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Quando Luiza Erundina se candidatou a prefeita, para substituir Jânio Quadros, quase toda a imprensa ficou contra ela, que era do PT. Uma exceção gloriosa, da qual eu fazia parte (e me orgulho disso) era a Gazeta de Pinheiros, jornal que apesar de ser de bairro tinha grande tiragem, era respeitado e muito lido.
Erundina ganhou, e o pessoal do seu governo, que destinava anúncios aos jornais, achava que tinha que mostrar imparcialidade, mas era uma falsa imparcialidade: davam anúncios a tudo quanto era jornal que massacrava a prefeita e nada à Gazeta, para mostrar que não beneficiava o jornal que a apoiou. Quer dizer, o jornal foi castigado por ter apoiado a eleição de Erundina, pela própria equipe dela. Como o jornal já tinha perdido todos os grandes anunciantes justamente porque apoiava Erundina (os capitalistas sabem sufocar um meio de comunicação que lhe é desagradável, enquanto se fingem arautos das liberdades), perdeu as condições de continuar existindo. Foi vendido a um grupo que o tornou inexpressivo.
Por que me lembro disso?
Bom...Veja só, mais de duas décadas depois do fim da ditadura, fui censurado! Ou melhor, uma revista em que publiquei uma crônica, a Revista do Brasil, foi impedida de circular no mês de outubro, porque trazia uma matéria de capa com Dilma Rousseff. Os arautos da liberdade, tucanamente pediram e conseguiram (ô, Justiça!) que ela fosse proibida.
Motivo? “Ela é ligada a sindicatos, e publicações ligadas a sindicatos não podem tomar partido na época de eleições”. Será que as publicações dos sindicatos patronais são imparciais? Imagine se alguém pedisse que fosse proibida a distribuição de uma revista apoiando um tucano! Seria um escândalo, uma prova de que “caminhamos para uma ditadura”.
Mas tucano pode pedir censura, enquanto esbraveja por liberdades. É o que aconteceu com Beto Richa, candidato do PSDB a governador do Paraná. Conseguiu proibir que a Folha de S. Paulo publicasse pesquisas mostrando sua queda. E pode também esbravejar por liberdade de opinião e demitir colunista por “delito de opinião”, como o Estado de S. Paulo fez com Maria Rita Khel, durante o processo eleitoral. Que libertários nós temos na grande imprensa! Quá quá quá!
Mas tem mais: a Revista do Brasil tinha publicidade da Petrobrás e do Banco do Brasil! Ah, esta é outra coisa interessante. Milhões e milhões vão para revistas, como a Veja, verdadeiros panfletos antigovernistas, mas isso é “normal”. Quando sobra uma migalha para revista “de esquerda”, não pode.
Aí é que eu me lembrei da Gazeta de Pinheiros. Essas publicações e seus ideólogos que se apresentam como defensores-mor das liberdades não suportam liberdade para os que pensam diferente. Eles são os “moderados” que tentam condenar à morte os “radicais” que não dizem amém ao que pregam. São “moderados” que babam ultra-radicalmente de ódio.
Eles conseguiram uma coisa que acho inédita: censura é coisa feita por governos antidemocráticos, mas aqui no Brasil, quem está censurando é a oposição.
Aqui não há o hábito de ver os dois (ou mais) lados das coisas. Há muito eu me espanto quando donos de emissoras de rádio chiam quando têm que transmitir um programa eleitoral, por exemplo, dizendo que isso é uma interferência na liberdade de comunicação, mas cobram ação do governo e da polícia contra rádios comunitárias. A liberdade tem que ser só para eles, né?
Concessão? Só para eles.
Nisso tudo, nesse processo eleitoral pródigo em baixarias, e em relação à publicidade governamental, eu me lembro também de um petista de alto coturno a quem um amigo perguntou por que não se destinavam anúncios a publicações mais independentes; ele estufou o peito e disse orgulhoso: “Por mim, prefiro que vá tudo pra Globo”.
Por quê? Ora, na visão dele, com isso haveria “contrapartidas”, matérias favoráveis... Quá quá quá, de novo! Então, anúncios generosos (e põe generosos nisso!) para a direita, e migalhas para as “Gazetas” de hoje. Migalhas que justificam até a censura. A inovadora censura oposicionista.
Este artigo é parte integrante da edição 92 da revista Fórum.