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Marcos Guião era repórter fotográfico, quando o conheci, na década de 1980, quando trabalhava no Guia Rural Abril. Fotografando plantas medicinais para uma matéria no Guia, ele ouvia a conversa de um especialista no assunto com o repórter que faria o texto, gostou da história, largou a profissão, voltou para Belo Horizonte e começou a estudar fitoterapia. Andou conversando com curandeiros do norte de Minas, fez pós-graduação na Faculdade de Agronomia de Lavras e começou a frequentar São Gonçalo do Rio das Pedras, um belo e distante povoado, entre Diamantina e Serro.
Lá conheceu a Cris, professora de artes plásticas em Belo Horizonte, que também estava procurando um meio de deixar a cidade grande e viver uma vida diferente. Casaram-se e quando estive com eles tinham dois filho: Antônio de 12 anos, um menino esperto e inteligente, e João, de uns cinco anos, divertido e comilão, gordinho, do tipo que só fala em comida.
Viviam muito bem, quase sem dinheiro. O Guião dava consultas gratuitas à população. Quando alguém queria pagar, ele cobrava algo que o sujeito produzia. Mas muito pouco. Um quilo de arroz ou feijão, uma abóbora... Só que não valia nada comprado. Era a troca de trabalhos. Quando alguém trazia um quilo de arroz em saquinho de supermercado, discretamente ele não aceitava.
E o sujeito ainda levava os remédios de graça, preparados pela Cris, com a assessoria do próprio Guião. Essa economia de escambo é interessante, mas e a luz, água, roupas e outras coisas que requerem dinheiro? Ah, a Cris é professora. Dava aulas durante um período.
Com esse modo de vida, não podiam fazer coisas que exigissem grandes gastos. No fim de 2002, foram passar uns dias no litoral sul da Bahia, na casa de uma irmã da Cris. E na volta ficaram se lembrando de quanto tempo fazia que não iam à praia. Enquanto conversavam, o João ficava propondo que parassem num posto pra comer uns salgados.
O Antônio lembrava de algumas coisas da última vez que tinha visto o mar, uns sete anos antes, quando ele tinha apenas cinco anos de idade. Contou algumas histórias e o João entrou na conversa com algumas “memórias”. O Marcos disse pra ele:
— Não, João. Nesta época você ainda não estava aqui. Você ainda morava lá no céu.
Ele ficou quieto alguns minutos e sapecou:
— É, pai... “Nós” estávamos lá no céu. Mas depois fomos descendo, descendo, paramos numa lanchonete pra comer umas coxinhas...
(Este texto faz parte do livro “Trem Doido”, que lancei recentemente. Tive notícia depois que o Guião continua morando em São Gonçalo e, cada vez mais sábio, além do seu trabalho tradicional, dá palestras e cursos sobre plantas medicinais e coisas afins. Quem quiser conhecer um pouco do seu trabalho, é só entrar em www.naturezadosertao.com.br)