Por Conceição Oliveira*
Não me surpreenderam as estratégias de ação que serão adotadas pelo novo secretário da rede estadual de educação de São Paulo, Renato Nalini, nomeado pelo governador tucano Geraldo Alckmin recentemente. O atual secretário bastante midiático (é blogueiro, comentarista do jornal da TV Cultura e vive dando entrevistas em canais de tv) quer fazer uso das redes sociais para implementar a política de fechamento de escolas, nomeada pelo governador eufemisticamente de “reorganização escolar”. A ideia do ex-desembargador agora na pasta da educação do governo tucano é tentará convencer a sociedade por meio do uso de youtubers como garotos propaganda que fechar escolas é bacana!
Aliás me parece que a escolha de um quadro da Justiça para ocupar a Secretaria da Educação do estado de São Paulo não é gratuita já que o governador tucano foi derrotado na Justiça em seu intuito de fechar escolas, após grande mobilização da comunidade escolar durante todo o segundo semestre do ano passado e em todo o estado.
Antes de comentar as declarações de Nalini publicadas em matéria do G1, muito reveladoras por sinal, é preciso ter uma ideia no que se passa na maior rede estadual de educação do país.
Há décadas, as escolas estaduais de São Paulo diminuíram muito sua oferta para os primeiros ciclos da educação básica. Esse declínio pode ser visto desde pelo menos 1995, ver (Decreto 40673/96). Ou seja, as redes municipais de educação que já cuidavam de creches, educação infantil e ensino fundamental 1 passaram a assumir paulatinamente também o Fundamental 2 (o prefeito Fernando Haddad vem oferecendo alguns cursos universitários nos CEUs, mas é exceção), o ensino médio ficou a cargo das redes estaduais. Lembrando ainda que o governo federal nos dois mandatos de Lula e no primeiro mandato de Dilma investiram pesadamente na construção de escolas técnicas federais. Até 2002, o Brasil tinha apenas 140 escolas técnicas federais. Em 12 anos de governos de Lula e Dilma foram criadas 374 escolas técnicas federais, três vezes mais do que foi construído em quase um século de história do Brasil.
No estado de São Paulo, creches, educação infantil são oferecidas pelos municípios como também a maior parte do Fundamental 1 e fundamental 2, e além disso o governo federal construiu 374 escolas técnicas de qualidade reconhecida nas avaliações nacionais. Em 2009, por exemplo, a melhor colocação no ENEM das escolas públicas localizadas no estado de São Paulo não pertencia à rede estadual paulista. Trata-se do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Esta escola técnica federal oferece o ensino médio integrado com a formação técnica. Trinta e quatro escolas técnicas federais entre as 374 construídas por Lula e Dilma estão no estado de São Paulo. Assim, a rede estadual paulista não oferece aos paulistas nem creches nem educação infantil, oferece pouco Ensino Fundamental 1 e ensino Fundamental 2, pois o grosso de sua atuação é o Ensino Médio em nível regular e em parte nível técnico.
Na página oficial do governo tucano paulista sobre a "reorganização" escolar, malandramente o governo do estado diz que o estado de São Paulo “perdeu” 2 milhões de alunos de 1998 e 2015. O que o governo tucano de São Paulo sonega à população ao usar esse dado? Vejamos:
1) Nesses 20 anos há uma política deliberada dos governos tucanos no estado de São Paulo de sucatear a rede estadual, o que obriga as famílias a buscar nas escolas municipais alternativas para o Ensino Fundamental. O sucateamento ocorre pela falta de investimento da administração tucana na educação: metade dos professores da rede do estado de São Paulo são temporários, sem concurso público, muitos ainda em processo de formação (estudantes de universidades), há falta de investimento nas escolas, ausência de política para planos de cargos e salários, escolas em péssimas situações estruturais. O resultado são salas de aulas superlotadas (especialmente no nível médio), professores desestimulados, sem vínculo com a comunidade, direções não escolhidas democraticamente pela comunidade escolar (vide a atuação autoritária de muitos desses diretores durante as ocupações das escolas pelos estudantes, alguns deles ameaçavam alunos, pais e professores) que culminam em índices cada vez mais baixos nas avaliações de desempenho feitas pelo próprio estado de São Paulo em sua rede de ensino.
2) No Brasil inteiro diminuiu o número de nascimentos, portanto, diminuiu a pressão por vagas na rede escolar de todo o país (ver dados comparativos do censo 2010 em relação ao censo de 2000 para a região Nordeste por exemplo). Mas não precisa ser demógrafo para saber que se o gestor fizer bom uso dos recursos que dispõe – mais dinheiro para menos alunos -, ele poderá investir esses recursos nas escolas com: formação continuada dos professores, atualização dos equipamentos técnicos, reformas nos prédios, fazer concurso público, aumentar salários dos professores dentre outros investimentos em recursos estruturais, técnicos e humanos.
3) A rede estadual paulista está no topo dos estados brasileiros em entulhar aluno em sala de aula. Sim, aqui a opção tucana tem sido continua e silenciosamente fechar escolas e transformá-las, por exemplo, em quartéis da PM. Isso mostra quais são as escolhas políticas deste estado governado há 20 anos pelo PSDB, que trata a segurança pública como sinônimo de repressão e encarceramento.
São Paulo é campeão em encarcerar devido aos seus índices astronômicos na indústria prisional (com serviços terceirizados que dão enormes lucros aos empresários das prisões e gastos astronômicos aos contribuintes. O estado tucano de Minas, por exemplo, em 2007 gastou 11 vezes mais para manter uma pessoa presa que uma aluno na escola) o Brasil está entre os quatro primeiros países de maior população carcerária do planeta. Não é à toa que o governador Geraldo Alckmin é o garoto propaganda no projeto que visa aumentar o número de anos de cumprimento de penas para o menor infrator. Alckmin e o restante dos tucanos apostam nas prisões no lugar de escolas.
Assim diante deste quadro, a receita do Estado mínimo tucano para a educação é fechar escolas, entulhar alunos em sala de aula, jogá-los para estudar longe de casa, segregá-los geracionalmente, utilizando como argumento a separação por ciclos e em última instância aprisiona-los, seja nas fundações para menores infratores ou nos presídios ao completarem 18 anos.
Agora retomemos a fala do novo secretário de educação midiático, Renato Nalini, em matéria do G1 já linkada anteriormente:
José Roberto Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma ter a convicção de que o ciclo único é mais vantajoso. Segundo o novo secretário, com a mistura de faixas etárias, "crianças são atropeladas na hora da merenda e há formação de grupos que praticam o bullying".
É bastante reveladora a fala do novo secretário que nunca abriu sequer um livro de algum teórico respeitável da educação e que faz Vigotsky revirar no túmulo. Para o novo secretário as escolas da imensa rede estadual paulista que ainda preservam Ensino Fundamental junto com Ensino Médio não ganham nada em manter estudantes de diferentes ciclos da Educação Básica estudando no mesmo espaço. Ao contrário, ele considera que os estudantes maiores, além de não ter nada para ensinar aos menores, são, por natureza, sujeitos violentos que atropelam crianças na hora da merenda e praticam ‘o bullying’.
Qualquer aluno no primeiro ano de pedagogia sabe que ambientes ricos em diversidade sejam elas geracionais, étnico-raciais, de gêneros e identidades sexuais, de opções religiosas, com nacionais e estrangeiros, enfim, são ambientes ricos de aprendizagem nas relações de convivência para que efetivamente a escola cumpra o seu papel de formar cidadãos que respeitem as diferenças. Portanto, o argumento do novo secretário nega por excelência o papel da escola em sua basilar e fundamental função: ensinar a convivência democrática e respeitosa de uns com os outros para viver em sociedade. Talvez porque na lógica do PSDB o que importa mesmo é armar a PM para resolver qualquer conflito a base de bombas de gás, spray de pimenta e balas de borracha (às vezes balas mortíferas mesmo).
Causa espécie o secretário querer fazer uso das redes para forçar a implementação de uma proposta cujo objetivo é reduzir custos do estado na área da educação, mas vendê-la pela propaganda como melhoria para o ensino e ao mesmo tempo desconhecer o papel que as redes sociais na atualidade. Mesmo que as escolas no século XXI pratiquem uma escolarização do século XIII, é grave o fato de um secretário da educação desconhecer, por exemplo, que uma das práticas de alunos inseridos em ambientes autoritários é fazer uso da violência preferencialmente pelas redes sociais. O secretário precisa dedicar tempo para conhecer os estudos que mostram que grande parte do bullying praticado entre os estudantes o meio preferencial são as redes sociais. Se os alunos não são formados para serem respeitosos com a diversidade eles serão violentos no mundo online e off-line, dentro e extramuros escolares.
Finalmente, o desembargador que defende o aumento de subsídios para juízes (que ganham pelo menos dez vezes mais que um professor da rede estadual) viajarem para Miami, comprarem seus ternos e não ficarem deprimidos (veja os 'argumentos' do secretário no vídeo abaixo) deveria acompanhar um dia pelo menos de qualquer escola pública que tenha mais de um ciclo. Ele certamente não dará o vexame de mostrar toda a sua ignorância pública sobre a Secretaria que acabou de assumir, demonstrando que não sabe, por exemplo, que os intervalos de cada ciclo são em horários diversos, porque nenhum refeitório e/ou quadras de uma escola (sejam elas públicas ou privadas) comportam todos os estudantes ao mesmo tempo. Dispenso aqui comentário sobre o jornalista que fez a matéria e não confrontou o secretário sobre tamanha desinformação, possivelmente o jornalista já se esqueceu dos tempos de escola e depois de formado jamais pôs os pés em uma delas.
Que o novo secretário da Educação que parece ser uma pessoa vaidosa (exibindo seus pensamentos em muitos meios de comunicação) nos fale mais sobre o que pensa sobre a secretaria que assumiu. Talvez possamos descobrir as pérolas de seu pensamento como no vídeo abaixo (por volta dos 23 minutos) quando ele afirma ter 'inveja' da tenacidade do Isis, do fundamentalismo islâmico, porque aqui vivemos um 'deserto de ideias'.
"O que podemos tirar de lição desta tragédia é a convicção, o idealismo, a força, a intensidade do sentimento que leva essas pessoas a enfrentarem o risco de morte para defender uma ideia. Quando você vê aqui no Brasil este deserto de ideias*, não é? Um lugar onde não há nenhuma perspectiva, não há alguém que consegue liderar, que consiga oferecer uma bandeira, não é? Não que tenhamos que copiar isso que é tão trágico, MAS NÃO DÁ INVEJA DE UM POVO QUE PREFERE SE IMOLAR, PREFERE MORRER, POR CAUSA DE UMA IDEIA? EM FAVOR DE UMA IDEIA, QUANDO NÓS, APARENTEMENTE NÃO TEMOS IDEIA ALGUMA."
Parece que o ‘deserto’ de ideias reside no pensamento tucano. Que os youtubers que se prestarem a este papel vergonhoso de defender o indefensável se virem nos 30 ao serem usados como garotos propaganda e ao menos não repitam falsos argumentos do senso comum. Pois os guris e gurias corajosos, que enfrentaram o truculento governador Geraldo Alckmin, seus diretores nomeados e, igualmente, autoritários e sua polícia militar que parece não ter filhos em idade escolar, aprenderam a lutar.
Os estudantes, parcela dos professores e pais aprenderam a duras penas que uma escola pode ser democrática e não abrirão mão do direito de assegurar o futuro da educação.
Que o novo Secretário se prepare, por exemplo, para efetivamente agir com transparência para que denúncias de desvios de recursos federais destinados à merenda escolar, que envolvem o alto tucanato do Estado de São Paulo (do gabinete do governador, a seus parentes prefeitos, passando pelo presidente tucano da ALESP) não se repitam.