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Na época da Constituinte, um bando de amigos quis que eu me candidatasse a deputado. Nós discutíamos muito sobre política, tínhamos muitas propostas para algum parlamentar do nosso lado que fosse participar da criação da nova Constituição do Brasil, e esses amigos acharam que eu é que devia levar essas propostas lá. Fizeram até um folheto citando as coisas que defendíamos, e distribuíram na feira livre da Vila Madalena, num sábado.
Não aceitei. Sabia que tinha muito pouca chance de ser eleito e também não tenho vocação para a coisa.
E pedi para abandonarem a ideia de minha candidatura, com um argumento:
— Se eu me candidatar, podem acontecer duas coisas ruins: uma delas é perder, e a outra é ganhar.
Não me imaginava convivendo numa boa com um direitistas fanáticos e outras figuras que certamente estariam no Congresso. Ser parlamentar exige isso, cordialidade no trato com esse pessoal, para aprovar propostas.
Mais tarde me propuseram de novo que eu me candidatasse a um cargo qualquer, e aí já eram outros tempos, em que a imprensa passou (e continua até hoje) a vasculhar o passado de políticos de esquerda, dos quais não gosta. Gente apoiada pela mídia tem o passado – e até o presente – blindado, mas quem ela não gosta, tá frito. Qualquer coisa vira escândalo.
E de novo me neguei a aceitar a candidatura, tanto pela certeza de que não ganharia como porque, se desse zebra e ganhasse, não aguentaria ocupar qualquer cargo político. Fui assessor parlamentar de um deputado petista em 1983 e não aguentei seis meses no cargo, pedi demissão mesmo sabendo que ficaria desempregado, pois a época era de uma recessão braba.
Mas brinquei de novo:
— Já imaginou a imprensa vasculhando a minha vida? Iam descobrir que quando era criança roubava jabuticaba no quintal dos vizinhos, e já adolescente andei roubando frango para cozinhar num boteco, de madrugada.
Era hábito da juventude de Nova Resende roubar frangos e a gente mesmo cozinhar num bar, bebendo até de madrugada. E eu fiz isso também. Ah, que escândalo! E algum jornalista que faz sem vacilar o que o patrão manda, se fosse à minha terra, poderia ficar sabendo que eu fui a prostíbulos também. Minha primeira relação sexual foi com uma prostituta. Vixe! Haja escândalo!
Mas nessa brincadeira, lembrei-me demais dos roubos de frango. Mesmo quando já morava em São Paulo, quando voltava a Nova Resende, às vezes participava de umas expropriações dessas. Era uma coisa que todo mundo sabia, até o promotor de Justiça participava de “ceias”, fingindo não saber a origem das aves.
Numa dessas vezes que voltei lá, o Tonho, um amigo que morou em São Paulo, tinha se mudado para a cidade e aberto um bar, que se tornou o preferido dos ladrões de frango. Podiam cozinhar lá e pagar só a bebida e o arroz.
Assim, pouco antes da meia-noite, depois de tomar umas cachaças para rebater o frio, saíam algumas duplas em direções diversas, à procura de galinheiros ou quintais onde se criavam frangos soltos. Às vezes, todos os grupos conseguiam roubar um ou dois, então sobrava frango. E o Tonho construiu um galinheiro no quintal, uma espécie de depósito de frangos roubados, que seriam usufruídos em noites de busca infrutíferas pelos quintais alheios.
Num período de escassez, mudou-se para a cidade um roceiro que trouxe com ele um montão de frangos, que ficavam soltos num quintal muito grande. Tornou-se o alvo preferido da turma.
Um dia ele saiu pela cidade avisando que tinha comprado uma espingarda e que mandaria bala em quem fosse roubar frango em sua horta à noite. Esperava desencorajar o pessoal.
No dia seguinte, um vizinho lhe perguntou:
— E aí, seu Ângelo, suas ameaças deram certo?
Ele fez uma cara triste e respondeu:
— Nada... Esta noite levaram até o rei do terreiro.
Me contaram depois que deu um trabalho danado pra cozinhar o galo dele, quer dizer, o “rei do terreiro”.
Esta crônica é parte integrante da edição 112 de Fórum.