propina para cumprir suas obrigações.
O marechal Castello Branco – o primeiro da série de militares a ocupar o poder, em 1964, disse que ia “moralizar” as embaixadas brasileiras, demitindo corruptos e homossexuais. E começou uma baita onda de demissões de funcionários que estavam no exterior.
Um dia, a imprensa do Rio teve notícia de que um homossexual e um corrupto foram demitidos da embaixada do Brasil em Paris, foram repatriados e chegariam num determinado voo. E na hora que o avião pousou havia um bando de jornalistas no aeroporto, querendo fazer matéria com os demitidos. Os dois saíram juntos do avião e, quando chegaram no saguão e viram aquele bando de repórteres e fotógrafos, um deles saiu pulando e gritando:
– O corrupto sou eu! O corrupto sou eu!
Comilões
Em 1981, quando Eurico Resende governava o estado do Espírito Santo, em apenas três meses as compras de carne para o Palácio atingiram 5,8 toneladas. Mas foram comprados também 850 frangos. Fazendo as contas, sua família “comeu” 72 quilos de carne e 9 frangos por dia. Mas o governo justificou: além das famílias havia os servidores que comiam lá! Haja servidores!
Darwin e a escravidão
Charles Darwin, autor da teoria da evolução, esteve no Brasil em 1836 e atribuiu o estilo de vida corrupto e desregrado existente aqui à escravidão: “É um país de escravidão e, portanto, de degradação moral”.
Estopins de escândalo foram inusitados
Os grandes escândalos que viraram CPIs para investigar corrupção tiveram como estopim para virem a público acontecimentos que não pareciam tão grandes. O escândalo atual começou a se tornar público a partir da filmagem de um funcionário dos Correios supostamente cobrando propina de R$ 3 mil. O impeachment de Fernando Collor, em 1992, começou com seu irmão Pedro Collor vindo a público denunciar a corrupção por causa de brigas familiares, incluindo um suposto assédio sexual do presidente à mulher de Pedro, Teresa Collor. A CPI dos Anões do Orçamento (eram sete parlamentares baixinhos envolvidos na manipulação do Orçamento da União) começou depois que foi preso o economista José Carlos Alves dos Santos, funcionário competente e respeitado no Senado. Sua prisão ocorreu porque sua esposa estava desaparecida, ele disse que ela havia sido seqüestrada mas era suspeito de ter participado de uma trama. Depois dele preso, a polícia encontrou em sua casa milhares e milhares de dólares. Para explicar a origem desse dinheiro, ele acabou confessando o envolvimento com os tais “anões do orçamento”, que recebiam grandes comissões para favorecer empreiteiras e desviavam recursos da União para entidades fantasmas de assistência social.
Correios: congresso caro
Em 1980, a realização do XVIII Congresso da União Postal Universal, no Rio de Janeiro, custou 450 milhões de cruzeiros, quando o custo previsto e relatado seria apenas de 20 milhões. Só em brindes (entre eles, 1.200 chaveiro de ouro, 600 pingentes de ouro e 160 canetas Parker) foram gastos 165 milhões. Mas houve também viagens para Manaus, Salvador e outros lugares, com hospedagem em hotéis 5 estrelas, oferecidas aos participantes.
Monteiro Lobato e o petróleo
O escritor Monteiro Lobato, defensor da exploração de petróleo no Brasil quando se dizia que não havia campos petrolíferos aqui, atribuía essa falsa informação a funcionários públicos encarregados da pesquisa que recebiam dinheiro da Standard Oil.
Corrupção militar
Em seu livro A História Militar do Brasil, Nelson Werneck Sodré dizia que durante o Império fornecedores do Exército enriqueciam rapidamente, passando recibo (e recebendo o dinheiro devido por isso) de mercadorias que nunca entregaram ou entregaram em quantidade ou qualidade diferente do especificado. Ele conclui: “Chega a ter a impressão de que de cada dez indivíduos nove eram desonestos ou dissidiosos na defesa da moralidade administrativa das Forças Armadas. (...) Os que discordavam eram poucos e considerados criadores de caso”.
Onze pontes?
Quando a ponte Rio-Niteroi foi inaugurada, uma informação não pôde ser publicada em lugar nenhum, pois era tempo de ditadura e certos assuntos eram barrados por ela: pagaram para sua construção onze vezes o valor do custo real. Só o Pasquim conseguiu informar, mas de forma velada. Publicou uma bela foto da ponte, com uma legenda mais ou menos assim: “Ilusão de ótica: onde vocês estão vendo uma ponte, na verdade são onze pontes”.
Para ir mais longe
Corrupção – um estudo sobre poder público e relações sociais, de Marcos Otávio Bezerra, Editora Relume Dumará
A economia política da corrupção no Brasil, de Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, Editora Senac
A Fantástica Corrupção no Brasil, de Mário Barros Junior, edição do autor
Náufragos, Traficantes e Degredados, de Eduardo Bueno, Editora Objetiva
(Foto: Polícia Federal MA)