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#maislivrosmenosarmas
Eu tinha uma vizinha querida apelidada de Fia. Nunca soube seu nome. Ela sem saber fazia rodas terapêuticas com sua bacia brilhante de alumínio cheia de jabuticabas. Eu era pequena e isso marcou muito a minha vida. Em roda saboreávamos as jabuticabas fresquinhas enquanto íamos resolvendo as diferenças.
No tempo da ditadura militar onde a escola era só repressão e mesmo crianças bem pequenas éramos tratadas como soldados, no tempo em que os pais na maioria das vezes achavam que espancar era educação, Fia era um oásis.
A vizinhança falava mal de Fia. Falava mal da minha vizinha mais doce que nos entendia e muitas vezes fez papel de mãe, pai, professora.
Falavam mal de Fia, porque mulher, ela se enfeitava, ouvia rock, Chico Buarque e não ficava fofocando com a vizinhança preconceituosa. Fia morreu cedo, acho que de desgosto de viver num mundo tão intolerante onde as pessoas se recusavam a pensar.
Me tornei professora e Fia, mesmo sem eu saber estava incorporada em mim.
Na sala de aula nos idos do começo dos anos 90. Os alunos cheios de preconceitos, agredindo uns aos outros. Levo uma bacia para sala de aula no Ensino Médio, 2º ano.
Peço para que sentem em roda ao redor da bacia com água limpa.
Falem, explicitem e argumentem e que ao fazer isso cada um vá lavando as mãos, a raiva, o que incomodava. Aos poucos eles vão se acalmando, respirando mais devagar, olhando no olho do companheiro, percebendo que apesar das diferenças havia tanto em comum: os medos, os desejos, as esperanças, os desafios da adolescência, um novo renascer.
No dia seguinte a sala era outra, muito mais respeito um com o outro.
Essa turma de 92 vai morar pra sempre no meu coração.
Professor educa para a vida de modo integral, professor é responsável pelas gerações futuras. Todo adulto é, mas muitos não são como Fia, muitos querem diminuir a maioridade penal ao mesmo tempo que criminalizam a mulher que aborta, muitos querem diminuir as políticas públicas de inclusão e falam de uma meritocracia quando nascem em lares privilegiados e vão competir com quem não teve acesso a nada. Alguns falam até que mulheres pobres só produzem filhos para o crime e que deveria ser política pública não o Brasil Carinhoso dos governos petistas, mas a laqueadura para mulheres pobres, para esterilizá-las.
Nós teremos o futuro que ajudamos a construir na educação das novas gerações. Podemos educar para o respeito às diferenças ou deformar para a intolerância e o ódio.
A escolha sempre é de nossa responsabilidade.
#FelizDiadoProfessor